Acórdão nº 3387/17.2T8BRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelFERREIRA LOPES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher BB, CC e mulher DD, residentes em ..., ..., instauraram acção declarativa com processo comum, contra “Carvalho, Inácio, Esteves, Duarte & Araújo, S.A”, doravante designada CIEDA, e EE, com sede em ..., ..., pedindo a condenação dos RR a restituírem-lhes a quantia de €140.000,00, acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo pagamento.

Como fundamento, alegaram, no essencial, terem entregado aos RR as quantias de, respectivamente, €65.000,00 e €75.000,00 no âmbito de contratos promessa de cessão de quotas celebrados em 2003 com a 1ª Ré, representada pelo 2º Réu, os quais vieram a ser revogados por mútuo acordo das partes, conforme resultou provado na sentença transitada em julgado proferida no P. 1944/12....., que correu termos entre as mesmas partes.

Os RR contestaram, a 1ª Ré arguindo, além do mais, a excepção do caso julgado formado na acção nº 1944/12....., acção esta em que ficou provado que a Ré desconhecia a existência dos alegados contratos promessa e os pagamentos invocados, e acção em que lhes foi negado a pretensão à devolução em dobro do sinal prestado no âmbito dos mesmos contratos.

O Réu EE também contestou, invocando a sua ilegitimidade, uma vez que agiu como gerente da CIEDA, alegando ainda que o que resulta da sentença é que AA e o Réu acertaram “desistir” dos contratos, não que tenham sido revogados por mútuo acordo.

O processo seguiu a sua tramitação normal, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, tendo os RR sido condenados a restituírem aos 1º AA a quantia de €65.000,00 e aos 2ºs AA a quantia de €75.000,00.

Inconformados, apelaram os RR para a Relação de ... mas sem sucesso pois que aquele tribunal confirmou inteiramente a sentença.

Ainda inconformados, os RR interpuseram recursos de revista excepcional.

Os recursos foram admitidas pela Formação a que alude o nº 3 do art. 672º do CPC, quanto “à questão da validade da revogação dos contratos promessa de cessão de quotas em causa, por mútuo acordo verbal dos contraentes” por o acórdão recorrido, quanto a esta específica questão, estar em oposição com o acórdão do STJ de 16.05.2002, P. 02B1279, verificando-se, assim, a situação prevista na alínea c) do nº1 do art. 672º.

O Réu EE remata a sua alegação com as seguintes conclusões: Da nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia, e consequente violação do artigo 615, nº 1, alínea d) do CPC.

B. Realizada a primeira audiência prévia, o tribunal a quo convidou os autores a aperfeiçoarem os artigos 16 e 17 da p.i., na medida em que tal matéria era “manifestamente conclusiva e deficiente.” C. Os AA vieram cumprir o determinado, tendo esclarecido e complementado a PI, que a dita revogação teria ocorrido no ano de 2004.

  1. Perante os esclarecimentos complementares – no plano factual – o aqui Recorrente veio exercer o contraditório no dia 08.10.2018, no qual arguiu a nulidade da alegada revogação por falta de forma legal e a prescrição do direito invocado pelos AA, porquanto entendeu ter direito ao contraditório (nº3 do art. 3º do CPC), (…).

  2. Nesse seguimento, foi proferido despacho saneador no qual se julgou improcedente a exceção de ilegitimidade passiva do Recorrente, entendendo ainda o Tribunal que “toda a defesa – por impugnação e excepção- deve ser deduzida na contestação” por força do princípio da concentração de toda a defesa na contestação; nessa medida, “tendo sido omitidas na contestação as exceções de nulidade do acordo revogatório e da prescrição, deduzidas apenas em resposta a um aperfeiçoamento ou aditamento à petição, são ineficazes, tendo precludido o direito de as invocar depois da contestação, o que se decide”.

    F.

    O demandado ainda ponderou interpor recurso desse segmento decisório do despacho saneador; porém, nos termos do nº 3 do art. 644º, tais decisões interlocutórias podem ser impugnadas no recurso interposto da decisão final, pelo que aquele decidiu concentrar a sindicância daquela decisão no recurso da sentença final, o que o fez na Apelação cuja decisão impugnamos pelo presente.

    G.

    Ora, a defesa superveniente efetuada através de requerimento do exercício do contraditório apresentado em 08-10-2018 deve ser considerada eficaz, porque porque elaborada na sequência de factos novos trazidos aos autos pelos AA, pelo que o Tribunal da Relação de ... deverá pronunciar-se sobre a mesma.

    H.

    Desta feita, a decisão proferida no despacho saneador não transitou em julgado, nem a questão da prescrição é uma questão nova, como entendeu o Tribunal da Relação de ... no Acórdão de que se recorre.

    I.

    Assim, não sendo a questão da prescrição do direito invocado pelos Autores uma questão nova, bem como a sua apreciação ser possível no âmbito de recurso, nos termos do artigo 644, nº 3 do CPC, o Venerando Tribunal da Relação de ... ao decidir, no Acórdão de que se recorre, não apreciar tal questão suscitada perante o mesmo, cometeu uma nulidade por omissão de pronuncia, que aqui expressamente se argui e deve ser declarada, nos termos do artigo 615, nº 1 alínea d) do CPC.

    Contradição do Acórdão recorrido com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 16/05/2002, publicado em www.dgsi.pt e cuja copia se junta, no que concerne à questão da forma que deve revestir a revogação por mutuo consenso de contrato promessa outorgado pelas partes.

    J.

    A posição assumida pelo Venerando Tribunal da Relação de ..., no Acórdão de que se recorre, no que concerne a “não se justificarem as exigências de forma do contrato promessa de compra e venda de imóveis para o acordo extintivo do mesmo, sendo pois válida a resolução verbal efetuada no caso concreto”, está em total confronto com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, já transitado em julgado, sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, proferido em 16 de Maio de 2002, publicado em www.dgsi.pt, em cujo sumário podemos ler que “Se o contrato-promessa dever constar de escrito assinado pelos promitentes, a sua revogação por mútuo consenso deverá obedecer àquela forma legal” (juntamos como documento nº 1 a cópia do referido Acordão).

    K.

    Ora, estes Acórdãos, tem aspectos de identidade que determinam a sua contradição, a saber: i) Ambos têm como causa de pedir a celebração de contratos promessas cuja revogação, por mutuo acordo, se pretende seja reconhecida; ii) A fundamentação acolhida no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ... é sustentada na forma de revogação dos contratos promessa de compra e venda de imoveis; revogação por mutuo acordo essa que é analisada, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça referido, com base também em um contrato promessa de compra e venda de bens imoveis; iii) No Acórdão de que se recorre, entendeu o Tribunal “a quo” não ser necessária a forma escrita para tal revogação por mútuo acordo; enquanto que no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que se junta, foi decido que tal revogação terá que revestir a forma escrita.

    L.

    Desta feita, estão reunidos os pressupostos para admissão da Revista Excepcional do Acordão de que se recorre, nos termos do artigo 672, nº 1, alínea c e nº 2, alínea c) do CPC, o que se pede; sendo que o presente recurso deverá ser admitido, e afinal, ser substituído o Acórdão de que se recorre por outro que julgue a nulidade do acordo revogatório verbal, celebrado entre Autores e Réus, por vicio de forma, e, posteriormente, se declare prescrita a obrigação de restituição invocado pelos autores, nos termos do instituto do enriquecimento sem causa.

    M.

    Na verdade, da declaração de nulidade formal, relativa ao contrato de revogação dos contratos promessa que constituem causa de pedir da presente ação; só poderá resultar obrigação de restituição que os Autores se arrogam, provinda da fonte das obrigações do enriquecimento sem causa, com regime específico nos arts 473ºss do C.C.

    N.

    A presente ação foi impetrada em 2017, muitos anos depois de verificado o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa; o qual, nos termos do art. 482º do C.C., é de 3 anos.

    O.

    A revogação em questão, aconteceu através de acordo revogatório; ou seja, contrato extintivo ou abolitivo de mútuo consenso entre as partes.

    P.

    Se houve – como houve – a falta de redução a escrito do aludido acordo revogatório; também, tal preterição é imputável aos autores (e não só ao aqui demandado recorrente).

    Q.

    A preterição da forma legalmente imposta para a revogação contratual, implica a nulidade da mesma.

    R.

    A fonte das obrigações do contrato (revogatório), não se aplicará no causo dos autos; porquanto, o acordo revogatório, é nulo por vício de forma.

    S.

    Pelo que o direito que os autores se arrogam só pode alicerçar instituto do enriquecimento sem causa.

    T.

    Ora, assim sendo, tal direito encontra-se prescrito (e tal prescrição foi tempestivamente invocada em sede de articulados); porquanto o acordo revogatório é nulo, por vício de forma (sem qualquer abuso de direito por parte do demandado recorrente); na medida em que, entre a data da revogação (por mútuo consenso) e o momento em que a presente ação foi proposta (2017), mediaram mais de 12 anos, quando o prazo prescricional do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do C.C, é de 3 anos.

    U.

    Desta feita, deverá o Acórdão da Relação de ... ser revogado por Acórdão a proferir pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde seja sufragada a tese do Acórdão proferido por este mesmo Tribunal, em 16 de Maio de 2002, no qual se declare a nulidade do acordo revogatório celebrado entre autores e réus, por vício de forma, e, concomitantemente, se declare tempestiva a arguição da prescrição da obrigação reclamada pelos Autores, por a mesma só ser exigível no âmbito da fonte das obrigações do enriquecimento sem causa, julgando-se procedente tal excepção deduzida pelo demandado/recorrente; e consequentemente, absolver-se o recorrente do pedido.

    Conclusões da Recorrente CIEDA: A) Sem prejuízo do desenvolvimento constante das presentes alegações o presente...

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