Acórdão nº 9036/09.5T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | OLINDO GERALDES |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA, S.A., instaurou, em 12 de junho de 2002, na então 1.ª Vara Mista da Comarca de … (Juízo Central Cível de …, Comarca de Lisboa Oeste), contra BB e mulher, CC, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo, designadamente, que os Réus fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 31 078,37, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal comercial.
Para tanto, alegou em síntese, que é proprietária do complexo turístico denominado Piscina Praia DD, sito na …., em …; desde maio de 1985, o R., por contrato verbal, explora, no complexo, o “Restaurante EE” e o “Self-Service”, mediante a retribuição correspondente a 15 % da faturação da exploração; foi ainda estipulado que o R. pagaria os encargos relativos ao telefone e à eletricidade dos estabelecimentos, ainda que diretamente fossem pagos pela A.; em 28 de outubro de 1994, a A. rescindiu unilateralmente o contrato, intimando o R. a entregar-lhe os estabelecimentos até 31 de dezembro de 1994, o que não aconteceu; contra a sua vontade, o R. continuou a explorar os estabelecimentos, usufruindo das linhas telefónicas e da eletricidade, sem nada pagar; o R., apesar de interpelado, não pagou vários gastos com o serviço telefónico e, desde julho de 1995, deixou de pagar a eletricidade consumida, sendo a dívida da responsabilidade de ambos os RR.
Contestaram os RR., por exceção, arguindo a nulidade do processo, por ineptidão da petição inicial, a ilegitimidade da R. e a prescrição dos créditos, e por impugnação, alegando a arbitrariedade dos valores fixados, e concluíram pela improcedência da ação.
Replicou a A. no sentido da improcedência das exceções.
Foi proferido o despacho saneador, no qual foram julgadas improcedentes as exceções arguidas, e organizada a base instrutória.
Em 9 de maio de 2014, a A. requereu a ampliação do pedido, a que responderam os RR., que veio a ser admitida, por despacho de fls. 949.
Em 9 de dezembro de 2016, os RR., respondendo à junção de documentos requerida pela A., que viria a ser indeferida, requereram também a junção de documentos (decisões judiciais), e que também foi indeferida, nos termos do despacho de 13 de dezembro de 2016 (fls. 1244 a 1247).
Em 2 de janeiro de 2017, os RR. vieram arguir, designadamente, a exceção de caso julgado, a que respondeu a A., no sentido da sua improcedência, requerimento que foi indeferido, em 9 de janeiro de 2017, nos termos do despacho de fls. 1345/6.
Os RR. interpuseram recurso desses dois despachos.
Em 11 de janeiro de 2017, a A. apresentou articulado superveniente, com alteração do pedido, nos termos de fls. 1364 a 1367, liminarmente admitido, por despacho de 12 de janeiro de 2017 (fls. 1374 a 1376).
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com várias sessões, foi proferida, em 4 de abril de 2017, a sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou os Réus no pagamento à Autora da quantia de € 31 682,95 (€ 2 160,40, referente às faturas de serviço telefónico, e € 29 522,55, à indemnização pelos consumos de energia suportados pela Autora e não reembolsados pelos Réus), acrescida de juros à taxa comercial, desde a citação até 30 de setembro de 2004, e às demais taxas que lhe sobrevierem até efetivo e integral pagamento.
Inconformados, os Réus apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 12 de junho de 2018, negou provimento ao recurso do despacho de 9 de janeiro de 2017 e concedeu parcial procedência à apelação da sentença, nomeadamente na aplicação de “juros de mora à taxa comercial de 4 %, desde a citação até efetivo e integral pagamento”.
Continuando ainda inconformados, os Réus recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam em resumo as numerosas conclusões:
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As decisões definitivas no processo n.º 2138/03.3TCSNT não podem deixar de atuar como autoridade de caso julgado, obstando ao conhecimento do mérito da causa relativamente às questões definitivamente decididas.
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A primeira apelação deve ser julgada totalmente procedente, julgando-se não provados os factos sob os n.º s 10, 11 e 12 da sentença.
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Verifica-se a nulidade do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por falta de pronúncia sobre a prescrição arguida na resposta ao articulado superveniente apresentado pela A., em 9 de maio de 2014.
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O facto provado sob o n.º 2 deverá ser alterado por efeito de documento autêntico.
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Os factos provados sob os n.º s 6, 7, 8, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 22, 23, 24 e 25 foram incorretamente julgados.
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No ónus de alegação da impugnação da matéria de facto deve adotar-se interpretação conciliável com as exigências de um princípio fundamental de proporcionalidade e adequação.
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Os Recorrentes identificaram os pontos de facto considerados mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, indicou os documentos e depoimentos das testemunhas que entendem terem sido mal valorados, bem como qual deveria ter sido o resultado probatório.
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Está também adequadamente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação.
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O acórdão recorrido violou o disposto no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, impondo-se que a Relação proceda à integral apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
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Os juros de mora, a serem devidos, só a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, por a responsabilidade contratual estar fora do âmbito do n.º 3 do art. 805.º do CC.
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A falta de liquidez da obrigação não é imputável aos RR.
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O acórdão recorrido violou, nomeadamente o disposto nos artigos 310.º, alíneas d) e g), 371.º, 762.º, n.º 2, 805.º, n.º 3, do Código Civil, 8.º, 411.º, 414.º, 423.º, 542.º e ss., 573.º, n.º 2, 578.º, 581.º, 607.º, n.º s 4 e 5, 608.º, n.º 2, 611.º, 613.º, n.º 2, 615.º, 616.º, n.º 2, alíneas a) e b), 617.º, 640.º e 662.º, do CPC.
Por sua vez, a Autora contra-alegou, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Por acórdão da Relação, de 8 de janeiro de 2019, foi declarado não haver nulidade no acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, está essencialmente em discussão, para além da nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, o caso julgado, o erro na apreciação da prova, designadamente da resultante de documento autêntico, o ónus de alegação na impugnação da decisão relativa à matéria de facto, em particular quanto ao requisito do art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, e a mora do devedor.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.
A A. é dona do complexo turístico denominado “Piscina Praia DD”, em …, ….
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Na sequência de acordo verbal com a A., o R., desde maio de 1985, passou a usar e fruir imóveis em tal complexo, onde explora um estabelecimento denominado...
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