Acórdão nº 816/16.6T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I Relatório 1.

AA– Companhia de Seguros, S.A.

intentou contra Companhia de Seguros BB, S.A.

ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação no pagamento da quantia global de €156 561,34, acrescida de juros de mora vincendos, contados desde a citação e até integral pagamento, calculados dia a dia, às taxas de juro comercial, sobre o capital em dívida.

Alega, em síntese, que incorporou por fusão a sociedade CC, SA, a qual tinha celebrado com DD, S.A. contrato nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela, indicados nas folhas de salários; em dezembro de 2008 foi-lhe participado um acidente ocorrido com as trabalhadoras EE, FF, GG, HH e II, as quais, no dia 20 de dezembro de 2008, pelas 12h50, no regresso das mesmas às instalações daquela empresa após a pausa do almoço, foram colhidas pelo veículo automóvel matrícula ...-PJ, cuja responsabilidade do ramo automóvel fora transferido para a Ré.

Assumiu todas as despesas relacionadas com a recuperação das trabalhadoras, pagou indemnizações pelos períodos de incapacidade temporária e as pensões; intentou contra a Ré ação sob o nº 2692/12.9TJVNF relativamente aos pagamentos que fizera até 14 de agosto de 2012, na qual foram fixados os factos provados e proferida sentença condenando esta a pagar-lhe a quantia de €355 782,81, acrescida de juros de mora.

Manteve a assistência às trabalhadoras EE e FF, nos montantes de €33 679,56 e €122 881,78, respetivamente, constituindo provisões matemáticas para garantia das pensões devidas de €93 589,51 para a primeira e €110 577,98, €117 976,25 e €17 075,26 para a segunda.

  1. Citada, a Ré contestou, alegando que o direito emergente das prestações laborais deveria ter sido exercido pela Autora na ação anteriormente proposta, bem como invocou a prescrição do direito da demandante por já ter decorrido o prazo de três anos aplicável aos casos de responsabilidade civil por facto ilícito.

  2. A Autora respondeu, referindo que nada a impede de, efetuados os pagamentos sucessivos no âmbito e por conta das garantias do contrato de seguro às duas trabalhadoras, diligenciar junto do responsável civil pelo seu reembolso judicial ou extrajudicial e defendeu que o prazo prescricional na relação seguradora do trabalho – seguradora do acidente de viação é de vinte anos; invocou também o prazo mais longo de cinco anos quando o facto ilícito constitui crime.

  3. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória inominada e julgou prescritos créditos invocados pela Autora no montante de €22 013,55, relativos a pagamentos realizados entre 23 de agosto de 2012 e 15 de fevereiro de 2013.

    De seguida, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, sem reclamação.

  4. A Autora requereu a ampliação do pedido, o que veio a ser admitido, pedindo a condenação da Ré no pagamento, para além do anteriormente peticionado, da quantia de €59 684,80, acrescida de juros de mora à taxa legal, alegando que desde fevereiro de 2016 pagou €7 650,03 relativamente a assistência prestada a EE, a título de pensões e despesas com assistência vitalícia e €52 034,86 pela assistência prestada a FF, a título de pensões, prestação suplementar, pensão devida a ..., assistência vitalícia, despesas com assistência médica, internamentos, intervenções cirúrgicas e medicamentos.

    A Ré contestou impugnando os factos alegados.

  5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença final, que decidiu julgar a ação parcialmente provada e procedente, em consequência do que condenou a Ré a pagar à Autora: «a) a quantia de € 14.818,96, por referência aos pontos 7) e 9) da fundamentação de facto; b) a quantia de € 111.948,68, por referência aos pontos 12), 13), 14), 16), 17) e 18) da fundamentação de facto; c) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 14.518,96 e € 78.934,68 desde 15 de Fevereiro de 2016; d) juros resultantes da aplicação do artigo 2º nº 2 da Portaria nº 277/2013 de 26 de Agosto sobre as quantias de € 300,00 e € 33.014,00 desde de 16 Junho de 2017 até integral e efetivo cumprimento».

  6. Não se conformando com a decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

  7. O Tribunal da Relação de Guimarães veio a julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

    1. Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 38.816,81 (trinta e oito mil, oitocentos e dezasseis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável aos créditos titulados por empresas comerciais, a contar de 15.02.2016 e até integral cumprimento; b) Condenar a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de € 16.159,90 (dezasseis mil, cento e cinquenta e nove euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora a contar de 16.06.2017 e até integral cumprimento; c) Confirmar quanto ao mais a sentença recorrida”.

  8. Inconformada com tal decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O tribunal a quo equivocou-se, num juízo apriorístico que o levou a inflectir a decisão comarcã, ignorando a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-rogação legal, que mantém a obrigação incólume quanto aos direitos/obrigações recíprocas entre credor e/ou devedor – v. arts. 498º/2 e 593º/1 Cód. Civil; 2ª. No caso dos autos, estamos perante uma sub-rogação legal, pelo que não pode o credor dissentir da posição do lesado, ou credor originário, que é pré-existente à própria sub-‑rogação ou transferência de direitos in casu; 3ª. Não podem repetir-se indemnizações por um só e mesmo dano, ou danos, em responsabilidade civil, como sucede, dada a inflexão de juízo trazido ao caso pela decisão inovatória assumida na Relação e de que se discorda; 4ª. Com a inflexão assumida no Tribunal a quo, em relação à sentença da 1ª instância a propósito da não duplicação de danos e da necessidade, para atender à mesma, da exibição e comprovativo dum efectivo prévio pagamento dos danos originários e que são tidos ora em sub-rogação legal (e não em direito de regresso algum, nota bene) e que não se querem ver duplicados nesta acção, pela inadmissibilidade absoluta dessa mesma dita duplicação na responsabilidade civil por facto ilícito, foram violados os preceitos e/ou princípios relativos às figuras jurídicas em questão; 5ª. E isso por função da violação directa de quanto resulta, ou se acha contido, nos já mencionados arts. 497º/498º e 592º/593º do Código Civil Português.

    E conclui que “deve esta revista ser julgada procedente e, em consequência, deve vir a repreistinar-se a decisão da 1ª instância, absolvendo-se a Ré na acção dos pagamentos de €38.816,81 + 16.159,90 a que ora foi condenada na Relação de Guimarães”.

  9. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

  10. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se o Tribunal da Relação ignorou a diferença de regimes entre o direito de regresso, que exige um prévio pagamento, e a sub-‑rogação legal, aplicável ao caso presente.

    III. Fundamentação.

  11. As instâncias deram como provada a seguinte factualidade: 1.1.

    Por sentença proferida a 26 de junho de 2014, transitada em julgado a 19 de março de 2015, no processo nº 2692/12.9TJVNF, a Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de €355.782,81, acrescida de juros de mora, às taxa legais acima referidas, desde 06.09.2012, inclusive, até integral e efectivo pagamento [alínea A) dos factos assentes e documento de fls. 92 a 138].

    1.2.

    Na sentença identificada em 1) foram elencados os seguintes factos julgados assentes no saneador (art. 659º, nº 3, do CPC, redacção anterior): A. A sociedade “CC, SA”, com sede na ..., foi incorporada, por fusão, na "AA- Companhia de Seguros, SA", por escritura pública de fusão, aumento de capital e alteração parcial do contrato de sociedade outorgada no dia 31 de Dezembro de 2009, lavrada de fls. 50 a fls. 58 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 80-B do Cartório Notarial de ....

    1. A Autora é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora.

    2. No exercício da sua actividade, a, à data, “CC, SA” celebrou com a sociedade “DD, SA”, o contrato de seguro titulado pela apólice n° 10/071356, nos termos do qual assegurou a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores daquela indicados nas respectivas folhas de salários.

    3. Em Dezembro de 2008, a referida sociedade participou à Autora um sinistro ocorrido às 12.50 horas do dia 29 de Dezembro de 2008 com as trabalhadoras ao seu serviço, EE, FF, GG, HH e II.

    4. O acidente de trabalho deu-se quando, na data e horas mencionadas, as referidas trabalhadoras regressavam às instalações da Segurada da Autora, após a pausa do almoço, para retomarem a sua actividade.

    5. O percurso efectuado pelas trabalhadoras sinistradas era o percurso habitual a ligar os dois referidos pontos.

    6. A Autora verificou que as aludidas sinistradas constavam das folhas de salários que a sua Segurada lhe havia apresentado.

    7. Na mencionada oportunidade, cerca das 12.50h no dia 29 de Dezembro de 2008, ocorreu um acidente de viação na Rua..., em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-PJ, à data conduzido por JJ, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-QF, à data conduzido por LL e as trabalhadoras supra...

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