Acórdão nº 2759/17.7T8BRR.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelJÚLIO GOMES
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, I. Relatório AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra “BB, S.A.” e CC, alegando, em síntese: Em maio de 2006, foi contratado pelas RR. para trabalhar, sob a sua autoridade e direção, tendo desempenhado as funções que descreveu, em benefício de uma e outra, com retribuição e horários fixos, estando, porém, à disposição das RR. durante 24 horas por dia, usando viaturas propriedade das RR. e um telemóvel propriedade da 2ª R.; No dia 30 de maio de 2017, a 2.ª R enviou-lhe um e-mail “prescindindo dos seus serviços”. As RR. não pagaram ao A. quaisquer quantias a título de subsídios de férias e de Natal. O A. não gozou todos os períodos de férias a que tinha direito e não recebeu formação profissional. A conduta das RR. causou-lhe instabilidade, ansiedade e desgosto. Concluiu, pedindo a condenação solidária das RR. no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre as partes desde maio de 2006 e do valor da retribuição no montante de € 1.250,00 mensais.

Mais requereu a condenação solidária das RR. no pagamento: - Da quantia de € 21.715,17, acrescida de juros de mora, a título de subsídios de férias e de Natal, férias não gozadas e horas de formação que não gozou; - Da quantia de € 20.781,25 a título de indemnização em substituição da reintegração; - Da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais; - Das retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.

Foi, ainda, peticionada aplicação de uma sanção pecuniária compulsória no montante não inferior a € 30,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que venha a ser imposta.

As RR. contestaram, dizendo que o A. foi contratado como assessor das RR., mantendo em paralelo outras atividades, de onde obtinha proventos, sem que estas alguma vez tivessem controlado os seus tempos de trabalho, ausências e férias, desempenhando as suas atividades com autonomia, sem receber ordens ou instruções, apresentando periodicamente contas às RR. e utilizando muitas vezes as suas próprias viaturas.

Mais alegaram que, reclamado mais tempo para as suas outras atividades, o A. passou a fazer-se substituir nalgumas funções por DD, a quem o próprio A. pagava pelo serviço prestado. Finalmente, alegaram que a 2ª R. não enviou ao A. o e-mail que consta dos autos “dispensando os seus serviços”. Com tais fundamentos, defenderam a qualificação da relação existente entre as partes como uma prestação de serviços e requereram a sua absolvição e a condenação do A. como litigante de má-fé.

Realizado o julgamento foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo as Rés dos pedidos, não condenando o Autor como litigante de má fé.

Inconformado o Autor recorreu.

As Rés contra-alegaram.

O Tribunal da Relação proferiu Acórdão julgando parcialmente procedente o recurso de apelação e condenando a segunda Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 1250 (mil duzentos de cinquenta euros), a título de subsídio de férias referente ao trabalho prestado no ano 2013, bem como ao pagamento ao Autor de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do vencimento da prestação até integral pagamento, mantendo no mais a sentença recorrida.

Novamente inconformado, o Autor recorreu, desta vez de revista.

Na Parte VIII do seu recurso, o Autor apresenta as seguintes Conclusões[1]: 1. O contrato celebrado verbalmente em 2006 entre o Autor e as RR, é um verdadeiro contrato de trabalho, como ficou demonstrado nos autos, porquanto, 2. O Autor passou a desempenhar diversas atividades para as Rés, sempre e após as ordens e instruções destas recebidas e nos locais por elas indicados.

3. No desempenho de tais obrigações, o A. gozava volvidos alguns anos, [de] alguma autonomia para executar as tarefas de que era incumbido.

4. Contudo, permaneceu sempre numa posição de pura subordinação hierárquica em relação à sua entidade empregadora.

5. No desempenho das suas obrigações, o Autor, salvo raras exceções, apenas quando solicitado pelas RR, utilizava sempre viaturas, ferramentas e outros utensílios a estas pertencentes.

6. Entre o Autor e as RR, foi estabelecido um horário de trabalho que, em cada dia útil, decorria entre as 10H00 e as 19H00.

7. Foi acordado entre as partes que o Autor auferiria um ordenado mensal de € 1.250,00, que nunca sofreu qualquer alteração.

8. Não sobrando dúvidas que, "ab initio", ou seja, desde 2006, data em que o contrato foi verbalmente celebrado, existiu sempre o que carateriza um verdadeiro contrato de trabalho porquanto, 9. este consistiu sempre, por parte do Autor, numa atividade subordinada, resultante de instruções, diretivas e ordens, escritas e orais, que lhe foram transmitidas pela 2.ª Ré ou por pessoa que integrava a estrutura da 1.ª Ré.

10. Da matéria de facto dada como provada, que tivemos o cuidado de transcrever, resulta, inquestionavelmente, tal relação jurídica, que o tribunal de 1.ª instância, duma forma, a nosso ver errada, não corroborou.

11. Não descarateriza esta relação jurídica (relação laboral) a circunstância de o Autor, em 2014 (oito anos após o início de funções para com as Rés), e porque a 2.ª Ré excedia com frequência o horário de trabalho convencionado que muitas vezes lhe ocupava as noites e fins-de semana.

12. Após o Autor ter reclamado necessidade de estar mais com a sua família e poder descansar, a mesma lhe ter exigido a contratação de outro trabalhador para desempenhar as funções do Autor sempre que este estivesse em período de descanso ou em dia de descanso.

13. Tendo esta exigido, que fosse o Autor, a pagar o que essa pessoa tivesse a receber.

14. O que ele aceitou e fez, pois ou era desta forma, ou não tinha direito a descanso ou caso persistisse nessa sua intenção de cumprir o seu horário, seria despedido, uma vez que a 2.ª Ré não tinha qualquer pudor em afirmar que trabalhar para ela não era o mesmo que ser funcionário público.

15. Todavia as ordens e instruções continuaram a ser dadas pela 2.ª Ré a cada um dos trabalhadores, não passando pelo A.

16. Não se verificando assim qualquer desvio do requisito "intuitu personae", como se defende no Aresto recorrido, pois ambos os trabalhadores eram objeto das instruções dadas pela 2.ª Ré, quando estavam a trabalhar e ao dispor da referida "D…".

17. Em suma, ao contrário do sustentado, nesta parte, no Douto Acórdão do Colendo Tribunal da Relação de Lisboa, não se verificou a desvirtuação do contrato de trabalho pelas razões invocadas, pois as mesmas não se verificaram no caso vertente.

18. Pelo que não existiu qualquer contrato de prestação de serviços, tal como vem definido no artigo 1154.º do Código Civil, porquanto ninguém se obrigou a qualquer resultado, antes sim, existindo dois trabalhadores para o exercício das mesmas funções, por necessidade e exigência da 2.ª Ré.

19. Com tal deliberação o Acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação, entre outros, dos artigos 1152.º, 1153.º e 1154.º, todos do Código Civil, e ainda do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho.

20. Ao invés, com a sua conduta e ao exigir ao A. o pagamento da retribuição do novo trabalhador, ameaçando-o com a continuação da prestação de trabalho nos moldes supra descritos, a qual nos atrevemos a qualificar, como sendo de semiescravatura ou mesmo o desemprego, violou de uma assentada o disposto no art. 127.º n.º 1 alíneas a), c), n.º 3, no art. 129.º, n.º 1 alíneas a), c), h), no art. 212.º n.º 1 alínea b), no art. 214.º n.º 1, no art. 232.º n.º 1, entre outros, todos do Código do Trabalho.

21. Pelo exposto, o acórdão ora em crise deve ser revogado na parte em que considera ter existido uma conversão do contrato de trabalho do A. em contrato de prestação de serviço, devendo ser o mesmo considerado apenas e sempre como um contrato de trabalho, e por conseguinte: 22. Mantém toda a pertinência o peticionado inicialmente devendo o despedimento operado em 31.05.2017, ser considerado ilícito, devendo as RR. ser condenadas no pagamento das quantias reclamadas na petição inicial, quer a título indemnizatório, quer a título de retribuições que o A. deixou de auferir, bem como créditos laborais vencidos e naquela sede peticionados.

E concluía, pedindo a revogação da decisão de 1.ª instância e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, na parte em que considerou que a partir de 2014 o contrato deixou de ser de trabalho, para passar a ser de prestação de serviço, e ainda que “na sequência da concessão da revista, seja determinada a existência de um contrato de trabalho celebrado entre o A. e as Rés desde Maio de 2006 até 30-05-2017, data em que foi despedido, devendo o mesmo considerado ilícito, com as legais consequências, em virtude do que devem, igualmente, as RR. ser condenadas no pagamento das quantias reclamadas na petição inicial que nesta sede se repristinam”.

As Rés contra-alegaram e interpuseram recurso subordinado, com as seguintes Conclusões[2]: 1. O presente recurso subordinado de revista é admissível nos termos do disposto nos artigos 80.º, nº. 1 e 81.º, números 4 e 5 do C.P.T. e artigo 671.º, nº. 3 a contrario, 675.º, n.º 1, 676.º, n.º 1 a contrario e 633.º, números 2 e 5 do C.P.C.; 2. A lei aplicável in casu é o Código do Trabalho de 2003, com a redação dada pela Lei n.º 9/2006, de 20 de março, por ser a lei em vigor no momento da constituição da relação contratual (maio de 2006); 3. O Tribunal a quo fez tábua rasa da previsão contida no artigo 12.º. do Código do Trabalho de 2003, com a redação dada pela Lei nº. 9/2006, de 20 de março, desconsiderando-a na apreciação dos factos; 4.

O Recorrido não dependia economicamente da Recorrente, pois para além da atividade prestada para a Recorrente, o Recorrido tinha ainda outras atividades, como a venda de carros (e outra relacionada com barcos), da qual lhe provinham rendimentos – pontos. 59, 61 e 62 da matéria provada; a falta de...

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