Acórdão nº 21/17.4JAFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – Na 1ª instância, Comarca da ..., o arguido AA foi julgado e condenado nos termos seguintes: - por um crime de homicídio qualificado dos artigos 131° e 132°, nºs 1 e 2, alínea j) do Código Penal, agravado pelo disposto no artigo 86°, n° 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições da Lei 5/2006, de 23/02, na pena de 19 anos de prisão.

    - por um crime de detenção ilegal de arma, do artigo 86°, n° 1, als. c) e d) do dito Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão.

    Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 20 anos de prisão.

    Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que lhe negou provimento.

    Interpõe novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça formulando na motivação as seguintes conclusões (transcrição):

    1. Mal andou o Tribunal a quo ao ter condenado o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, sendo que antes deveria ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio simples.

    2. Mal andou o Tribunal a quo ao não considerar o arrependimento, a colaboração para a descoberta da verdade material, a provocação injusta/ofensa imerecida ocorrida dia 11 de Janeiro de 2017 e aos factos que mitigam a culpa do arguido trazidos a julgamento pelas testemunhas da defesa.

    3. Não deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 2 e 14 dos factos provados; dos pontos 34 a 36; e 77 uma vez que deveriam ter sido julgados não provados.

    4. Deveriam ter sido dados como provados os factos constantes nos pontos de O) a W) e de CC) a FF) e HH) em vez de não provados.

    5. Ponderados todos estes factores, pugnamos pela aplicação ao arguido de uma pena nunca superior a 11 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples; uma pena nunca superior a 1 ano de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma e, em cúmulo jurídico, uma pena única nunca superior a 12 anos de prisão pela prática destes dois crimes.

    A magistrada do ministério Público respondeu ao recurso defendendo que: - Deve ser rejeitado pois a motivação apresentada é somente uma repetição daquela que esteve na origem do recurso interposto para a Relação acrescendo que nem sequer foram indicadas as normas jurídicas violadas; - Nada há a censurar na escolha e medida da pena.

    Neste Supremo tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer expressou-se também no sentido de o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência por se pretender trazer a discussão a matéria de facto já definida e por nem sequer poder ser questionada a pena parcelar correspondente ao crime de detenção ilegal de arma perante a circunstância de, nessa parte não ser admissível recurso, de acordo com o art. 400º, nº 1, al. d) CPP (diploma a que pertencem as normas adiante referidas sem menção de origem).

    Foi cumprido o art. 417º, nº 2 sem que houvesse resposta.

    * 2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados foi o seguinte (transcrição): 1. No dia 11 de Janeiro de 2017, o arguido, AA, dirigiu-se ao ..., freguesia do ..., concelho do Funchal, munido de ama arma de fogo FN Browning, nº ..., carregada com munições de calibre 6,35mm, com intenção previamente reflectida de matar BB com recurso a arma de fogo.

  2. Do antecedente já tinham ocorrido conflitos laborais entre o arguido e a vítima, que era o Presidente da Associação de ..., pois há cerca de cinco anos tivera AA um acidente que considerava ser em serviço, facto que BB não aceitava.

  3. Ao chegar ao ..., pelas 17h38, em frente ao número de polícia 184, junto à Associação de ..., o arguido abordou BB e, a cerca de três ou quatro metros de distância, disparou na sua direcção.

  4. Fê-lo sem que nada o fizesse prever.

  5. Disparou três tiros sobre o BB, com intenção de o matar.

  6. Não obstante a gravidade dos ferimentos, a verdade é que, na ocasião, o BB, caído no chão e apoiado pelos colegas de trabalho, também ..., ..., ... e CC, ainda respirava, com dificuldade e conseguia falar.

  7. No local, um ou mais colegas de trabalho gritaram por auxílio e para que alguém chamasse a ambulância, pois o BB ainda estava vivo e a falar.

  8. Alguns minutos volvidos sobre os primeiros disparos, o arguido, após entrar e sair do bar “...”, apercebeu-se de que o BB ainda estava vivo e aproximou-se dele com a firme intenção de acabar o que tinha iniciado – “atirar para o matar”.

  9. O BB, prostrado no chão e a esvair-se em sangue ainda disse ao arguido, vendo-o aproximar-se: “AA, havia necessidade disto?”, ao que este ripostou: “Ainda estás vivo?”, tendo, acto contínuo, disparado outros três tiros, contra os seus rosto e maxilar.

  10. Ainda antes de o BB se dirigir ao arguido, também o colega de trabalho CC lhe disse: “AA, é preciso fazer isto?”, tendo ouvido como resposta: “Vê se estás para aí calado que também há para ti”, enquanto lhe apontava a arma de fogo supra mencionada.

  11. É quando é atingido por um dos três novos tiros que BB começa a jorrar muito sangue e que a prótese que possuía na boca, se quebra, consequência desses três últimos disparos.

  12. O arguido disparou os últimos três tiros à queima-roupa na cara do visado, que já se encontrava prostrado no chão, a esvair-se em sangue, indefeso e com a percepção de que ia morrer.

  13. Veio, assim, a atingi-lo com 6 (seis) projécteis disparados em direcção à sua cabeça e ao seu corpo, de calibre 6,35mm, igual ao das munições admitidas pela arma supra identificada e que lhe foi apreendida.

  14. Após, o arguido saiu do local do crime tendo levado consigo aquela arma mas, logo em seguida, foi interceptado e detido pela PSP, no ..., no cruzamento da ... com o Caminho de Ferro do ...

  15. Ao ver os Agentes da PSP, o arguido levantou os braços no ar e disse: “Já fiz o que tinha a fazer. Tenho a arma no bolso”.

  16. O arguido foi encontrado no referido local, na posse da arma de fogo que lhe foi apreendida, melhor identificada a fls. 7 a 9, e que usara contra a pessoa de BB tendo-a disparado, momentos antes, nas circunstâncias acima descritas.

  17. Foi solicitada a presença dos Bombeiros Voluntários ... que fizeram deslocar uma ambulância ao local, tendo a vítima de imediato sido transportada para o seu interior e aí sido assistida por uma equipa da EMIR e onde acabou por falecer.

  18. O corpo da vítima, ainda no local, dentro da ambulância dos Bombeiros Voluntários da ..., apresentava as seguintes lesões visíveis: na região da face da vítima na região mentoniana foram detectados três orifícios de entrada de projécteis de pequeno calibre, nos vestígios hemáticos no local foram encontrados pedaços da calote craniana e também parte da prótese dentária da vítima, lesões que lhe determinaram a morte ainda no local dos factos, que foi confirmada as 18h03m pela Autoridade de Saúde que aí se deslocou.

  19. De acordo com o Relatório de Autópsia, o quadro lesional sugere que os trajectos dos projécteis foram os seguintes, mas não necessariamente produzidos por esta ordem: · Trajecto 1: orifício de entrada na região submentoniana, ligeiramente à direita da linha média; trajecto ascendente e ligeiramente para a esquerda; orifício de saída na linha média da face mucosa do lábio inferior, com fractura da prótese dentária; · Trajecto 2: orifício de entrada na linha média da região submentoniana; após imediata colisão com a mandíbula, projéctil desviou-se para a esquerda, vindo a ser encontrado no tecido celular subcutâneo da região submandibular; · Trajecto 3: orifício de entrada na região submandibular esquerda; trajecto para trás e para a direita praticamente horizontal; projéctil encontrado junto ao processo espinhoso de C4; · Trajecto 4: orifício de entrada na linha média da face anterior do pescoço, na transição para a região submentoniana; trajecto da direita para a esquerda, ligeiramente ascendente e para trás; orifício de saída na região occipital, à esquerda da linha média; · Trajecto 5: orifício de entrada na face lateral direita do pescoço; trajecto da direita para a esquerda, ligeiramente ascendente e para trás; projéctil encontrado na linha média da face posterior do pescoço; · Trajecto 6: orifício de entrada na região frontal, à direita da linha média; projéctil encontrado junto à abóbada craniana, à superfície do lobo frontal.

  20. Assim, em consequência da conduta do arguido, o ofendido, BB, sofreu lesões, localizadas predominantemente na cabeça e pescoço, nomeadamente: · «Ossos da Cabeça – Abóbada: Orifício ovalado na escama do frontal, à direita da linha média e em relação com o orifício de entrada descrito no Hábito Externo, com infiltração sanguínea dos bordos, medindo 0,6cm de eixo antero-posterior por 1,5cm de eixo transversal a nível da tábua externa, donde se destacava esquírola óssea, e 1,8cm de eixo antero-posterior por 2,0cm de eixo transversal a nível da tábua interna – orifício de entrada de projéctil; · Meninges: Laceração da dura mater e aracnóide na zona correspondente ao orifício descrito na abóbada, com discreta hemorragia subaracnoideia, a qual estava também presente a nível da base do lobo frontal direito.

    · Encéfalo: Presença de projéctil à superfície da extremidade anterior do gyrus frontal inferior direito, com pequena laceração do parênquima circundante e focos de contusão corticais; hemisférios cerebrais com ausência de apagamento dos sulcos e achatamento das circunvoluções cerebrais; tronco cerebral e cerebelo sem alterações macroscópicas evidentes; círculo arterial de configuração normal; ausência de sinais de aterosclerose. Ao corte, sistema ventricular sem alterações macroscópicas; córtex de espessura regular e uniforme, com alguns focos de contusão corticais a nível da base do lobo frontal direito; substância branca sem áreas quísticas, de amolecimento ou hemorragia; substância cinzenta profunda (núcleos da base) de morfologia, consistência e coloração habituais; sem hipocampus, sem alterações macroscópicas; tronco cerebral e cerebelo sem alterações macroscópicas evidentes.

    · Partes moles da Face: Trajecto em túnel em correspondência com o orifício n°1, ligeiramente ascendente da...

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