Acórdão nº 800/10.3TBOLH-8.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | JOSÉ RAINHO |
Data da Resolução | 10 de Setembro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO Por sentença de 24 de Maio de 2010, proferida no Tribunal Judicial de Olhão, foi declarada a insolvência de AA, S.A. e declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com caráter pleno.
Na sequência, veio a credora BB, Lda.
alegar o que teve por conveniente para o efeito da qualificação da insolvência como culposa, indicando como pessoas afetáveis pela qualificação os administradores da Insolvente, CC e DD.
Também os credores trabalhadores EE, FF e GG vieram alegar que a insolvência devia ser qualificada como culposa.
Disseram todos os alegantes que a sociedade Insolvente havia transferido (mediante destaque em operação de cisão-fusão societária) parte do seu património imobiliário para uma outra sociedade (HH, S.A.), sendo que os administradores de ambas as sociedades envolvidas (os referidos CC e DD) eram as mesmas precisas pessoas. De seguida esta HH, S.A. deu de arrendamento à Insolvente os bens para ela assim transferidos. Tal transferência prejudicou a situação financeira da sociedade Insolvente, levando-a á descapitalização e à situação de insolvência.
O Administrador da Insolvência apresentou parecer que culminou com proposta no sentido da qualificação da insolvência como fortuita.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da qualificação da insolvência como culposa.
Os Administradores da Insolvente deduziram a oposição que tiveram por conveniente, concluindo pela natureza fortuita da insolvência.
Seguindo o incidente seus termos, veio, a final, a ser proferida sentença que qualificou a insolvência como culposa, atribuindo a responsabilidade aos supra indicados Administradores (CC e DD), tudo com as consequências na mesma sentença impostas.
Inconformados com o assim decidido, apelaram os afetados CC e DD.
Entre o mais, impugnaram o julgamento de parte dos factos.
A Relação de Évora julgou improcedente a apelação, mantendo a decisão da 1ª instância.
Pediram então os afetados revista, na sequência do que foi proferido acórdão neste Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1485 e seguintes) que anulou o acórdão recorrido e determinou o conhecimento da impugnação da matéria de facto.
Na Relação de Évora veio depois a ser proferido novo acórdão que manteve inalterada a matéria de facto fixada pelo tribunal de 1ª instância e que negou provimento à apelação, confirmando a sentença.
Mantendo-se inconformados, pedem os mesmos afetados nova revista.
+ Da respetiva alegação extraem os Recorrentes as seguintes conclusões:
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Ao apreciar o facto consistente em: depois de obtido parecer jurídico independente relativo à operação da cisão-fusão e avaliação independente aos activos objecto daquela, os credores decidiram por unanimidade não resolver a operação de cisão-fusão a favor da massa insolvente. (F2 e F7), tendo em conta os documentos constantes de fls. 933 a 936 e segs e 1061 a 1063 dos autos de insolvência, ao analisar concretamente o documento de fls. 1061 a 1063 dos autos de insolvência que corresponde à ata da reunião da comissão de credores de 12.11.2010, o acórdão recorrido considera o seguinte: com relevância para o caso concreto apenas consta o seguinte sob o ponto 2 da ordem de trabalhos: "Emissão de parecer relativamente à resolução cisão-fusão operada entre a sociedade AA, S.A.
e a sociedade HH, S.A." Quanto a tal questão o representante do II absteve-se, conforme da mesma consta.
(…) Destarte, os documentos relevados pelos recorrentes não podem sustentar a sua pretensão.
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Na análise deste documento, o Tribunal a quo de forma inexplicável. não deverá ter lido o documento todo porquanto do mesmo consta expressamente o seguinte: (fls. 1061 e 1062) Seguidamente entrou-se no ponto dois da ordem de trabalhos. Foi analisado o parecer sobre a resolução da cisão-fusão operada entre as sociedades AA e HH, assim como a resposta às questões colocadas pelo Administrador da Insolvência à Sociedade de Advogados JJ. (Já juntos aos autos).
Tomou a palavra a representante da KK, SRL que emitiu o parecer pela não resolução da cisão-fusão operada entre as sociedades AA e HH.
O representante do Banco II absteve-se quanto a esta questão.
A representante dos trabalhadores, apesar de ausente, enviou o seu parecer por e-mail (em anexo).
Atento os pareceres dos elementos da Comissão, foi deliberado que o Administrador da Insolvência não deverá resolvera contrato de cisão-fusã06operada entre a sociedade AA SA e a sociedade HH, SA.
E não havendo mais nada a tratar foi encerrada a reunião pelas onze horas, tendo sido elaborada a presente acta que depois de lida vai ser assinada por todos os presentes.
(fls. 1063) No seguimento da abstenção do representante II e após pedido do AI e restantes membros da comissão para que adaptasse uma posição favorável ou desfavorável á resolução (em substituição à abstenção por mim inicialmente apresentada), venho por este meio anunciar o meu voto CONTRA à resolução da cisão-fusão fundamentado pelo mesmo motivo anteriormente indicado e porque tal opção iria deprimir e desajudar os ex-trabalhadores que represento.
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Trata-se de conteúdo expresso em documento junto aos autos, que o Tribunal pura e simplesmente, não considerou na sua integralidade mas apenas parcialmente.
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Sendo certo que da leitura mais atenta que ora se efetua de tal documento resulta que não se provaria que a decisão da comissão de credores de não resolver o negócio da cisão-fusão a favor da massa insolvente não havia sido tomada por unanimidade, provar-se-ia sem dúvida que a mesma deliberação havia sido tomada por maioria (face à abstenção de um dos intervenientes). E seria esta a resposta adequada que o Tribunal a quo deveria ter dado E) Ora, a concreta análise dos documentos de fls. 1061 a 1063 realizada pelo Tribunal a quo que se acaba de explicar corresponde a uma análise tão deficiente e atabalhoada do seu conteúdo, que corresponde, na prática, a uma omissão de análise. Referir que se compulsou o documento mas não ter em consideração e ponderação todo o seu conteúdo, e no caso, não ter em consideração e ponderação a parte do conteúdo que era absolutamente fundamental que considerasse e ponderasse, segundo o objeto do recurso (e note-se que, tratando-se de uma reunião da comissão de credores com ordem de trabalhos sobre a qual houve deliberação o Tribunal nem sequer ponderou o sentido final da deliberação tomada, como seria o normal), constitui na prática uma não reapreciação do documento em causa (pois o documento não pode ser apenas valorado na parte inócua ou contrária à pretensão dos Recorrentes mas no seu todo e em especial na parte concretamente apontada pelos Recorrentes como impondo uma decisão diferente em matéria de facto).
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A análise assim realizada pelo Tribunal recorrido viola frontalmente o art.° 662.°, n.º 1 do C.P.C . Por consequência, o acórdão recorrido é assim nos termos do disposto no art.º 615.°, n.º 1, al. b) e 666.° n.º 1 do C.P.C.). (sic) G) Ao apreciar o facto consistente em: O valor contabilístico dos activos transmitidos na cisão-fusão não correspondia ao valor real, ao valor de mercado dos mesmos. (F1).
o Tribunal recorrido tomou em consideração as alegações dos Recorrentes de que não foi produzida qualquer prova sobre o valor real ou de mercado de qualquer um dos ativos cindidos e nos excertos dos depoimentos das testemunhas LL e MM e do Sr. Perito transcritos pelos Recorrentes, que tomou como bons, acabando por concluir que aqueles concretos meios probatórios não impunham a prova pretendida.
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Ou seja, estando em causa a questão (facto) de saber se o valor contabilístico dos ativos transmitidos na cisão-fusão não correspondia ao valor real, ao valor de mercado dos mesmos e resultando claramente daqueles depoimentos que existia discrepância entre o valor contabilístico e o valor real, não se sabendo (nem o próprio Perito) qual era o valor real ou de mercado daqueles ativos, a resposta do Tribunal foi, aliás, sem qualquer exame critico, precisamente contrária ao sentido das provas ponderadas.
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Existe aqui uma anormal análise da matéria de facto. Anormal porque frontalmente oposta ao sentido unânime das provas. E ademais, sem qualquer exegese crítica das provas, sem indicar quaisquer ilações, sem especificar os fundamentos decisivos para a sua convicção, como estava obrigado por imposição dos art.ºs 607.°, n.º 4 e 663.°, n.º 2 do C.P.C ..
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In casu, não estava em causa apurar se os ativos valiam mais ou menos que o seu valor contabilístico, mas apenas apurar que não existia identidade entre as duas dimensões (a contabilística e a real/mercado) e para tanto, as provas indicadas pelos Recorrentes e em parte consideradas pelo Tribunal impunham claramente que aquele facto fosse dado como provado.
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Existe pois violação da lei processual, porque existe um exercício anormal do princípio da livre apreciação da prova (art.º 607.°, n.º 5 C.P.C.) e existe contradição clara entre os fundamentos de facto e a decisão adotada.
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A livre apreciação da prova tem limites, não correspondendo nem se confundindo com arbitrariedade nem com a livre vontade de juiz, sujeita aos seus humores ou caprichos. Na livre apreciação da prova, o Tribunal não pode decidir a factologia em sentido diametralmente oposto ao da prova produzida.
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Em face do exposto tem necessariamente de se admitir que o tribunal a quo incorreu, de facto, num erro ostensivo e grosseiro na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária da prova e ignorou e contrariou diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios considerados pelo Tribunal e a decisão deste sobre este ponto concreto da matéria de facto.
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O Tribunal a quo violou assim frontalmente o...
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