Acórdão nº 763/17.4JALRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução26 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

Por acórdão proferido em processo comum colectivo pelo Juízo Central de ..., foi o arguido AA, nascido a ...-1979, condenado na pena de 20 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e i), ambos do Código Penal.

2.

Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido em 5 de Dezembro de 2018, foi julgado improcedente.

3.

De novo inconformado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça cuja motivação é rematada pelas conclusões que se transcrevem: «CONCLUSÕES A) Remetendo para tudo quanto já foi sendo dito e assumido acerca desta “tragédia” que sobre os seus intervenientes mais directos se abateu (por culpa do recorrente, mais uma vez se quer deixar bem claro) nada mais restará acrescentar senão o facto de se entender por adequada, a imputação à conduta do arguido de um crime de Homicídio simples pp no artº 131º do CP; B) Ainda que os factos mostrem que o arguido agiu com ilicitude e culpa, tal não imporá a afirmação da especial censurabilidade e perversidade; C) Devendo atender-se não só às exigências de prevenção como também à medida da culpa que ao recorrente cabe, à sua personalidade e às exigências de prevenção geral e especial em face dos factos provados; D) Apesar da gravidade extrema da atitude do arguido e suas consequências, não existem nos autos outros elementos que possam suscitar ou possibilitar um juízo que seja desfavorável ao arguido.

E) Não podemos esquecer que esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em casos similares de homicídio, na pessoa do cônjuge ou companheiro, tem fixado penas muito menores; F) Reservando as penas de 20 anos de prisão ou superiores para aquelas situações em que o arguido é julgado e condenado em cúmulo jurídico, quer sejam múltiplos homicídios, quer sejam vários crimes graves sobre a mesma vítima, o que não é o caso.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências, devendo o douto Acórdão recorrido ser revogado, no que concerne ao tipo de crime e consequente medida da pena, adequada e justa ao caso concreto, tendo por base casos semelhantes decididos por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

Para que haja um tratamento igualitário para casos idênticos, salvaguardando a especificidade dos diversos casos, compete ao Supremo Tribunal de Justiça as funções de uniformização de critérios da medida pena.

Tendo em conta tudo o que atrás foi explanado, não tendo o Tribunal "a quo" considerado, na determinação da medida da pena, as circunstâncias previstas nos artigos 40°, 71° todos do Código Penal, foram violadas as disposições legais vertidas nestes artigos.

Foram violados também os artºs 131º e 132º do CP.» 4.

Respondeu o Ministério Público, concluindo carecer de fundamento as pretensões do recorrente, devendo ser julgadas improcedente o recurso interposto.

5.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que se reproduz[1]: «A.

Por acórdão proferido, no processo em epígrafe, em 5 de Dezembro de 2018, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, foi, decidido julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se, assim, in totum a sua condenação pelo acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de ... [J3], Tribunal Judicial da Comarca de ..., pela prática em autoria material e na forma consumada de: · Um crime de homicídio qualificado, p. e p.

pelo arts. 131º, 132º, n º s 1 e 2, alíneas b) e i), do CP, na pena de 20 anos de prisão.

A.1.

Inconformado, traz o arguido recurso a este Alto Tribunal, concluindo pela forma documentada a págs. 535-535 v.

B.

O MP na 2ª instância apresentou resposta a págs., em que remete para a sua posição explicitada no parecer oportunamente exarado, no sentido de que se mostra correcta a qualificação jurídico-penal dos factos provados, sendo certo que, de igual modo coonesta a pena que vem fixada.

Conclui, pois, pela improcedência do recurso.

C.

Como melhor resulta das conclusões extraídas pelo recorrente, suscita o mesmo as questões: Qualificação jurídico-penal dos factos provados; Medida da pena.

C.1.

A motivação apresentada pelo recorrente não representa, de facto, mais de um reeditar das críticas que tinha dirigido ao acórdão da 1ª instância, sendo os argumentos de teor idêntico (de notar, que sendo este um recurso de revista, nem assim, o recorrente deixa de introduzir alterações á matéria de facto assente).Neste conspecto, o recurso em nada inova no sentido de responder a concretas questões, colocadas perante a decisão da Relação de Coimbra, afinal daquele que se recorre.

De todo o modo, face á matéria provada e que se mostra a assente, é perfeitamente inglório vir pretender tentar demonstrar, que este caso, paradigmático, de verificação das agravantes consideradas, as mesmas só foram consideradas por erro do tribunal.

Com efeito, na formulação do artigo 132º do CP, nas alíneas do n º 2, o nosso legislador seguiu o sistema usado no direito, germânico do «regelbeispiele» / exemplo -padrão, sendo consabido que estes, apenas indiciam a qualificação, podendo suceder perfeitamente que o julgador depois de ponderados todos os aspectos relevantes, conclua pela sua não aplicação in casu.

De resto, toda a doutrina e jurisprudência una voce se pronunciam pelo carácter não automático da sua aplicação. Esta radica, em poder-se ter como verificado in concreto e após uma valoração global do caso, que o agente gente actuou revelando uma especial censurabilidade ou perversidade. Como escrevem Figueiredo Dias/Nuno Brandão, contudo, entende-se que "só circunstâncias extraordinárias ou, então, um conjunto raro de circunstâncias possa anular o efeito do indício" autores citados, in CCCP I, 2012, p.56.

Não é claramente a hipótese sub judicio: Como flui da matéria provada o recorrente, em 20.11.2017,entre as 01: 45 e as 02: 30, muniu-se de uma faca de cozinha com 20 cm de lâmina, dirigiu-se á sua mulher BB, que se encontrava deitada num sofá e sem mais, desferiu-lhe um golpe no pescoço seccionando vasos destes e da laringe («degola») causando-lhe extensa hemorragia externa complicada com bronco-aspiração de sangue, o que constituiu a causa directa e necessária do decesso da vítima- vide factos provados sob 2 e 4).

Naturalmente, tal actuação em relação á sua mulher de quem tinha três filhos de 13, 9 e 2 anos de idade, a dormirem em dependências contíguas do locus delicti revela claramente, uma personalidade fria e insensível actuando com um grau de culpa exponenciado, sendo certo que a qualificativa, prevista no n º 2, alínea i), do inciso penal supra citado, não estando isenta de algumas dificuldades interpretativas, jurisprudencialmente resolvidas, de resto, se co-verifica, a par da do n º 2. alínea b), do artigo 132º do CP. Conforme vem sendo entendido em numerosos arestos deste Tribunal, «o meio insidioso»abrange inter aliaa surpresaque diminui substancialmente a possibilidade da vítima esboçar qualquer defesa.

Por último, considerando a moldura penal abstracta do homicídio qualificado, de 12 a vinte e cinco anos de prisão, e as grandes exigências, desde logo de ordem preventiva geral, que se verificam na sociedade portuguesa, com o crescimento absolutamente intolerável do número (sobretudo de mulheres mas também de alguns homens) que anualmente morrem em «contexto relacional», como de resto salientou o MP na 2ª instância na sua resposta, e ponderando os demais elementos previstos no artigo 71º do CP, concluímos que nenhum reparo há a fazer á pena aplicada pela comissão deste bárbaro assassinato.

Aliás, o facto do recorrente ser primário neste contexto, não tem um efeito mitigador da culpa do recorrente, que se possa entender por relevante, conquanto tal condição é suposta pela ordem jurídica em relação a todos os cidadãos. Também a confissão parcial do crime, nos moldes em que ocorreu, não se afigura relevante para a descoberta da verdade.

Nestes termos somos de parecer, que o recurso deve ser julgado improcedente.

» 6.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), nada mais tendo sido dito.

7.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Os factos A- Factos Provados: Da acusação: 1- O arguido AA e BB eram casados desde .../2001, tendo uma vida em comum e residindo ambos na Rua ....

2- No dia 20/11/2017, entre as 01:45 horas e as 02:30 horas, o arguido AA, na Rua ..., abeirou-se da sua mulher, BB, que se encontrava deitada no sofá da sala; 3- Empunhava uma faca de cozinha, com 20 cm de lâmina, lacada de vermelho, com cabo vermelho e branco em plástico, 4- E, de forma voluntária e sem qualquer causa justificativa, desferiu um golpe na zona do pescoço de BB, seccionando vasos do pescoço e da laringe (“degola”), causando hemorragia externa complicada pela bronco-aspiração do sangue, tendo dessa forma provocado a morte de BB.

5- De seguida, o arguido tentou suicidar-se, tendo para o efeito cortado os seus pulsos, o pescoço e, além disso, ainda desferiu um golpe com a faca no seu peito, junto à zona do coração.

6- Tais factos ocorreram quando os filhos de ambos, de 13, 9 e 2 anos de idade, respectivamente, se encontravam em casa, a dormir nos respectivos quartos.

7- Após o supra descrito, o arguido ainda tentou ligar para o seu irmão, não tendo conseguido falar, mas apenas gorgolejar, tendo de seguida enviado três sms´s ao mesmo, escrevendo apenas “VAM CASA DEPRESSA”, “com o pai”, “fiz merda”.

8- Bem sabia o arguido AA que ao cortar o pescoço da sua mulher, BB, da forma como o fez, iria necessariamente provocar-lhe a morte.

9- Agiu igualmente de forma livre e lúcida, com a perfeita consciência que a sua conduta era, punida e proibida por lei.

Pessoais do arguido: 10- O processo de socialização de AA, de dupla...

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