Acórdão nº 14445/18.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução13 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 14445/18.6T8LSB.L1.S1 Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, 6.ª Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. AA e BB intentaram acção declarativa em 18/6/2018, sob a forma de processo comum, contra “Swiss – International Air Lines Agl (Swiss Internacional Air Lines, SA) – Sucursal em Portugal”, pedindo a condenação da Ré no pagamento, a cada uma das autoras, do montante de € 400,00, acrescida dos juros de mora, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Alegaram, em síntese, que cada uma delas adquiriu um bilhete de avião para o voo operado pela ré n° ...0000, a realizar no dia 27.06.2016, com partida de ..., às 14h30m, e chegada prevista ao aeroporto de ..., às 18h15m, hora local. Contudo, apesar de terem efectuado o check-in para o referido voo e emitido os respectivos títulos de embarque, o voo foi cancelado pela Ré. Assim, para além de não terem sido informadas do cancelamento do voo com um período de pré-aviso de duas semanas, foram reencaminhadas para outros voos no dia 28.06.2016, acabando por chegar ao seu destino final no dia 28.06.216, pelas 12h48m. Concluíram que, por se tratar de um voo “intracomunitário”, com mais de 1500 Km, tem direito a ser indemnizadas nos termos dos arts. 5º e 7º do Regulamento (CE) nº 261/2004, de 11/2/2004.

A “Swiss Internacional Air Lines AG”, com sede na Suíça e representação/sucursal em ..., apresentou Contestação, invocando, além do mais e em síntese, que o Tribunal Português é absolutamente incompetente para conhecer da causa uma vez que é no destino final que se verifica o alegado atraso de voo, e que a Ré tem sede em ... e as duas passageiras têm nacionalidade e residência na Suíça. Pugnaram pela procedência da excepção dilatória de incompetência internacional dos tribunais portugueses, sendo a SWISS AIR absolvida da instância ou, se assim não se entendesse, ser julgado improcedente o peticionado no ponto A. do requerimento probatório das Autoras e a acção ser julgada totalmente improcedente por não provada, com a absolvição da Ré do pedido.

As Autoras responderam às excepções alegadas pela Ré, pugnando pela respectiva improcedência.

  1. Em despacho autónomo proferido em 21/11/2018 (para o efeito do art. 595º, 1, a), do CPC), o Juiz 1 do Juízo Local Cível de ... (Tribunal Judicial da Comarca de ...) decidiu a excepção dilatória de incompetência internacional: “Pelo exposto, julgo este Tribunal absolutamente competente em razão da competência internacional para conhecer da causa”.

  2. Inconformada com a decisão, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) – fls. 55 e ss. Foi identificada como questão decidenda: “Se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar e decidir a acção”.

    No acórdão proferido em 16/5/2019, previamente foi decidido: “A acção foi instaurada contra Swiss – International Air Lines Agl (Swiss Internacional Air Lines, SA) – Sucursal em Portugal. Contestou, intervindo assim no processo, a administração principal, a Swiss Internacional Air Lines, com sede na Suíça. O art. 13º do CPC/13, relativo à personalidade judiciária das sucursais, estabelece no seu nº 2 que [“se] a administração principal tiver sede ou domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Portugal podem demandar e ser demandadas, ainda que a acção derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um português ou com um estrangeiro domiciliado em Portugal”.

    No caso em apreço, a administração principal tem sede na Suíça (facto não contestado) e a obrigação resultante da celebração do contrato de transporte aéreo não foi contraída com português nem as autoras, de nacionalidade suíça, têm domicílio em Portugal. Assim, à primeira vista, a ré carecia de personalidade judiciária. Porém, conforme decorre do art. 14º do CPC/13, “A falta de personalidade das sucursais ... pode ser sanada mediante a intervenção da administração principal e a ratificação ou repetição do processo.” Ora, no caso dos autos verifica-se que a citação foi remetida para o domicílio da sucursal em Portugal, mas quem contestou, intervindo assim, logo de início, nos autos, foi a administração principal. Assim, face à doutrina resultante do preceito, aliás introduzida pela reforma de 95, deve considerar-se suprida e sanada a falta de personalidade da ré sucursal.” Concluiu-se que “o tribunal de Lisboa é internacionalmente competente para conhecer da acção” e decidiu-se “julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida embora com diferente fundamento”.

  3. A Ré, novamente inconformada, interpôs recurso de revista para o STJ, na modalidade normal – fundando-se nos arts. 671º, 2, a), e 629º, 2, a), do CPC – e, subsidiariamente, na modalidade excepcional – socorrendo-se do art. 672º, 1, c), do CPC (fls. 3 e ss dos autos sob apenso), visando revogar o acórdão recorrido “na parte em que considerou não verificada a exceção de incompetência absoluta do Tribunal e, em consequência, ser a Ré absolvida da instância”.

  4. Admitido como revista excepcional (cfr. fls. 53) e assim distribuído o recurso, foi à Formação do STJ a que alude o art. 672º, 3, do CPC, que, em decisão proferida em 5/12/2019, determinou a distribuição nos termos gerais, uma vez que a revista “deve ser apreciada à luz do que está previsto no art. 629º, nº 2, al. a), do CPC” (fls. 97).

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. FACTUALIDADE Considera-se relevante para a apreciação recursiva a factualidade descrita no Relatório que antecede e que será vertido infra no ponto 2. do cap. III.

    2. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO 1. Admissibilidade e objecto 1.1.

    Atenta a decisão da Formação do STJ, o recurso é admitido e apreciado para sindicar o acórdão recorrido quanto à alegada violação e errada aplicação das regras de competência internacional, nos termos da revista comum prevista extraordinariamente no âmbito da previsão do art. 629º, 2, a), do CPC, tendo em conta a respectiva admissibilidade no âmbito da salvaguarda que afasta o impedimento recursivo da “dupla conformidade decisória” (arts. 671º, 2, 3, 1.ª parte, CPC).

    1.2.

    Para o efeito deste fundamento recursivo, a Ré e Recorrente apresentou as seguintes Conclusões: “a. A Recorrente alegou, em sede de Contestação, a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca de ..., por preterição das regras de competência internacional vigentes no ordenamento português.

    1. O Tribunal a quo julgou, em Despacho Saneador, os argumentos invocados pela ora Recorrente totalmente improcedentes.

    2. A Recorrente interpôs recurso ordinário de apelação do Despacho Saneador, pugnando que o tribunal competente para conhecer de um pedido de indemnização baseado num contrato de transporte aéreo internacional de pessoas é aquele, à escolha do passageiro, em cujo foro se situa a sede da transportadora ou o lugar de destino do passageiro.

    3. Como nenhum desses locais corresponde a Portugal, a Recorrente concluiu pela incompetência internacional dos Tribunais Portugueses; a igual conclusão chegou a Recorrente ao aplicar os princípios de Direito Internacional Privado, nomeadamente o princípio da conexão mais estreita.

    4. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o Acórdão ora Recorrido que julgou improcedente o recurso, mantendo, embora com fundamento jurídico diverso, a decisão recorrida.

    5. Em particular, o Tribunal da Relação considerou aplicável aos autos a Convenção de Lugano II, aplicando a norma contida no artigo 5.º, n.º 1, al. a) e b) dessa Convenção no sentido de que “…para efeitos de cancelamento de voo com partida do aeroporto de ... e destino à Suíça – países partes da Convenção de Lugano II – o elemento de conexão relevante para definir a competência internacional dos tribunal é o aeroporto de partida visto que é neste que o serviço deixou de ser prestado”.

    6. Salvo melhor entendimento, existe uma norma especial relativamente à mesma matéria de competência judiciária aplicável a todas as ações por danos decorrentes de transporte aéreo internacional de passageiros, a qual, contrariamente ao entendido pelo Tribunal da Relação, é lei internacional especial face à lei geral da Convenção de Lugano II.

    7. O recurso é admissível enquanto revista ordinária, uma vez que não há sobreposição de julgados, nomeadamente quanto à fundamentação das decisões das instâncias, e porque estamos perante uma das situações em que o recurso é sempre admissível (cfr. artigo 671.º, n.º 1, a) CPC).

    8. Sendo o contrato de transporte aéreo internacional a base contratual que sustenta o direito que o Recorrido alega deter contra a Recorrente, impõe-se que se atendam às regras que regem este tipo de contrato para se aferir qual o Tribunal competente para apreciação do mesmo e da eventualidade da existência de um direito a uma compensação pelo seu cumprimento defeituoso.

    9. A indemnização prevista no Regulamento (CE) n.º 261/2004 não deixa de ter em vista a compensação de um dano decorrente do incumprimento de um contrato de transporte aéreo internacional.

    10. Não tendo sido convencionado qualquer pacto privativo de atribuição de jurisdição, então, por força do princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno, a competência internacional para a...

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