Acórdão nº 2236/16.3T8AVR-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelBERNARDO DOMINGOS
Data da Resolução02 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Reclamação do Art.º 652º nº 3 do CPC * ** Na sequência da notificação do acórdão proferido sobre o incidente de levantamento do sigilo bancário, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários veio interpor recurso de apelação para o STJ, com fundamento no nº 1 al. a) do art.º 644º do CPC.

Recebidos os autos no STJ, foi proferido despacho pelo relator a notificar o recorrente de que entendia não ser admissível recurso do acórdão proferido sobre o incidente de quebra de sigilo bancário. Em resposta a recorrente veio defender a recorribilidade por, em seu entender, se tratar de uma situação em que a Relação julgou em primeira instância e por isso ser passível de recurso nos termos do disposto nos art.ºs 432º nº 1, 644º nº 1 al. a) do CPC.

Apreciando o Relator proferiu o seguinte despacho: «…. Apreciando uma situação idêntica à dos presentes autos, este Tribunal, em acórdão de 12/07/2005, proferido na sequência de reclamação para a conferência, de despacho do Relator a rejeitar o recurso, deliberou que o acórdão do Tribunal da Relação que decida o incidente de levantamento de sigilo bancário, não é passível de recurso para o STJ. Argumentou-se aí o seguinte: «…A verificação da legitimidade ou ilegitimidade da pretensão de dispensa do dever de sigilo profissional bancária consta de normas processuais civis e penais (artigos 519º, nº 4, do Código de Processo Civil e 135º, nº 3, do Código de Processo Penal). Por isso, a ser admissível recurso do acórdão da Relação, não seria da espécie de revista, porque não está em causa o conhecimento do mérito da causa nem a violação de normas de direito substantivo, mas da espécie de agravo, por estar em causa a exclusiva violação de normas processuais (artigo 754º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Mas para que o referido recurso seja admissível é necessário que a estrutura específica do incidente em causa seja compatível com os pressupostos gerais ou especiais da admissibilidade de recurso do acórdão da Relação que nele seja proferido.

Na realidade, estamos perante um incidente de estrutura especial, que não segue as regras normais de competência jurisdicional, certo que atribui competência para a sua decisão ao tribunal que seria, segundo a regra geral, competente para a apreciação do recurso sobre ela.

Num quadro de conflito de interesses que se suscita em sede de oferecimento e de produção de prova, cuja resolução de modo célere se impõe em termos instrumentais à decisão da causa, a lei, ao estruturar o incidente em análise, pretendeu que da respectiva decisão não houvesse recurso. Para tanto, em postura de salvaguarda do interesse das partes numa melhor apreciação do objecto do incidente, atribuiu a lei a competência para a respectiva decisão ao tribunal que seria competente para conhecer da matéria em via de recurso se o objecto do incidente tivesse sido decidido na instância em que foi suscitado ou implementado. Assim, neste peculiar incidente, sob a necessidade da celeridade da decisão e da natureza meramente instrumental dos interesses em conflito, consignou-se pela referida via implícita, a proibição da instância de recurso, contrabalançada pela atribuição da competência decisória ao tribunal hierarquicamente superior àquele onde o incidente foi suscitado. Assim, resulta da estrutura do incidente em causa que a Relação decide em definitivo o respectivo objecto, ou seja, da decisão por ela proferida não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

Como é notório esta deliberação ocorreu no âmbito do anterior CPC. Porém o novo código de processo civil, nada inovou nesta matéria, pelo que os argumentos aduzidos são transponíveis para situações ocorridas no domínio do novo CPC, como é o caso sub judicio.

No âmbito de incidente idêntico, do domínio processual penal, este Supremo Tribunal, em Acórdão de 06-12-2007, acessível in www.dgsi.pt.

veio reiterar o mesmo entendimento da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação que decida o incidente de levantamento do sigilo bancário, tendo concluído que «… - a decisão recorrida não pode ser tida como uma decisão proferida em 1.ª instância pela Relação, pois a decisão recorrida não foi proferida em processo que devesse ser, por lei, instaurado desde o início na 2.ª instância, para aí obter decisão final, pelo que fica afastada a recorribilidade assente na al. a) do n.° 1 do art. 432.°, do CPP; - não deverá ver-se na decisão que se pronuncia sobre quebra de sigilo, a proferir pela Relação, uma decisão proferida em recurso, ou equivalente à proferida em recurso, para este efeito de recorribilidade para o STJ, pois o desencadear da intervenção da Relação, nos termos do n.º 3 do art. 135.° do CPP pode ter lugar estando o juiz de 1.ª instância na dúvida sobre se é ou não de ordenar a quebra do sigilo ou, pura e simplesmente, sem que ele tenha tomado posição sobre a quebra de sigilo, sobre se ela é ou não justificada, sendo que nesse caso, seria impossível configurar uma situação equivalente à de recurso, já que não houve nenhuma tomada de posição em 1.ª instância sobre a questão que a Relação vai ter que abordar; - a entender-se que a decisão da Relação tem semelhanças com uma decisão proferida em recurso, por surgir como uma tomada de posição confirmativa ou revogatória de um ponto de vista já defendido pela 1.ª instância, e, por isso, recorrível nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. b), tal recorribilidade acaba por ser impedida à luz do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP, pois a decisão da Relação não pôs termo à causa, ou, acolhendo a redacção actual do preceito, não se trata de decisão que conheça, a final, do objecto do processo; - não se encontra na lei qualquer disposição que preveja o recurso da decisão tomada a coberto do n.º 3 do art. 135.° do CPP, sendo que o legislador poderia ter consagrado pontualmente a recorribilidade de tal decisão como fez noutros locais». E que «a irrecorribilidade não choca com o direito constitucional ao recurso, porque a garantia de um duplo grau de jurisdição tem sido reservada, de acordo com a jurisprudência do TC, para decisões penais condenatórias ou decisões que restrinjam a liberdade ou outros direitos fundamentais do arguido, o que não é o caso – cf. Acs. n.ºs 30/2001 e 390/2004, de 30-01 e 02-06, respectivamente».

Mais recentemente e já no domínio do novo Código de Processo Civil, por acórdão de 05-07-2018, relatado por Abrantes Geraldes e acessível in www.dgsi.pt.. voltou a ser reafirmado neste Tribunal a irrecorribilidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação no âmbito do incidente de levantamento do sigilo bancário. Aí os reclamantes, tal como o faz aqui o A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, argumentavam que a decisão da Relação que foi proferida em torno da quebra do sigilo bancário é uma decisão de 1ª instância, e nessa medida admite recurso. Ora esse argumento não foi acolhido, por se ter entendido que não tem «cobertura legal, não havendo motivo para amplificar, por essa via, o preceituado no art. 671º do CPC acerca dos acórdãos que admitem ou não admitem recurso». E na verdade não pode dizer-se que o incidente de levantamento do sigilo bancário seja uma causa julgada em 1º instância pela Relação. Com efeito...

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