Acórdão nº 1082/17.1T8VCT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução17 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1. AA, BB e CC propuseram a presente ação em tribunal[1] contra o Fundo de Garantia Automóvel e DD, visando ser ressarcidos pelos RR dos danos não patrimoniais que sofreram em virtude das graves ofensas à integridade físico-psíquica sofridas pelo seu pai. Peticionaram o pagamento de €30.000,00 cada um[2], acrescida de juros à taxa legal até ao respetivo pagamento.

    Alegaram, resumidamente, que em consequência do acidente sofrido pelo respetivo pai [EE], causado pelo segundo réu, o sinistrado sofreu politraumatismos com traumatismo crânio encefálico grave; apresenta deformidade grosseira do crânio ao nível da região fronto-temporo-occipital direita, não mobiliza os membros, mantém a boca aberta e a língua desidratada. É alimentado por sonda gástrica, está traqueostomizado permanentemente, embora sem necessidade de apoio ventilatório e usa fralda. Nunca mais falou, não interage com as pessoas, nem cumpre ordens, apenas abrindo espontânea e ocasionalmente os olhos. E, a final, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 100 pontos, sendo as sequelas de que padece impeditivas para o exercício de qualquer atividade profissional. Os AA. alegaram, assim, factos que entendem configurar danos de natureza não patrimonial particularmente graves, merecedores da tutela do direito.

    Acrescentam os AA. que todos os factos por si narrados foram dados como provados por sentença de 08.11.2016, proferida no processo 1997/15.1T8VCT – Instância Central de Viana do Castelo, Secção Cível J3, cuja matéria de facto não foi objeto de recurso.

    A também autora, entretanto falecida, FF, alegou que vivia em condições análogas às dos cônjuges com EE. Vivência essa que se iniciou após o casamento contraído por ambos em 22.08.1998, depois dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 04.12.2000 (transitada em julgado em 14-12-2000). Não obstante o divórcio, realizado de forma imponderada, a vivência em comum nunca cessou, mantendo-se de forma contínua e ininterrupta.

    Da vivência em comum entre a falecida autora e o sinistrado EE, nasceram os três filhos, autores nos presentes autos.

    Acrescentam os AA. que, nos termos do n. 1 do art. 62º do Dec. Lei nº 291/2007, “As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”.

    Assim, a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas, em virtude dos danos verificados, impende sobre o R. DD, como responsável direto pelos mesmos, nos termos do artigo 483º nº 1 do Código Civil. Mas tal responsabilidade também impende sobre o R. Fundo de Garantia Automóvel, dado que o condutor do veículo que vitimou EE não era titular de seguro válido.

    Os autores juntaram, com a sua petição, cópia da sentença proferida nos autos com o n.1997/15.1T8VCT da Instância Central de Viana do Castelo, que o sinistrado EE moveu contra o FGA e DD [que condenou os RR a pagar, solidariamente, ao autor as quantias de €149.834,00 e €250.000,00 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais], na qual se dão como provados factos que sustentam a responsabilidade do 2º réu pelo acidente que vitimou gravemente o pai dos autores e se dá também como provado que esse réu não se encontrava habilitado à condução de qualquer veículo motorizado.

    1. O Fundo de Garantia Automóvel contestou, dizendo, em síntese, que do disposto no art. 483º n.1 do Código Civil resulta que em caso de responsabilidade civil extracontratual o lesado é o titular do direito que é violado pela conduta do agente. Estão aqui apenas incluídos, em princípio, os danos causados diretamente pela conduta do agente. Por outro lado, tendo o legislador definido quais os familiares que têm direito a serem indemnizados em caso de morte da vítima, não o fez para o caso de a mesma não haver falecido, o que também aponta para a interpretação no sentido de não ter querido admitir a ressarcibilidade deste tipo de danos. Foi assim uma opção consciente do legislador. Conclui o FGA dizendo que, sendo os danos não patrimoniais alegados como tendo sido sofridos pelos aqui Autores reflexos ou indiretos em relação aos danos sofridos pelo lesado EE e não estando aqueles danos integrados nos previstos no n.2 do artigo 495º do CC, não podem os mesmos ser ressarcidos, devendo assim improceder in totum o pedido formulado na presente ação.

    3. No despacho saneador, com base no art.595, n.1, al. a) do CPC, a primeira instância conheceu do mérito da causa e concluiu pela improcedência da ação, com a fundamentação que se transcreve: «A respeito dos danos não patrimoniais, o Estudo/ Projeto de Vaz Serra, incluía, no artigo 759.º, o § 5 (que se pode ver no BMJ, n. 101, página 138), assim redigido: “No caso de dano que atinja uma pessoa de modo diferente do previsto no § 2.º, têm os familiares dela direito de satisfação pelo dano a eles pessoalmente causado. Aplica-se a estes familiares o disposto nos parágrafos anteriores; mas o aludido direito não pode prejudicar o da vítima imediata”. Este texto não passou para o Código Civil, sendo ignorado nos artigos 483º nº 1 e 496º. No n.º 3 (agora nº 4) deste último consignou-se mesmo que: “… no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior”. Face ao constante do projecto e, bem assim, ao acabado de transcrever, podemos mesmo inferir que a lei trouxe consigo a opção consciente pela recusa relativamente à tutela de direitos não patrimoniais de pessoa diferente da vítima, quando esta se mantém viva.

    Logo, porém, Vaz Serra (RLJ, Ano 103, 14) defendeu interpretação extensiva dos, então recentes, preceitos legais em ordem a manter-se a orientação que revelara no texto do projecto. Entretanto foi decorrendo o tempo e intensificou-se o entendimento no sentido de que o mencionado artigo 496º e, bem assim, os preceitos com ele relacionados, devem ser interpretados em ordem a...

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