Acórdão nº 74/15.0T9ABF.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS ALMEIDA
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1. AA foi condenado, por sentença proferida em 9 de Maio de 2017, pela prática de um crime de dano, conduta p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, em 120 dias de multa à razão diária de 7 € e no pagamento de uma indemnização ao demandante civil BB.

O arguido interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação de Évora.

Por acórdão de 6 de Novembro de 2018, este tribunal julgou o recurso procedente, tendo revogado a decisão recorrida por falta de legitimidade do Ministério Público.

No dia 7 de Dezembro de 2018, o demandante civil, invocando o disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, interpôs o presente recurso extraordinário contra jurisprudência fixada terminando a sua motivação com a formulação das conclusões que se transcrevem:

  1. Dispõe o artigo 446.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “é admissível recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicável as disposições do presente capítulo”.

  2. ) O recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (doravante “STJ”) destina-se a assegurar a eficácia dessa jurisprudência e é uma subespécie dos recursos de fixação de jurisprudência em geral, previstos e regulados nos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal (doravante “CPP”).

    C) Este recurso extraordinário não dispõe de regulamentação própria direta, constando o seu estatuto jurídico que o regime a aplicar será o correspondente ao dos recursos para fixação de jurisprudência propriamente ditos (cfr. artigo 446.º, n.º 1, in fine do CPP), recorrendo-se, nos casos omissos e subsidiariamente, às normas que disciplinam os recursos ordinários (cfr. dispõe o artigo 448.º do CPP).

    D) Em rigor, este recurso estabelece a verdadeira garantia da uniformização da jurisprudência, permitindo aos particulares defenderem-se de decisões contraditórias em matéria de direito, assegurando uma maior previsibilidade decisória que, não obstante as minudências de cada caso concreto, visam assegurar a mesma aplicação e interpretação da norma jurídica.

    E) A lei processual faz depender a admissibilidade do presente recurso extraordinário da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros de natureza substancial (cfr. artigos 437.º a 448.º do CPP). Entre os primeiros, a lei enumera: a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido; a identificação do acórdão uniformizador proferido pelo STJ que a decisão recorrida contraria, indicando-se o lugar da sua publicação; e o trânsito em julgado de ambas as decisões. Entre os pressupostos de natureza substancial conta-se a justificação e a explicitação dos termos em que essa contradição se verifica e a verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões.

  3. Toda a estrutura do presente recurso pressupõe, portanto, a prévia existência de um acórdão uniformizador de jurisprudência que não é respeitado pelo acórdão de que se recorre; e que ambos tenham transitado em julgado.

  4. In casu, o Acórdão ora recorrido e o Acórdão n.º 1/97, do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/12/1996, publicado em Diário da República n.º 8/1997, Série I-A, de 10/01/1997, no âmbito do processo n.º 48.713 – ambos já transitados em julgado – apresentam decisões contraditórias relativamente à mesma questão de direito fundamental.

  5. A questão fundamental prende-se em saber se: quando é apresentada queixa por crime semipúblico, por alguém que não é titular do direito de queixa, o Ministério Público tem legitimidade para exercer a ação penal se a queixa for ratificada pelo titular do direito respetivo, mesmo que após o decurso do prazo previsto no artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal? Ou, colocando a questão de outra maneira: Tendo a ratificação da queixa sido operada após o prazo previsto pelo artigo 115.º, n.º 1 do Código Penal, perdeu a sua eficácia? I) Em ambos os acórdãos em análise, já transitados em julgado, verifica-se que as situações de facto presentes e o enquadramento jurídico são idênticos, pese embora, os acórdãos consagrem soluções diferentes para a mesma questão de direito.

  6. Ora, no âmbito do processo comum n.º 74/15.0T9ABF, que correu termos no Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 2, da Comarca de Faro, em que é ofendido e parte civil o ora recorrente BB e arguido AA, foi aquele Arguido condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal.

  7. Inconformado, veio o Arguido interpor recurso da decisão de primeira instância para o Tribunal da Relação de Évora, tendo sido proferido, nesse âmbito, o acórdão de que ora se recorre e que entendemos estar em contradição com o acórdão uniformizador supra identificado.

  8. No acórdão recorrido foi decidido, em síntese, o seguinte (que ora se transcreve para melhor compreensão): “No início do mês de julho de 2014, quando o ora Recorrente destruiu o muro que divida as frações A e B do prédio urbano sito no ..., havia já falecido – em ... de 2011 – CC que, com seu marido, BB, e até à ocasião do seu decesso, fora proprietária de uma dessas frações – a fração B.

    E nessa mesma ocasião – no início do mês de julho de 2014 – estavam já determinados os herdeiros da falecida CC: o cônjuge, BB, e os filhos ... e DD.

    No início do mês de julho de 2014 – ocasião em que ocorreu a destruição do muro supra referida – não havia notícia da partilha dos bens deixados por óbito de CC, nem da existência de qualquer procedimento com esse propósito.

    No dia 16 de janeiro de 2015 – ocasião em que foi apresentada a queixa que deu origem aos presentes autos –, não havia notícia da partilha dos bens deixados por óbito de CC, nem da existência de qualquer procedimento com esse propósito.

    Com o falecimento de CC, ocorre a abertura da sucessão. E, de imediato, todos os bens da falecida que se destinam a ser partilhados constituem a herança.” (...) “De regresso ao processo, não haverá senão que concluir pela ilegitimidade...

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