Acórdão nº 7984/09.1TBOER.L3.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
AA, BB e CC propuseram acção declarativa contra DD, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a importância de 57 735,49 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento.
2.
A Ré DD contestou, pugnando pela improcedência do recurso.
3.
O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença, condenando a Ré a pagar aos Autores quantia de € 53 627,48 €, acrescida de juros vencidos e vincendos, desde a data da citação, até integral pagamento, à taxa de 4%.
4.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação.
5.
Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1. — A alínea HHH) da matéria de facto dada como provada apresenta uma incongruência com o documento n°21 da petição inicial que lhe serve de base, mencionado o quesito facto diverso do que aqui se notícia.
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— A alínea CCCC) da matéria de facto dada como provada, está em perfeito antagonismo com o art. 19° da base instrutória, estando, por outro lado, na resposta à matéria de facto considerado como «não provado».
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— O facto constante na alínea KKK) deve ser dado como não provado em consideração aos depoimentos das testemunhas EE, FF e GG.
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— Os factos constantes nas alíneas LLL) e ZZZ) devem ser eliminados da matéria de facto atenta a falta de isenção das testemunhas a que eles prestaram depoimento, como é o caso da testemunha HH.
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— O mesmo acontece com as alíneas MMM), DDDD) e SSS), mas agora por escassez de conhecimento das testemunhas.
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— Os factos constantes nas alíneas AAAA), BBBB), CCCC) e EEEE), considerados os depoimentos das testemunhas GG, II, e do de JJ, este na qualidade de técnico, deviam se dadas como não provadas ou eliminadas.
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— Os factos constantes nas alíneas OOO), PPP), QQQ), RRR) TTT) e UUU), dada a pouca produção de prova, deviam, também, ser dadas como não provados. O mesmo ocorrerá com as alíneas NNN), XXX), e YYY).
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— No que concerne ao facto constante na alínea FFF) as testemunhas que a ele depuseram, KK, GG e II, só estas últimas duas sabiam alguma coisa, mormente de ouvir telefonemas, o que é pouco, pelo que deve ser dada como não provada. E o mesmo acontece com a alínea GGGG).
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— Tendo ficado demonstrado nos autos que muitas das obras não se referem a benfeitorias necessárias, visto que até se admitiu que o objetivo das mesmas era rentabilizar andares devolutos para o mercado de arrendamento, a ora apelante não pode ficar obrigada a comparticipar no seu suposto pagamento, tanto que não teve prévio conhecimento das obras, nem deu autorização.
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— Mas a provarem-se o caracter necessário das obras, sempre haverá que destrinça- las quanto à sua natureza de benfeitoria útil e/ou voluptuária, relegando-se a decisão para sede de liquidação.
6.
Em despacho de 6 de Fevereiro de 2017, a Exma. Senhora Juiz a quo admitiu que a inclusão da alínea CCCC) na matéria de facto dada como provada era um lapso, devendo dar-se por não escrita.
7.
O Exmo. Senhor Desembargador a quem o processo foi distribuído proferiu decisão singular, por que julgou procedente a apelação interposta pela Ré DD, revogou a sentença de 11 de Outubro de 2016 e absolveu a Ré do pedido.
8.
Os Autores AA, BB e CC reclamaram para a conferência, arguindo a nulidade da decisão decisão singular do relator e pugnando pela confirmação da decisão condenatória do primeiro grau.
9.
Em conferência, o Tribunal da Relação de Lisboa revogou, por maioria, a decisão singular reclamada, julgando improcedente a apelação e confirmando a decisão da 1.ª instância.
10.
A Ré DD faleceu, tendo sido habilitada como sua herdeira LL. 11.
A Ré habilitada LL interpôs recurso de revista.
12.
Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
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O presente recurso sindica o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) de 16.01.2020, que confirmou, com voto de vencido, a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.
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Este recurso de revista é admissível, verificando-se os requisitos gerais ínsitos no art.º 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 1, ambos do CPC, no que se refere ao valor da causa (€ 57.717,34) e critério da sucumbência (ação desfavorável à ré em € 53.627,48 (cinquenta e três mil, seiscentos e vinte e sete euros e quarenta e oito cêntimos), valor superior a metade da alçada deste Venerando Supremo Tribunal.
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Tendo sido proferido voto de vencido no acórdão em crise, não se verifica o óbice legal consagrado no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, sendo por isso o presente recurso de revista admissível, além da fundamentação entre a 1.ª e 2.ª instância ser diversa.
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No caso da sentença, o tribunal de 1.ª instância considerou existir uma deliberação da maioria dos consortes, legitimadora das obras em apreço (art.º 985.º, n.º 2, parte final do CC); já o TRL considerou que as obras se tratavam de ato urgente de administração, tendente a evitar a produção de dano eminente (art.º 985.º, n.º 5 do CC).
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Ora, seja em face do voto de vencido (em sentido diametralmente oposto ao que fez vencimento, dado que ditaria a total improcedência da ação), seja em face da fundamentação diferente, o presente recurso de revista é admissível, nos termos gerais dos art.ºs 629.º, n.º 1 e 671.º, n.º 1 do CPC.
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As instâncias consideraram, depois de sucessivas vicissitudes [1], a ação integralmente procedente, condenando a ré no pagamento das obras, na medida da quota parte do seu direito de propriedade sobre o imóvel em causa.
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Para tal as instâncias suportaram esta decisão nas seguintes razões: i. Apesar da oposição da ré quanto à realização das obras, a maioria dos consortes decidiu a sua realização, tornando tal ato legítimo e, sequentemente, devendo a ré suportar os custos da obra, em um terço (fundamentação da 1.ª Instância) – art.º 985.º, n.º 2, parte final do CC.
ii. As obras em causa foram praticadas num quadro de ato urgente de administração, destinado a evitar dano iminente (fundamentação da 2.ª Instância) – art.º 985.º, n.º 5 do CC.
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A decisão do TRL é ilegal, violando lei substantiva, quer quanto à sua interpretação, quer quanto à sua aplicação, atentando, entre outras, contra as normas jurídicas dos art.º 985.º e 1407.º do Código Civil.
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Do acervo factual considerado provado nestes autos, importa destacar os seguintes factos ou conclusões seguras (usando de presunções judiciais): i. das oito frações que compõemo prédio, apenas cincoestavamocupadase arrendadas em 05.07.1999. A saber: o 3.º esq.º, 2.º dto., 1.º dto., r/c esq.º e r/c dto. [alíneas C) e D) dos factos provados].
ii. Destas cinco frações ocupadas, apenas foi intervencionado o r/c dto. [alíneas SS) e demais alíneas a contrario sensu].
iii. À ré apenas foi enviado o orçamento com a ref.ª “7…2-HP/06-Revisão” [alínea AA) e documento n.º 10 da petição inicial).
iv. A ré não concordou com o referido orçamento e com a realização de obras [alínea AA) e GGGG)].
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Após a manifestação da referida discordância, não foi adotado qualquer procedimento deliberativo pelos autores, desconhecendo a ré, após manifestar a sua oposição, qual seria a posição daqueles: Exmos. Senhores AA, CC e BB.
vi. À ré nunca foram enviados os orçamentos com as ref.ªs: 7…2-1-HP/06, 7…2-2-HP/06, 7…2-3-HP/06, 7…2-4-HP/06, 7…2-5-HP/06 e 7…2-6-HP/06 (realce nosso para melhor leitura).
vii. De acordo com o acervo factual dado como provado, foram pagos pelos autores os seguintes valores relativos a cada um desses orçamentos: 1. — 7…2-HP/06-Revisão: € 58.854,32 [facto provado sob as alíneas Z), II) e MM)]; 2.— 7…2-1-HP/06: € 33.493,94 [facto provado sob as alíneas CC) e DD)]; 3.— 7…2-2-HP/06: € 12.269,40 [facto provado sob as alíneas EE) e HH)]; 4.— 7…2-3-HP/06: € 5.398,03 [facto provado sob as alíneas BB) e KK)]; 5.— 7…2-4-HP/06: € 7.511,37 [facto provado sob as alíneas FF)]; 6.— 7…2-5-HP/06: € 3.079,16 [facto provado sob as alíneas GG) e NN)]; 7.— 7…2-6-HP/06: € 5.746,76 [facto provado sob as alíneas JJ)].
viii. As obras foram iniciadas em setembro de 2006 (facto provado sob a alínea JJJ)].
ix. As obras nas frações referiram-se essencialmente a reparações no estuque, pinturas dos tetos e das paredes e, no caso concreto do 3.º dto. (não ocupado) colocação de azulejos, pintura de portas e substituição de aparelhagem elétrica [factos provados sob as alíneas SS) a UU)].
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No prédio, as obras incluíram, em suma, o vão de escadas (reparação do estuque e pinturas), exterior do prédio (troca de algumas janelas e portas, reparação de fendas, lavagem e pintura das paredes), coluna de água e a cobertura do prédio [factos provados sob as alíneas VV) a YY)].
xi. Analisadas as obras de reparação, podemos verificar que as mesmas, procurando em grande parte a conservação do prédio (e ao mesmo tempo, melhorando a sua aparência), não visaram responder a nenhuma situação de urgência.
xii. De resto, o próprio orçamento comunicado à ré – ref.ª “7…2-HP/06-Revisão” – não priorizava nenhum aspeto particular de intervenção, com vista à abordagem imediata de algum aspeto da obra que justificasse essa intervenção com caráter deemergência.
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Ora, daqui se retira que a ré não só não aceitou as obras e orçamento com a ref.ª “7…2-HP/06-Revisão”, como deu nota disso ao 1.º autor, que mais nenhum diligência adotou perante a ré. Decidiu apenas avançar com a obra, sem nova comunicação.
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À ré não foram sequer transmitidos osorçamentos com as ref.ª 7…2-1-HP/06, 7…2-2-HP/06, 7…2-3-HP/06, 7…2-4-HP/06, 7…2-5-HP/06 e 7…2-6-HP/06.
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Os autores não discutiram a posição assumida pela ré, não a convocaram para nenhuma reunião, limitando-se a decidir tudo à revelia da ré e sem adoção dos procedimentos de deliberação adequados e garantísticos dos direitos de todos os consortes (lembrando-se a cautela que o Supremo já entendeu merecer este tipo de procedimentos deliberativos: acórdão de 04.04.2006, Proc. n.º 06A591).
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Depois da ré manifestar a sua oposição, os restantes comproprietários não voltaram a manifestar a sua opinião sobre tal assunto, limitando-se a decidir avançar com as mesmas, mesmo...
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