Acórdão nº 11701/15.9T8LSR-A.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

O Centro Hospitalar AA, E. P. E., em 1 de Setembro de 2015, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB - Companhia de Seguros, S.A., e CC - Companhia de Seguros, S.A., actualmente DD - Companhia de Seguros, S.A.

[1], pedindo o pagamento de quantia pecuniária emergente de crédito hospitalar.

Para tanto , alegou, em síntese, que : - Na sequência de acidente de viação que ocorreu em 28 de Abril de 2010, veio um dos passageiros — o EE - dos veículos intervenientes a sofrer ferimentos, necessitando de assistência médica e medicamentosa, vindo a dar entrada em estabelecimento hospitalar do autor; - Tendo o autor prestado a devida assistência médica e medicamentosa que lhe foi solicitada, acontece que os respectivos custos e despesas carecem ainda de pelas rés ser liquidadas/pagas, o que pretende o autor que seja feito.

- É que, tendo deduzido pedido de indemnização cível no processo crime que veio a ser despoletado e a correr termos em razão do acidente de viação supra referido, o certo é que por despacho de 29.04.2015, foi o ora demandado remetido para os tribunais cíveis quanto à apreciação do referido pedido indemnizatório.

  1. Citadas ambas as rés pelo autor demandadas, vieram ambas apresentar contestação, sendo que, a ré DD - Companhia de Seguros, S.A., deduziu oposição por excepção e por impugnação motivada e , no âmbito da primeira, arguiu a excepção peremptória de prescrição, com fundamento no facto de o alegado acidente de viação ter ocorrido já há mais de 3 anos e, por consequência, o prazo prescricional previsto no artigo 498.°, n.° 1, do CC se mostrar já ultrapassado.

    Invocou ainda a ré DD - Companhia de Seguros, S.A., não olvidando que fora notificada através de notificação judicial avulsa que o autor lhe dirigiu, que a verdade é que à data o prazo prescricional já se mostrava esgotado e, por consequência, a sua interrupção não se operou.

  2. Após resposta do autor (no âmbito da qual invoca esta que beneficia do prazo previsto no artigo 498.°, n.º 3, do CC, e , ademais, que o prazo de prescrição apenas começou a correr após a notificação do despacho de arquivamento e/ou de acusação, nos termos do artigo 306.°, n.° 1, do CC), veio, em sede de despacho saneador, o tribunal a conhecer do mérito da excepção de prescrição invocada pela ré DD - Companhia de Seguros, S.A., decidindo, em 30.01.2018, que : “Pelo exposto, julgo a excepção peremptória procedente e, consequentemente, absolvo a ré DD - Companhia de Seguros, S.A., do pedido”.

  3. Inconformado com a referida decisão proferida em sede de saneador/sentença, da mesma apelou então o Centro Hospitalar AA, E.P:E., pedindo a revogação da decisão do Tribunal de 1.ª instância.

  4. Apreciando as questões suscitadas no recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão em 11.04.2019 contendo a seguinte decisão: “Em conclusão e em face do exposto, impõe-se que a apelação seja julgada improcedente e, em conformidade, seja a decisão apelada confirmada, isto é, bem decidiu o tribunal a quo ao julgar procedente a excepção peremptória de prescrição arguida pela Ré Seguradora DD - Companhia de Seguros, S.A., e ora apelada.

    Improcedem, em suma, in totum, as conclusões da apelação”.

  5. Ainda irresignado, vem agora o Centro Hospitalar AA, E.P:E., recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

    O recurso é interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, al, d), do CPC, invocando o recorrente oposição entre o Acordão recorrido e outro Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, e, subsidiariamente, ao abrigo do artigo 672º, n.º 1, als.

    a), b) e c) do CPC (revista excepcional).

    Conclui as suas alegações de revista do seguinte modo: “I.

    Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da 1.ª instância que julgou procedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela DD - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., absolvendo-a do pedido de pagamento das despesas hospitalares de EE, decorrentes do tratamento de lesões sofridas, enquanto passageiro, no acidente de viação ocorrido em 28/04/2010.

    II.

    Com efeito, e não obstante o Recorrente pugnar pelo alargamento do prazo prescricional para cinco anos, por força do disposto no art.

    498.º, n.º 3, do Código Civil, dado ter alegado factos integrantes do crime de homicídio negligente ou, pelo menos, do crime de ofensas à integridade física, e pela interrupção do prazo prescricional durante a pendência do processo-crime (inquérito) instaurado pelo falecimento de EE, após o acidente, e consequente início do curso da prescrição com a notificação do despacho de acusação proferido em 29/03/2012, nos termos do art.

    306.º, n.º 1, do Código Civil, foi entendimento quer do Tribunal da 1.ª Instância, quer do Tribunal da Relação de Lisboa, que sendo o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, uma norma especial relativamente ao art. 498.º do Código Civil afasta a sua aplicação, sendo o prazo de prescrição aplicável o de três anos a contar da data de cessação da prestação de cuidados de saúde.

    III.

    Relativamente à interrupção do prazo prescricional durante a pendência do processo-crime (inquérito) entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que “em rigor o principio da adesão não é in casu aplicável á demandante/apelante, porque não é a mesma lesada (ou a vítima/ofendida), ou, dito de uma outra forma, a titular do direito imediatamente afectado pelo ilícito criminal que integra o objecto do processo crime”.

    IV.

    Ora, não pode o Recorrente conformar-se com esta decisão, tendo a presente revista por fundamento a violação de lei substantiva, por errada interpretação do art.

    3.º do Decreto-Lei n.º 218/99, violando o disposto nos artigos 9.º, 306.º, n.º 1, e 498.º, n.º 3, todos do Código Civil, dos art.

    71.º e 72.º do Código de Processo Penal e art.

    3.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 218/99, conduzindo, consequentemente, a erro de determinação na norma aplicável.

    V.

    Pese embora o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, é admissível recurso de revista, nos termos do art. 671.º, n.º 1 e n.º 2, conjugado com o art. 629.º, n.º 2, al. d) CPC, já que o mesmo se encontra em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13/09/2007 (Processo n.º 0733811; N.º Convencional: JTRP00040579), disponível em www.dgsi.pt e cuja cópia se anexa, proferido sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, conforme resulta dos respectivos sumários: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Sumário): 4.1.

    O art.

    3.º do DL n.º 218/99, de 15-06, ao dispor que os créditos relativos à prestação de cuidados de saúde, por parte de instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, prescrevem no prazo de três anos, contados da cessação da prestação dos serviços que lhes deu origem, estabelece um regime especial quer quanto ao prazo de prescrição dos mesmos, quer quanto ao momento a partir do qual tal prazo é contado.

    4.2.

    Em razão do referido em 4.1, e em sede de prescrição de créditos relativos à prestação de cuidados de saúde [ainda que decorrentes de lesões sofridas em acidentes de viação], por parte de instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, não há que lançar mão do disposto no art.

    498.º, do CC.

    Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Sumário): I. O DL n.º 218/99, de 15.06, visando a cobrança dos créditos referentes aos cuidados de saúde, não contém um regime substantivo de responsabilidade civil, mas, antes, um regime processual para o aludido fim.

    1. Emergindo o crédito hospitalar de crime de ofensas à integridade física do assistido, o respectivo prazo prescricional não pode deixar de ser o previsto, para a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, no art.

    498.º, n.º 3, do CC, tido em conta o disposto nos art.

    118.º, n.º 1, al.

    1. e 143.º, ambos do C.

    Penal.

    VI.

    E ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se admite, sem conceder, sempre seria admissível recurso de revista excepcional, nos termos do art. 672.º CPC, por se encontrarem preenchidos todos os requisitos aí elencados, ainda que estes não sejam cumulativos.

    VII.

    Com efeito, e tendo em consideração que: i) Resulta do próprio preâmbulo do DL 218/99 que, com a sua aprovação, se pretendeu “simplificar os procedimentos, mas sem afastar os princípios gerais de direito relativamente ao reconhecimento e execução dos direitos”, ii) Os art. 71.º e ss. CPP não fazem qualquer distinção do tipo de lesados, sendo as instituições hospitalares lesados, nos termos do art. 495.º CC, iii) O art. 6.º do Decreto-Lei n.º 218/99 impõe a notificação oficiosa do despacho de acusação às instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde, para, querendo, deduzirem o pedido de indemnização civil em processo penal, E que iv) O entendimento plasmado no acórdão recorrido obstará, grosso modo, à dedução de pedido cível em processo-crime, dado o habitual hiato temporal entre o inicio da fase de inquérito e o despacho de acusação ou arquivamento do processo, ao arrepio do estabelecido no art. 6.º do Decreto-Lei n.º 218/99, gerando uma contradição/incongruência que colide com a unidade do sistema e com a mens legislatoris, Forçoso se torna concluir que a sua apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito nos inúmeros processos em que as várias instituições hospitalares deduziram ou deduzirão pedido cível.

    VIII.

    À relevância jurídica acresce a relevância social, estando em causa créditos das instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde e, por conseguinte, interesses do erário público, numa área tão sensível como a saúde e num significativo universo de processos, já que, por cada crime de ofensas corporais haverá, grosso modo, uma...

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