Acórdão nº 7617/15.7T8PRT.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA e mulher, BB, instauraram uma acção popular contra Banco Comercial Português, S.A., pedindo: «– Que a todos os clientes da R. titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses mesmos contratos através de qualquer meio de pagamento idóneo, nomeadamente, mas não exclusivamente, por débito em conta de depósitos à ordem de que sejam legítimos titulares e com poderes para movimentação junto de qualquer instituição bancária a operar em Portugal ou crédito de dinheiro em conta titulada pela R. em Portugal com a indicação que permita identificar o contrato para pagamento.

Caso o ponto anterior não proceda, – Que a todos os clientes da R. titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses mesmos contratos por débito em qualquer conta de depósito à ordem aberta junto de qualquer instituição bancária a operar em Portugal da qual sejam legítimos titulares e com poderes para a sua movimentação, independente da conta escolhida ser a que consta ou não no contrato para a aquisição de imóvel habitação celebrado com a R..

Caso ambos os pontos anteriores não procedam, – Que a todos os clientes da R. titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., seja reconhecido o direito a procederem ao pagamento das prestações correspondentes a esses mesmos contratos por débito em qualquer conta de depósito à ordem abertas junta da R. de quais sejam legítimos titulares e com poderes para a sua movimentação, independente da conta escolhida ser a que consta ou não no contrato para a aquisição de imóvel habitação celebrado com a R.

– Em qualquer dos casos, e como consequência, seja a R. obriga a reconhecer que todos os clientes titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, entre os quais os ora AA., têm o direito a alterar o domicílio de pagamento das prestações desses contratos.

– Seja a R. obriga[da] a reconhecer publicamente que não pode obstar ao encerramento de uma conta de depósitos à ordem apenas porque na mesma está domiciliado o pagamento das prestações relativas a contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação e, em consequência, seja reconhecido o direito a todos os clientes da R. titulares de contratos de abertura de contas de depósito à ordem, entre os quais os ora AA., o direito a encerrar as contas de depósitos à ordem junto da R. se outras razões a isso não obstarem.

– Seja a R. obriga[da] a reconhecer publicamente que não pode cobrar comissões de gestão de conta de depósitos à ordem que servem para pagamento das prestações de crédito à aquisição de imóvel habitação contraído junto desta, quando a mesma conta consta no contrato que suporta tal crédito.

Em qualquer dos casos, seja a R. condenada a devolver, a cada um dos seus clientes titulares de contratos de crédito para a aquisição de imóvel habitação, incluindo os AA., os montantes relativos às comissões de gestão de conta cobrada pela manutenção das contas de depósitos à ordem que tenha servido, nesse período, para pagamento das prestações dos aludidos contratos de crédito para aquisição de imóvel habitação, a apurar individualmente e a posteriori, em sede de execução de sentença.» Pede que sejam citados “todos os clientes da R. com contas de depósito à ordem que servem para pagamento das prestações do contrato de crédito habitação para aquisição de imóvel”, nos termos e para os efeitos do artigo 15º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto (Lei de participação procedimental e de acção popular).

Em síntese, alegaram que em1998 o autor marido celebrou com a ré um contrato (de adesão) de abertura de conta de depósitos à ordem e um contrato de trabalho, cuja retribuição era necessariamente creditada naquela conta (“conta ordenado colaborador”); que em 2000 celebraram com a ré “um contrato de crédito para aquisição de imóvel para habitação própria e permanente”, também contrato de adesão, cujas prestações mensais tinham de ser debitadas na conta de depósitos à ordem; terminado o vínculo laboral, pretendeu encerrar aquela conta, pela qual passou a ter de pagar comissões de manutenção, cada vez mais elevadas, sem o conseguir; que tal actuação da ré viola a lei que defende os consumidores contra práticas comerciais desleais, a Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, e é abusiva; que têm legitimidade para instaurar a presente acção popular.

A ré contestou, desde logo negando que se verificassem os pressupostos de admissibilidade da acção popular e que os autores tivessem qualquer razão; recordou que o contrato de mútuo gozou das condições favoráveis concedidas aos seus colaboradores; que os autores se obrigaram a ter aberta uma conta por ambos titulada enquanto se mantivesse o mútuo; que, enquanto o autor foi trabalhador da ré, a conta associada ao pagamento do mútuo estava isenta de comissões porque tinha domiciliado o pagamento do ordenado; que os benefícios se conservaram quando o autor deixou de ser funcionário, por revogação por acordo do contrato de trabalho; que, enquanto o subsídio de desemprego esteve domiciliado na conta, não foram cobradas comissões de manutenção; que se mostrou disponível “para analisar a substituição da conta associada ao crédito à habitação por outra e nomeadamente por outra que estivesse isenta de comissão de manutenção”, sem obter resposta dos autores, que são titulares de três contas “no universo do Banco réu”; que é legítima a associação entre uma conta de depósito à ordem e de um contrato de concessão de crédito à habitação; que a propositura desta acção é abusiva, pois que, “em quinze anos de duração do mútuo (…) tiveram um desconto na taxa de juro remuneratória superior a € 42.000,00 e pagaram de comissões escassos € 21,00”.

Na sequência do despacho de fls. 550, os autores vieram responder à alegação de inadmissibilidade da presente acção popular.

A acção veio a ser julgada manifestamente inviável no saneador-sentença de fls. 648, sendo a ré absolvida do pedido. No essencial, o tribunal entendeu que, não sendo idênticas as relações contratuais dos clientes do banco, não se verificam os pressupostos do meio processual escolhido, que também não pode ser convolado numa acção destinada à “apreciação da concreta, individual e específica situação dos autores”.

Os autores recorreram directamente para o Supremo Tribunal de Justiça; pelo acórdão de fls. 754, foi revogado o saneador-sentença, determinando-se que o processo regressasse à 1ª Instância para prosseguir “os seus ulteriores termos”.

Entendeu-se no acórdão que “Tal como a acção foi proposta, é perfeitamente possível uma apreciação indiferenciada de cada um dos titulares dos empréstimos, sendo que competirá ao tribunal, numa fase ulterior do processo, avaliar se as particularidades invocadas pela ré podem ser abstraídas para a tomada de uma decisão numa acção popular, tendo sempre em atenção (…) que a tutela colectiva não é possível sem a abstracção do ‘lastro de individualização’ que é característico das situações ‘standard’”.

Rematou desta forma: “concluímos, pois, que não se afigurando a ausência do ‘fumus boni juris’ subjacente ao juízo de manifesta improbabilidade do pedido referida no artigo 13.º da citada Lei 83/95 como causa do indeferimento da petição, deve a acção prosseguir os seus termos para os efeitos acima expostos, assim merecendo censura a decisão recorrida”.

  1. A fls. 1656 veio a ser proferida nova sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus dos pedidos formulados. Em síntese, o tribunal entendeu: – que “a questão jurídica é apenas a de saber se pode um contraente, consumidor, eximir-se ao cumprimento de um cláusula acessória do contrato”; – que, não sendo nula a cláusula (por “vício genético no acordo” ou por “violação de qualquer tipo de disposição legal”), “só pode ser alterada com o acordo de ambas as partes”, pois quando o contrato foi celebrado, o autor, “profissional do sector”, “por certo o leu (…) ou mesmo não o lendo aceitou-o e deu-lhe cumprimento integral durante 15 anos, beneficiando dos pontos positivos (…) e tendo de suportar os pontos negativos”; – que a cláusula em discussão, relativa ao “modo e forma do pagamento”, não está abrangida “em qualquer das alíneas dos arts 21 e seguintes” do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (cláusulas proibidas); – que “o que verdadeiramente prejudica o autor não é a obrigação de ter uma conta bancária mas sim o facto de a ré poder unilateralmente alterar o respectivo preçário e exigir o pagamento de uma determinada retribuição que, actualmente, em média atinge 62 euros anuais”, o que é permitido, uma vez que o n.º 3 do artigo 22º do referido diploma “exclui a aplicação do n.º 1, al. c)”; – que no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2016, proferido num processo originado por uma questão semelhante, essa possibilidade nem foi questionada; – que o autor foi beneficiado “em várias dezenas de milhares de euros” pela obrigação que conhecia e aceitou, não ocorrendo um caso de “vendas casadas” proibidas pelo n.º 6 do artigo 6.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Junho); – que, tendo em conta a duração do contrato de mútuo (30 anos), o pagamento acrescido pode considerar-se irrelevante, não sendo apto a desencadear o mecanismo da alteração das circunstâncias (artigo 437.º do Código Civil); – que não se pode entender ter havido abuso de direito por parte da ré; – que a ocorrer abuso será por parte do autor; – que, no que respeita ao seu interesse particular, não foi, nem alegado, nem provado, “qualquer fundamento válido para a alteração da cláusula”, que é obrigatória (artigo 406.º do Código Civil); – que não há “elementos concretos que permitam determinar grupos de...

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