Acórdão nº 9018/16.0T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução12 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA, Limited, moveu contra BB, Lda.

, a presente acção declarativa de condenação sob a forma comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe: a) quantia de € 1.800.000 por incumprimento grave e culposo do contrato, por causa imputável à ré, acrescida dos juros vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento; b) quantia € 580.000,00 a título de custos suportados pela Autora acrescida dos juros vincendos à taxa legal até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com a ré, em 06.05.2015, um contrato, designado de “contrato de mediação de contratação de espectáculo musical'', nos termos do qual a autora contrataria o tenor CC e a orquestra sinfónica que habitualmente o acompanha para realização de um espetáculo musical ao vivo na cidade de …, entre os dias 9 e 13.11.2015, pagando a ré à autora a quantia de € 1.800.000,00, em duas tranches iguais, nos dias 30.06.2015 e 30.09.2015.

Mais alegou que as partes acordaram que a autora poderia resolver o contrato por falta de pagamento total ou parcial do preço e que a resolução por motivo imputável à ré não a exoneraria do pagamento da totalidade do preço acordado e em dívida (cláusula 11.ª, n.° 4, do contrato), que a ré não efectuou o pagamento das referidas tranches nas datas acordadas, apesar de a autora ter reclamado esse pagamento inúmeras vezes e de a ré ter feito promessas e dado garantias de que o faria, em consequência do que a autora resolveu o contrato mencionado em 22.10.2015, quando faltavam menos de 20 dias para a data prevista para a realização do espectáculo.

Acrescentou que, em virtude da conduta da ré, suportou custos com a contratação da orquestra, gestão, coordenação, planificação e artistas, no montante de € 580.000,00.

Citada, a ré contestou, alegando, em resumo, que o contrato entre as partes celebrado tem a natureza de mandato sem representação, que a cláusula 11.ª, n.° 4, do contrato integra uma cláusula penal com dupla função sancionatória ou compulsória e indemnizatória, que é nula, por ter um carácter draconiano e ofender o princípio da boa fé e as regras da proibição do abuso de direito, já que, não se realizando o espectáculo, nenhum dos valores cobertos pelo preço (remuneração da autora, do artista e da orquestra sinfónica e despesas de viagem) pode integrar um dano reparável, e constituiria um enriquecimento sem causa da autora.

Mais referiu que não é certo que o espectáculo pudesse realizar-se na data prevista de 10.11.2015, por razões apenas imputáveis a CC, quer de agenda, quer de saúde, que os prejuízos invocados pela autora não são prejuízos próprios, que a mesma não os concretiza, nem demonstra que os suportou, sendo certo que os mesmos sempre estariam incluídos no pedido de indemnização formulado pela autora e sustentado na cláusula 11.ª, n.º 4, do contrato.

A autora respondeu, referindo que o contrato celebrado entre ela e a ré não se enquadra em nenhum dos modelos a que correspondem regimes diferenciados, antes tendo o seu objecto, obrigações, deveres e direitos sido definidos pelas partes no uso do princípio da liberdade contratual, não configurando a sua qualificação jurídica uma excepção; que a cláusula 11.ª, n.º 4, do contrato constituí uma cláusula penal, que as partes estabeleceram para o caso de a autora ter de resolver o contrato por incumprimento da ré, ficando dispensada de alegar e provar os danos, não se configurando uma situação de abuso de direito nem de enriquecimento sem causa.

Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, procedeu-se à identificação do objeto do processo e à enunciação dos temas da prova, sem reclamações.

E realizou-se, depois, a audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgando parcialmente procedente, por provada, a ação, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da citação (28.09.2016) e até integral pagamento, à taxa legal, absolvendo-a do mais contra si peticionado.

Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela revogação da decisão do Tribunal de 1.ª instância, reiterando, os argumentos antes aduzidos e pugnando pela revogação da sentença.

A final, decidiram os Exmos. Juízes Desembargadores deste Tribunal, por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, o seguinte: “- revogar a decisão recorrida na parte em que decidiu não dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça que seja ainda devida, e, consequentemente, dispensar o pagamento de 80% de tal remanescente; - julgar, no mais, improcedente a apelação, e, em consequência manter, no mais, a sentença recorrida”.

Mantendo-se inconformada, vem a ré apresentar, então, recurso de revista, ao abrigo do artigo 672.º, n.º 2, als.

  1. e b), do CPC (revista por via excepcional), pugnando pela revogação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

    Nas suas alegações de recurso, formulou a recorrente as seguintes conclusões: “a) Nos presentes autos de recurso, encontram-se preenchidos os pressupostos da revista excepcional, nos termos do Artigo 672º, n.º 1, al. a) do CPC; b) As duas grandes questões em concreto aqui discussão, e que justificam a presente revista excepcional, são o alcance do conceito de cláusula penal manifestamente excessiva, nos termos e para os efeitos dos Artigos 811º, n.º 3 e 812º do C. Civ. e a sua redução prevista no Artigo 812º, n.º 1 do C. Civ., decorrente da excepção da nulidade da cláusula penal suscitada na contestação de fls.- dos autos, por violação das regras do abuso de direito e do princípio geral da boa fé – Artigos 280º, 294º, 334º, 762º e 811º, n.º 3 do C. Civ.

  2. Estas duas grandes questões reclamam a sua apreciação e julgamento, sendo claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e são de grande relevo social para a estabilidade das soluções jurídicas mais adequadas e consentâneas com os interesses sujeitos a julgamento, quer sejam os das partes no presente processo, quer sejam para a comunidade em qualquer caso futuro ou pendente.

    Com efeito, Venerandos Conselheiros d) A Alegante deduziu em contestação na 1ª instância da acção - artigos 4º a 29º a nulidade da cláusula penal integrante da Cláusula 11ª, n.º 4 do Contrato de fls., por se tratar de uma penalidade draconiana, manifestamente excessiva, nos termos das citadas normas do Código Civil.

  3. O que aqui se discute, e já assim foi feito na acção em 1ª instância e na apelação em 2ª instância, é o montante excessivo da penalidade contratual, fixada por remissão para a cláusula financeira de remuneração fixada no Contrato, resultante dos termos conjugados das suas Cláusulas 2º e 11º, n.º 4, cujos contornos sobre o seu conteúdo devem ser ponderados para o efeito.

  4. O douto Acórdão recorrido não fez essa análise, a qual foi discutida em 1ª instância, tendo daí incorrido no erro de Direito de considerar a cláusula penal em causa válida e adequada aos danos virtuais e hipotéticos em que a Recorrida incorreria.

  5. Como ensina o Prof. Pinto Monteiro, na obra citada acima nas presentes alegações, o Artigo 812º do C. Civ. «encerra um princípio geral, destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual, ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações.» h) No caso da acção, esta questão do caracter manifestamente excessivo da cláusula penal concretamente aplicada e decidida em 1ª e em 2ª instância, deve ser apreciada e julgada para uma melhor aplicação do Direito.

  6. Da conjugação daquelas Cláusulas 2ª, n.ºs 1 e 4 e 11ª, n.º 4 a cláusula penal foi estabelecida para cobrir custos que, no caso concreto em discussão no presente recurso, nunca poderiam comportar-se na noção de danos, j) Considerando-se aí, nomeadamente, os custos inerentes a toda a logística necessária à realização do espectáculo que não teve lugar e à remuneração de CC e Orquestra, que não se verificaram nem, sequer, foram reclamados.

  7. De acordo com o depoimento da testemunha DD, de que o douto Acórdão recorrido se socorre para sustentar erradamente, e sem fundamento, que haveria danos, estava prevista a deslocação de 128 pessoas a …, entre Orquestra, técnicos em geral – luzes, som, instrumentos – convidados, diplomatas, etc e que eram necessários 7 dias para a logística.

  8. Nenhum destes custos, ou parte dos mesmos, foram provados na acção, como se lê na sentença da 1ª instância.

  9. Os eventuais danos associados a esses custos estariam sempre comportados nos € 580.000,00 reclamados pela Recorrida, que foram considerados não provados na acção.

  10. No douto Acórdão recorrido baralha-se, inequivocamente, esses hipotéticos danos julgados não provados, pelas razões acima citadas constantes da sentença da 1ª instância, com os eventuais danos referentes ao montante da Cláusula penal em discussão.

  11. Sustenta-se no douto Acórdão recorrido, em síntese, que a cláusula penal visava «colocar a na situação em que estaria caso o contrato tivesse sido cumprido».

  12. Não é racionalmente admissível considerar-se no objecto de uma pena convencional custos associados e dependentes da preparação e realização do espectáculo que não se verificaram, nem nunca poderiam verificar-se.

  13. O douto Acórdão recorrido, à semelhança da sentença proferida em 1ª instância, faz aplicação ao caso concreto em discussão de uma penalidade exigida à Alegante com violação directa da disciplina jurídica. do abuso de direito e da boa fé – Artigos 334º e 762º - a qual é, pois, nula, nos termos dos Artigos 280º, n.º 2 e 294º do C. Civ.

  14. Pelo que, a sua fixação e aplicação no caso dos presentes autos, cobrindo danos que, em concreto, seria impossível verificarem-se é inequivocamente desmesurada e desproporcional, sendo, por isso e no quadro dos normativos acima citados, nula.

  15. O...

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