Acórdão nº 995/13.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2019
Magistrado Responsável | RAIMUNDO QUEIRÓS |
Data da Resolução | 14 de Maio de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I- Relatório: 1.
AA, SA Instaurou acção declarativa de condenação contra: BB. e CC Pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe o valor de 559.524,41, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 13% sobre a quantia de € 347.600 e à taxa para dívidas comerciais sobre a quantia de € 49.000, até integral e efectivo pagamento.
Citados os réus, sendo que a ré o foi editalmente, contestou o réu, arguindo a nulidade do contrato de mútuo por falta de forma, invocando que a extinção da obrigação principal acarreta a extinção da fiança, e arguindo, também a nulidade da cláusula penal por ser excessiva ou, subsidiariamente, devendo ser reduzida.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou "a Ré BB. a pagar à Autora a quantia de € 342.800, acrescida de juros à taxa de 4% desde 8.3.2013 até integral pagamento.” 2.
Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu a autora, que nas suas alegações de recurso formulou as seguintes CONCLUSÕES: “1ª –A sentença julgou nulo o contrato sub judice por inobservância da forma legal prescrita para os mútuos civis superiores a € 25.000,00 (escritura pública).
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- Consequentemente, a sentença recorrida julgou nula a fiança concedida pelo 2º Réu, por a considerar acessória do mútuo.
I – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO 3ª - A sentença considerou como não provado o facto alegado na parte final do artigo 11.º da resposta às exceções (“O contrato sub judice é, sem qualquer margem para dúvidas, um contrato de empréstimo mercantil, destinando-se o mútuo ao investimento em equipamentos para o estabelecimento comercial da Sociedade Ré.”) [sublinhado nosso] – vide Resposta às exceções e “FACTUALIDADE NÃO PROVADA” constante da douta sentença sub judice.
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- O douto Tribunal a quo referiu, a propósito deste artigo 11.º e sua prova, que “as testemunhas da Autora foram expressamente questionadas sobre o destino dado pela Ré ao dinheiro, afirmando desconhece-lo, apesar de uma presumir que se destinasse a obras no estabelecimento mas que desconhece.” – vide último parágrafo da fundamentação da DECISÃO DE FACTO.
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- Não foi isso que resultou dos depoimentos das testemunhas (da Autora e do Réu).
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- Considerou o douto Tribunal a quo que “a Autora não logrou provar a que se destinou a quantia mutuada nem tal destino ficou consignado no contrato (…)” – vide decisão sobre a matéria de “DIREITO” constante da sentença sub judice.
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- É este concreto ponto de facto que a Recorrente considera incorretamente julgado.
(…) II- RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO (…) Y- Pelo que se requer a reforma parcial da sentença, na parte que em que julgou nulo o contrato de compra exclusiva com mútuo gratuito, por falta de forma e que, consequentemente, absolveu o Réu fiador, por outra que julgue válido o contrato e a fiança e assim a acção totalmente procedente por provada, com a condenação dos Réus no pedido formulado pela Autora na petição inicial.” 3.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 5 de Julho de 2018, alterou a decisão quanto à matéria de facto, aditando o seguinte ponto: “21) O dinheiro emprestado pela autora destinou-se a ser investido no estabelecimento comercial da sociedade ré.
No mais alegado no artigo onze do mesmo articulado se considera como não provado.” E, face desta alteração, acordou em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e, em consequência, julgou a acção totalmente procedente e condenou os réus BB, Lda. e CC a pagarem à autora o seguinte: 1- A quantia de € 347.600,00, a título de capital mutuado; 2- A quantia de € 49.000,00, a título de indemnização; 3- Juros de mora sobre a quantia referida em 1 desde 13-10-2009, calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis e até integral pagamento.
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Deste acórdão vem o réu CC interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: “
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A autora recorrida recorreu da douta sentença da 1.ª instância, para o Venerando Tribunal da Relação.
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Nas suas alegações de recurso a recorrida considera que o facto constante do artigo 11.º do articulado de fls 144 no qual refere que "O contrato sub judice é, sem qualquer margem para dúvidas, um contrato de empréstimo mercantil, destinando-se o mútuo ao investimento em equipamentos para o estabelecimento comercial da Sociedade Ré", foi incorrectamente julgado.
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E, afirma a autora recorrida nas suas alegações que "Ficando provado este facto, a decisão sobre a matéria de direito seria necessariamente diferente, pois que se decidiria pela mesma subsunção referida no artigo 11.º da resposta às excepções, ou seja: que o contrato sub judice é, sem qualquer margem para dúvida, um contrato de empréstimo de natureza mercantil. E, qualificado o contrato como mercantil, a acção seria julgada totalmente procedente por provada, condenando-se os Recorridos tal qual como peticionado pela Recorrente na sua petição inicial".
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Foi proferido acórdão pelo Venerando Tribunal da Relação o qual alterou a decisão quanto à matéria de facto assente pelo Tribunal da l.ª Instância, aditando aos factos provados, o facto 21) nos termos do qual "O dinheiro emprestado à autora destinou-se a ser investido no estabelecimento comercial da sociedade ré".
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Em face de tal aditamento, o Venerando Tribunal da Relação julgou procedente a apelação e revogou a sentença recorrida, e em consequência, julgou a acção totalmente procedente, condenando os réus BB, Lda. e CC a pagarem à autora o seguinte: 1- A quantia de € 347.600,00 a título de capital mutuado; 2- A quantia de € 49.000,00 a título de indemnização; 3- Juros de mora sobre a quantia referida em 1 desde 13-10-2009, calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis e até integral pagamento".
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É este o acórdão objecto do presente recurso.
Dos poderes de apreciação do Supremo Tribunal de Justiça g) O recorrente não concorda, de todo, com a posição assumida no douto acórdão recorrido, o qual decidiu pelo aditamento de mais um facto à matéria de facto dada como provada, (alínea 21)) e em consequência, concluir pela natureza mercantil do mútuo aqui em causa, daí a razão do presente recurso.
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É jurisprudência uniforme e constante do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de que não pode este Venerando tribunal de revista pronunciar-se sobre questões relativas a eventuais contradições, obscuridades ou deficiência da matéria de facto, que lhe não compete averiguar, por imperativo do disposto nos arts. 671º e 674.º-2, salvo nos casos excepcionais previstos nesta última norma e nos n.ºs 2 e 3 do art.º 682º.
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Consequentemente, pelas razões referidas, está vedada ao Venerando STJ a intromissão na fixação dos factos, matéria da exclusiva competência das instâncias, fora dos mencionados casos excepcionais (arts. 674º-2, 2ª parte e 682º-3).
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No caso sub judice entendemos que tal intervenção do STJ é legalmente admissível, atendendo que, em nosso ver, está em causa direito probatório material, levantando-se, como adiante se demonstrará um problema da força probatória do contrato denominado pelas partes de Contrato de compra exclusiva, com mútuo gratuito e fiança - documento particular - apresentado pela autora/recorrida, na sua p.i., para prova do mútuo aqui em causa.
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Tal contrato foi expressamente aceite pela autora/recorrida, tanto assim que foi quem juntou o contrato aos autos.
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E não foi impugnado pelo réu/recorrente.
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Cabe, pois, o objecto do recurso na previsão de excepcionalidade do citado n.º 3 do art. 674.º CPC.
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Se a parte contra quem é apresentado o documento nada diz, considera-se aceite a autenticidade.
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Reconhecida a assinatura do documento particular, faz fé, como se de documento autêntico se tratasse, até prova da sua falsidade, nos termos previstos no art.º 376º-1.
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Tal acontece e justifica-se porque o documento tem-se como reconhecido por decisão judicial, com a autoridade própria do caso julgado, não sendo mais possível impugnar no processo a decisão recognitiva, a não ser através da falsidade.
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Tal como nos documentos autênticos, fixada a força probatória formal dos documentos particulares, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art. 376º-1 C. Civil ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações, dele, constantes, se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão.
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O documento prova, pois, plenamente o seu conteúdo, ou seja, que a pessoa a quem é atribuída a autoria fez as declarações nele incorporadas, como corolário lógico do pressuposto de estar assente provir o documento dessa pessoa.
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Do ponto de vista da formação da convicção do julgamento e fixação da matéria de facto, quando se trate de documentos — autênticos ou particulares — que satisfaçam todos os "requisitos exigidos na lei", vigora o princípio da prova legal.
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Vale isto por dizer que, perante documentos, com força probatória legal, o julgador está vinculado ao valor e força que a lei fixa, que tem de se respeitar, não podendo deixar de admitir como provados os factos nos exactos termos em que emergem dos documentos.
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Da circunstância de a prova documental ter valor legalmente fixado, subtraído à livre apreciação, decorre, do ponto de vista processual, estar vedado ao julgador responder a pontos da base instrutória que contenham factos que só possam provar- se por documentos ou que através deles estejam plenamente provados.
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Entende o recorrente que o Tribunal da Relação, salvo o devido respeito por opinião contrária, violou normas jurídicas sobre a interpretação negocial, desvalorizando por completo a vontade das partes expressa no contrato sub judice, além de que valorou prova testemunhal, designadamente os artigos 394.º e 395.º do Código Civil.
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Ocorrendo erro na apreciação das provas e no aditamento da matéria de facto...
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