Acórdão nº 436/16.5T8LRA.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelRAIMUNDO QUEIRÓS
Data da Resolução23 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório: O “AA, S.A.”, com sede no …, intentou, em 5/02/2016, acção com processo comum, de impugnação pauliana, contra BB e “CC, LDA.”, com sede em ..., …, …, terminando o seu articulado inicial nos termos que ora se transcrevem: “[…] deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência julgar procedente a impugnação da compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “…”, do prédio urbano inscrito actualmente na matriz sob o artigo … da união das freguesias de ..., ..., … e … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o 991/... pelo 1º Réu à 2ª Ré, declarando-se que o Banco Autor tem direito à restituição da referida fracção no que se mostrar necessário à integral satisfação do seu crédito, podendo executar o aludido bem no património da 2ª Ré, declarando ainda que o A. tem direito a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizadas por lei”.

Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, realizada que foi a audiência final, veio a ser proferida sentença, em 16/06/2017, na qual se consignou o seguinte: “[…] o Tribunal decide: Julgar procedente, por provada, nos termos sobreditos, a presente ação e, em consequência: “1. Declara-se a ineficácia, perante o Autor, da compra e venda titulada pela escritura pública outorgada em 18 de abril de 2013, no Cartório Notarial da …, da Notária DD, lavrada de fls. 105 a 106 do livro de notas nº 104-A, mediante a qual o 1º Réu, BB, declarou vender à 2ª Ré, CC, Lda., a fração autónoma designada pela letra “G”, primeiro andar direito, piso um, para habitação, uma garagem no piso menos três, designada pela letra …, do prédio urbano sito na ..., Lote .., Rua …, freguesia e concelho de ..., inscrito atualmente na matriz sob o artigo … da união das freguesias de ..., ..., … e … e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o …/...; 2. Declara-se que o Autor tem o direito de praticar sobre tal imóvel objeto desse negócio atos de conservação da garantia patrimonial e de o executar no património da 2ª Ré em cujo património esse bem ingressou; 3. Condenam-se os RR nas custas da ação, atento o seu decaimento. […]”.

Desta sentença apelaram os Réus para o Tribunal da Relação de Coimbra.

O Tribunal da Relação julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Do acórdão da Relação vieram os Réus BB e CC, Lda, interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672.°, n.° 1, c), do CPC, por entenderem que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 26-2-13 e, além disso, invocaram, ainda, o relevo jurídico da questão.

O processo foi submetida à Formação a que alude o artº 672º, nº 3 do CPC, a qual admitiu a revista excepcional.

Os Apelantes formularam a seguintes conclusões de alegações: “A- Nos fundamentos conducentes à alteração da decisão sobre a matéria de direito, em sede de recurso de apelação da douta sentença, os Recorrentes alegaram que o Tribunal a quo (leia-se, Tribunal de Primeira Instância) andou mal ao ter entendido que o requisito do prejuízo do instituto da impugnação pauliana se encontrava verificado, em razão de o imóvel em causa – cuja transmissão originou a impugnação pauliana – não fazer parte da garantia patrimonial do credor, em virtude de, no momento da constituição do crédito e aquando da transmissão, se encontrar onerado por duas hipotecas constituídas a favor do EE, para garantia de empréstimo à habitação, com o total de capital de € 115.940,00 euros, e com o montante máximo assegurado de € 158.837,80 euros (facto que foi alegado na contestação e provado através da junção aos autos da certidão predial e da certidão da escritura de compra e venda com hipoteca, e que não foi dado como provado ou como não provado pela sentença proferida em sede de primeira instância, e que constituiu fundamento do recurso de apelação).

B- Neste âmbito, o Tribunal a quo decidiu o seguinte: “Não se nos afigura, por outro lado, que a afirmação das hipotecas sobre o imóvel a favor do EE tenham algum interesse para negar a procedência ao pedido do Autor (…).” — vide 2. parágrafo da página 30, do acórdão recorrido.

“Os Apelantes, contudo, insistem em dar relevo às hipotecas constituídas a favor do EE, SA., para daí concluírem pela inexistência de prejuízo ocasionado ao Autor em resultado do acto impugnado.

’’ – vide 2° parágrafo do capítulo C), ínsito na página 31, do acórdão recorrido “Ora, a primeira coisa que importa afirmar é que os Apelantes dão como certo algo que não está demonstrado e até se pode não verificar.

Efectivamente, pelas mais variadas razões dizer agora que, por via das hipotecas constituídas sobre o imóvel em causa a favor de terceiro, o ora Autor não conseguirá obter a satisfação do seu crédito com a execução do bem, é, para já, entrar no âmbito da especulação.

A título exemplificativo e já que estamos no domínio das hipóteses, também se poderá afirmar, como se fez na sentença, que “sobre um imóvel podem constituir-se garantias sucessivas e as hipotecas são suscetíveis de cancelamento após o pagamento do crédito que lhes subjaz não tendo necessariamente que ocorrer a venda judicial dos imóveis hipotecados’’, ou dizer, como fez o Apelado na alegação de resposta, que, não está provado que o valor do imóvel objecto de Impugnação Pauliana, seja o alegado pelos Apelantes, nem se pode saber qual o valor que o imóvel atingirá em licitações no site e-leilões daqui a uns anos na fase executiva, após a penhora e concurso de credores.

(…) A este respeito diremos apenas o seguinte: Afirmado que foi, estar por demonstrar a tese dos Apelantes, Autor, por força das hipotecas constituídas a favor de terceiro, nada receberá do valor do imóvel em causa, sempre faltaria o pressuposto – que é, na perspectiva dos Apelantes, a ausência de decorrente do acto impugnado — em que os RR sustentam, quer a improcedência da acção, quer a verificação do abuso de direito por parte do Autor” — vide páginas 32 e 33, do acórdão recorrido.

C- O Tribunal a quo entendeu não conferir qualquer importância ao facto de o imóvel – cuja transmissão constituiu o objecto da impugnação pauliana em causa – se encontrar onerado por duas hipotecas cujos valores são superiores ao valor do imóvel e que foram registadas em momento anterior à constituição do crédito pelo devedor originário (pois, a dívida do Recorrente advém da prestação de aval).

D- Em Acórdão proferido a 26.02.2013, no âmbito do processo n.° 60/10.6TBVLS.Ll-7, relatado pela Exma. Senhora Juiz Desembargadora Maria da Conceição Saavedra, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte: “Tendo os AA., credores comuns, impugnado doação de um imóvel que se mostra onerado com hipoteca e não excedendo o valor desse imóvel o montante do crédito garantido, não pode aquele acto de doação ter-se como causal da impossibilidade do pagamento aos AA ou do agravamento dessa impossibilidade.” “Com efeito, não basta que o devedor pratique um acto que envolva a diminuição da garantia patrimonial dos créditos para que qualquer credor o possa impugnar, exigindo-se em primeira linha que essa diminuição ponha em perigo a satisfação do respectivo crédito ([7] [Ver João Cura Mariano, ob. cit., págs. 165 e ss.]. Tal impossibilidade afere-se através duma avaliação patrimonial do devedor após a prática do acto a impugnar, sendo o peso comparativo do montante das dívidas e do valor dos bens conhecidos ao devedor que indicará se do acto resultou a dita impossibilidade ou o seu agravamento(8) (Ainda João Cura Mariano, ob. cit., págs. 16/168) Ora, no que respeita ao prédio onerado com hipoteca cuja doação os AA impugnam, temos que o mesmo terá o valor comercial de € 62.500,00 (ponto 2) supra) mas assegura o pagamento do capital de € 125.000,00 até um máximo de € 183.437,50 a favor do ‘Banco …, S.A.” (ver pontos A), H) e I) supra da matéria assente). Não excedendo o valor deste imóvel (no seu todo) o montante do crédito garantido, não só não se vislumbra o interesse dos AA na impugnação do acto correspondente como não se alcança o prejuízo decorrente para os mesmos na doação da nua-propriedade. Na verdade, enquanto o credor que beneficie de uma garantia real sobre um bem do devedor não terá interesse em impugnar a alienação desse bem, dado que continua a poder exercer o seu direito sobre ele, ainda que noutro património, em virtude do direito de sequela, já os credores comuns somente terão interesse em impugnar a transmissão daquele mesmo bem se o respectivo valor exceder o montante do crédito garantido ([9] [De novo, João Cura Mariano, ob. cit, págs. 150/151.]” E- Se no acórdão recorrido, o Tribunal a quo demonstra não ser de relevar a existência de hipotecas sobre o bem – cuja transmissão deu origem à impugnação pauliana – constituídas a favor de terceiro, em razão de as mesmas poderem ser canceladas com o respectivo pagamento, ou por não se saber qual o...

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