Acórdão nº 672/16.4T8CBR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

AA e BB, residentes em Portugal na Rua …, n.º …, …., … e na Suíça em Chemin …, …, …, Suíça, propuseram no Juízo Central Cível de …, Juiz 4, contra Banco Espírito Santo, S.A.

, e Novo Banco, S.A.

, ambos com sede na Avenida …, n.º …, …, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo que: - os réus fossem solidariamente condenados a reconhecer a falta de forma dos negócios realizados pelo Banco Espírito Santo, S.A. (BES); - os mesmos negócios fossem declarados nulos; - subsidiariamente, os réus fossem condenados a reconhecer que incorreram na violação de deveres de informação e esclarecimento, violação de regras atinentes a deveres de informação e esclarecimento designadamente do regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10; - se declarasse que a falta de cumprimento dessas regras provoca a exclusão das cláusulas e consequentemente a invalidade das operações realizadas; E, e se assim não se entendesse, - que se reconhecesse que os réus incorreram em responsabilidade civil por violação dos princípios da boa-fé negocial e regras de informação e se declarasse a anulabilidade/resolução dos contratos celebrados; - cumulativamente, por força da nulidade / anulação / resolução do contrato, fossem os autores ressarcidos de € 135.000 (quantia investida) bem como os réus condenados a pagar € 9.975,39 pelos danos de privação de depósitos, acrescido de juros vincendos, € 31.500 por prejuízos pelas rendas que poderiam obter caso imóveis estivessem prontos e € 5.000 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros à taxa de 4% até integral pagamento.

Os autores alegam, em síntese, que: - efectuaram depósitos junto do BES, visando depósitos a prazo garantidos; - têm ambos perfil conservador ou prudente; - em 27.07.2014 ficaram a saber que, sem sua autorização e sem qualquer informação, os depósitos tinham sido investidos em acções ao portador, no valor total de € 135.000; - não existe qualquer contrato ou informação reduzida a escrito; - não lhes foram comunicadas cláusulas contratuais; - se soubessem que os montantes por si entregues seriam destinados à aquisição de acções, não teriam celebrado qualquer contrato; - ficaram impedidos de usar os rendimentos que iriam obter para usar em investimento imobiliário com o que perderam € 250 /mês por cada um dos dezoito quartos que iriam arrendar a estudantes; - tiveram de contrair empréstimo de € 60.000 para continuar com as obras; e - sentem-se revoltados, burlados, inquietos, sem conseguirem dormir com a possibilidade de perderem as suas poupanças.

  1. Citados, contestaram os réus, alegando, em resumo, que:

    1. O Novo Banco: - o tribunal é incompetente em razão do território; - é parte ilegítima por não ter sucedido nos deveres do B. E. S.; - se assim não se entender, há manifesta improcedência do pedido; - a petição inicial é inepta; - ocorre impossibilidade superveniente da lide por, mesmo que tivessem sido transmitidas obrigações a cargo do BES, as mesmas, por força de deliberação do Banco de Portugal de 29/12/2015, foram retransmitidas ao mesmo BES; - são inexactos ou inexistentes os factos alegados pelos Autores, tendo a atuação em causa do BES sido efetuada com o seu conhecimento e autorização, não tendo provocado quaisquer danos; e - caducou o direito dos autores.

    b) O BES: - o cumprimento de qualquer obrigação a instituições objeto de resolução é inexigível (artigo 145.º-L, n.º 7, do R.G.I.C.S.F.); - é falso o alegado pelos Autores tendo sido efetuada a subscrição em causa a seu pedido cujas características bem conheciam; e - desconhece a existência de danos não patrimoniais.

  2. Por despacho de fls. 386/390 foi declarada extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto pelo artigo 277.º, alínea e), do CPC no que respeita ao réu BES.

  3. A fls. 395 a 398 foi julgado o tribunal incompetente em razão do território, determinando-se a competência territorial no juízo central cível de … onde foi posteriormente distribuído ao juiz 1.

  4. Foi realizada audiência prévia onde foi elaborado despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de nulidade da petição inicial por ineptidão e de ilegitimidade.

  5. De seguida, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a acção.

  6. Irresignados e pretendendo a revogação desta decisão, os autores recorreram para o Tribunal da Relação.

  7. Apreciando o recurso, proferiu este Tribunal um Acórdão em que se decidiu: “Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida”.

  8. Insatisfeita a sua pretensão, vêm agora os autores interpor recurso de revista por via excepcional para este Supremo Tribunal.

    Interpõem o recurso ao abrigo da norma do artigo 672.º do CPC, designadamente das suas als.

    a) e b), alegando que a questão suscitada no recurso (saber se o réu Novo Banco, S.A., é responsável perante os autores / recorrentes por actos praticados pelos BES) é não só uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito como também envolve interesses de particular relevância social.

    Formulam, a final, as seguintes conclusões: “A. Foi proferida Decisão pelo Douto Tribunal da Relação de Coimbra, nos autos à margem identificados, tendo-se decidido pelo seguinte: “(…) Temos assim que, na nossa visão, não é possível considerar transmitida para o recorrido qualquer obrigação que derivasse da procedência dos argumentos dos recorrentes não sendo aquele seu devedor. Deste modo, foi corretamente, face ao dado como assente e não questionado e ao teor do alegado, decidida a questão pelo tribunal recorrido. Decisão: Julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

    1. Ora, não se podem conformar os Recorrentes com essa decisão, nem com os fundamentos apresentados pelo douto Tribunal uma vez que se encontram em contradição com outros acórdãos já transitados em julgado, como a seguir se alegará.

    2. Não podem os Recorrentes concordar com a argumentação do tribunal a quo nem com os fundamentos apresentados.

    3. Resulta do acórdão ora recorrido (e igualmente da sentença) que a questão a decidir é se o Novo Banco é sucessor, face às deliberações do Banco de Portugal, do BES? Ou as ações preferenciais em causa foram excluídas do Novo Banco (banco bom) permanecendo no BES (Banco Mau)? E. A decisão de absolver a R. N.B. do pedido assentou numa interpretação redutora e contra o espírito das normas aplicáveis ao presente caso.

    4. Inclusivamente, tal entendimento preconizado pelo Tribunal a quo de acordo com o qual a presente ação deve ser julgada improcedente tendo em conta tal medida de resolução e deliberações emitidas pelo Banco de Portugal viola o princípio da proteção dos credores consagrado no art. 145º-D al. c) do RGIF, segundo o qual nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação, verificando-se, portanto, em consequência, da solução dada pelo douto Tribunal recorrido, como dito, um vazio de responsabilização.

    5. Em todo o caso, a este respeito, cumpre referir que designadamente as deliberações do Banco de Portugal com base nas quais o Tribunal a quo julgou improcedente a presente ação foram impugnadas judicialmente por diversas razões legais e constitucionais e até por violação de vários preceitos da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia.

    6. Embora os poderes do BdP possam ser discricionários, não são arbitrários, pois, estão sujeitos aos princípios da adequação e proporcionalidade (art.º 139.º, n.º 2 do RGIF), bem como às regras enunciadas no art.º 145.º-H do RGIF e, naturalmente, aos princípios e direitos fundamentais garantidos pela Constituição.

      I. A deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, com a clarificação/correção da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, excluindo as responsabilidades para com os AA., violou direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, como o direito de propriedade.

    7. O BES sabia que os Autores apenas queriam confiar o seu dinheiro em produtos seguros e com disponibilidade imediata de capital em caso de pedido de reembolso, K. Mas ainda assim aplicaram aquele dinheiro do A. em produtos que sabiam não ser abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósito, nem tão pouco que ofereciam a segurança pedida pelos Autores.

      L. Com aquele comportamento BES usou do dinheiro dos Autores à revelia das suas instruções, aplicando-o em produtos de alto risco.

    8. O BES é responsável, seja por responsabilidade pelos conselhos, por violação do dever de informação a cargo das instituições de crédito e dos intermediários financeiros, seja pela garantia, seja por assunção da dívida, seja por fiança.

    9. Tendo em atenção o contexto das declarações negociais, o BES assumiu perante os AA. o compromisso firme e efetivo de garantia de reembolso da importância aplicada, com juros, no período convencionado.

    10. Por conseguinte, o BES é responsável, como garante, como resulta do atrás exposto e a responsabilidade transmitiu-se para o Novo Banco, por efeito da operação de resolução.

    11. Acresce que o BES, quer o Novo Banco, na Presidência de CC, efetuaram pagamentos aos Autores o que implica o reconhecimento por parte do Novo Banco da sua responsabilidade para com os Clientes.

    12. Face a estes reembolsos, que permitiram um saldo contabilístico na conta dos Autores no valor de 63.939,97€, afigura-se pertinente a questão: se, de acordo com a douta sentença ora recorrida, o NOVO BANCO não assumiu os passivos do BES, por que motivo assumiu este reembolso? R. Mas outras questões se impõem: d) Se os valores não transmitiram para o Novo Banco, porque motivo apresentaram duas propostas de pagamento? e) Se não há responsabilidade solidário por que motivo os Autores são clientes do Novo Banco, recebem extratos de conta, sem nunca terem solicitado e recebem inclusivamente...

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