Acórdão nº 1410/17.0T8STR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de justiça I- Relatório AA, Lda propôs a presente acção contra BB e mulher, CC, pedindo que seja declarado resolvido o contrato celebrado com o R. marido em 13.01.2006, condenando os RR. a pagar-lhe o valor do lote, no montante de € 80.000,00 e a pagar-lhe a quantia de € 24.000,00 a título de perdas e danos, e ainda a quantia de € 250,00 mensais a contar de 08.05.2017. Subsidiariamente, pede a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de € 80.000,00, acrescida de juros à taxa comercial, contados desde 10.03.2006.

Os RR. contestaram alegando que o R. marido celebrou com a A. um contrato de compra e venda, posteriormente formalizado através de escritura pública, na qual foi pago o preço, conforme declarado na escritura, invocando a ineptidão da petição inicial e a prescrição dos juros para além dos cinco anos.

Procedeu-se a julgamento, após o que o tribunal decidiu “…julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condeno os RR. a pagar à A. o montante de € 80.000,00, acrescido de juros desde 16.05.2012, à taxa de juros comercial.” Inconformados vieram os Réus interpor recurso de apelação.

O Tribunal da Relação julgou procedente a apelação, revogando a sentença na parte recorrida e, em consequência, julgou improcedente a acção quanto ao pedido de pagamento do preço absolvendo os réus do mesmo.

Deste acórdão veio a Autora interpor recurso de revista, concluindo nas suas alegações: a)-O art. 1- CPC prevê uma "comunidade de trabalho processual" ao estabelecer que "na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes, cooperar entre si para obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio"; b)-Se a parte notificada para juntar aos autos documento o não faz e nada diz, viola o seu dever de cooperação, permitindo o art. 430 CPC a inversão do ónus da prova; c)-Se a parte notificada para comparecer na audiência de julgamento, a fim de prestar depoimento de parte, não comparece e nada diz, viola o seu dever de cooperação, sendo tal comportamento livremente apreciado pelo tribunal para efeitos probatórios, nomeadamente em vista da inversão do ónus da prova (art. 417/2 CPC); d)-Entendendo a Relação que a inversão do ónus da prova impõe notificação à parte nesse sentido, com "expressa advertência", que não foi feita na 1ª instância, deve aquele Tribunal (art. 662 CPC) ordenar à 1ª instância que tal seja cumprido, em vista da verdade material; e)-Ao não o fazer violou o art. 662/2 CPC; f)-Não tendo a relação usado tais poderes pode este STJ fazer uso deles, nos termos do art.682/3 CPC g)-Não decorre da letra da lei que na notificação à parte para prestar depoimento de parte deva constar a "expressa advertência" da inversão do ónus da prova, caso não compareça injustificadamente; h)-Essa "expressa advertência" não decorre dos artigos 417, nº 2, 250 ou 452, todos do CPC; i)-O princípio do inquisitório confere ao Tribunal a faculdade de tudo fazer para apurar a verdade material (art. 411 CPC), sem prejuízo da inversão do ónus da prova, em vista de uma eficaz efectivação do princípio da cooperação; j)-Os preceitos jurídicos acima referidos deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de fazer retornar os autos à 1ª instância, em vista do apuramento da verdade material e, ao não o ter ordenado a ora recorrente é gravemente lesada, e, também no sentido de que a notificação para prestar depoimento de parte não carece de expressa advertência de inversão do ónus da prova, podendo apreciar e valorar o Tribunal o comportamento da parte injustificadamente faltosa, para efeitos probatórios.

Razão porque a douta sentença proferida pela 1ª instância não merece reparo e, em consequência, deve manter-se; ou, então devem os autos retornar àquele tribunal com vista ao apuramento da verdade material, ordenando-se a notificação para junção de documento e depoimento de parte com a "expressa advertência" de inversão do ónus da prova, a fim de ser feita Justiça.

Os Réus responderam ao recurso pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

II- Apreciação e Fundamentação 1. Objecto do Recurso: Admitido o recurso, importa fixar o seu objecto.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são: - A violação do dever de colaboração por parte do RR. determinou a inversão do ónus da prova relativamente ao pagamento do preço? - Deverão os autos regressar à 1ª instância para ser ordenada nova notificação aos RR., com expressa advertência da inversão do ónus da prova, para junção de documento e depoimento de parte? 2. Factualidade Provada Foi a seguinte a matéria de facto provada pela 1ª instância: 1 - A A. e o R. marido subscreveram o escrito particular datado de 13 de Janeiro de 2006, de que existe cópia a fls. 11 e 12, denominado "Contrato de Compra e Venda", no qual consta o seguinte: "1 ° Outorgante: AA, S.A., com sede na rua …, n." …, ... em ..., freguesia de ..., Concelho de ..., pessoa colectiva n." ..., aqui representada pelos administradores DD e EE.

  1. Outorgante: BB, com o contribuinte fiscal n°... e o B.I. ... emitido em 02/09/2002 pelo arquivo de ..., casado com CC, com o contribuinte fiscal n.º ... e o B.I. ... emitido em 23/03/1998 pelo arquivo de ..., residentes em ..., concelho de ....

Entre os outorgantes acima indicados é celebrado o seguinte contrato que se rege pelas cláusulas seguintes: PRIMEIRA: O 1.º Outorgante vende ao 2.°, um lote de terreno para construção de bloco habitacional e comercial com o n.º 2 da Urbanização ..., concelho de ..., Alvará n.º ..., inscrito na respectiva matriz sob o artº ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ....

SEGUNDA: A venda é feita contra entrega do 2° andar tipo T3 do referido lote, com uma garagem individual no Piso O e uma arrecadação no sótão, identificados em planta anexa, livres de quaisquer ónus ou encargos.

QUARTA: São de conta do 2.° Outorgante as despesas com a escritura, registos e IMT.

QUINTA: As partes prescindem das formalidades previstas no n.º 3 do art.° 410° do Cód. Civil de reconhecimento notarial presencial das suas assinaturas e de certificação notarial da existência de licença de alvará de utilização para o prédio em causa, pelo que, prescindem do direito de invocar a nulidade do contrato por falta destes requisitos.

SEXTA: O 1.º e 2° Outorgantes pretendem submeter o presente contrato ao estipulado pelo art.° 830° do Código Civil, desejando o seu efectivo cumprimento.

SÉTIMA: Para a resolução de qualquer litígio decorrente da celebração deste contrato, convencionam as partes outorgantes como competente o Tribunal Judicial de ..., com renúncia expressa a qualquer outro.

Pelos 1.º e 2.° Outorgantes foi dito que aceitam o presente contrato nas condições em que fica exarado." (artigos l° a 4° da petição inicial).

2 - Em 10 de Março de 2006 a A. emitiu a factura n° …, respeitante a venda de um lote de terreno para construção de Bloco Habitacional e Comercial, área de 256,50 m2, com o n° 2 da Urbanização "..." freguesia de ... e concelho de ..., sendo o valor de 80.000,00 €. (art° 6° da petição inicial) 3 - No dia 10 de Março de 2006, no Cartório Notarial da ..., FF e EE, em representação da A. declararam que, pelo preço de € 80.000,00 que para a sua representada já receberam, vendem ao R. BB, o prédio urbano composto de parcela de terreno destinada a construção urbana, designado por lote número 2, sito na Estrada Nacional 118, freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial de € 34.627,50, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, daquela freguesia, registado a favor da sociedade vendedora pela inscrição G-l, encontrando-se registada a autorização de loteamento número ..., de 7 de Março de 2002, pela inscrição F-l, da descrição número …, da mesma freguesia, declarando o R. que aceita a venda nos termos exarados. (art°s. 17° e 18° da petição inicial e 8°, 14°, 17°, 22°, 42° (parte) da contestação) 4 - Os RR. não pagaram o preço, apesar de constar na escritura de venda que o mesmo foi recebido. (artº 8° da petição...

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