Acórdão nº 2673/12.2T2AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução09 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA, S.A.

demandou, pelo Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro e em autos de ação declarativa com processo na forma ordinária, BB.

, CC Lda.

e DD, S.A.

(e que passou a denominar-se EE, S.A.

),
peticionando a respetiva condenação solidária no pagamento da quantia de € 427.279,15, acrescida dos juros desde a citação.

Alegou para o efeito, em síntese, que tem por objeto a exploração de piscicultura.

Em 17/11/2009, celebrou com a 1.ª Ré BB, Lda. um contrato de empreitada que tinha por objecto a remodelação de instalações da piscicultura da Autora.

No dia 14/07/2011 ocorreu um sinistro nas instalações, causado pela rutura da forquilha instalada no bypass do módulo 3, que provocou a inundação da sala das bombas, a passagem de água da inundação da sala das bombas para o compartimento das bombas do módulo 2 e a paragem das bombas dos módulos 2 e 3. Em consequência dessa rutura e inundação foi impedida a renovação da água nas tinas n.ºs 2 e 3, o que causou a morte de peixes nelas existentes e provocou à Autora o correspondente prejuízo.

A rutura teve origem no incumprimento pelas 1.ª e 2.ª Rés do caderno de encargos, proposta de fornecimento, contrato e lista de trabalhos, recomendações, legislação e regulamentos.

A 1ª Ré havia transferido para a Ré Seguradora DD, S.A. a responsabilidade pelo acidente em causa.

+ Contestaram as Rés, concluindo pela improcedência da ação.

A Ré BB, Lda. alegou, em síntese, que por razões exclusivas da Autora foram sendo introduzidas alterações sucessivas na empreitada e respetivo objecto. A Ré cumpriu integralmente o contrato de empreitada, quer quanto aos termos inicialmente acordados entre as partes, quer quanto ao que, depois, veio a ser solicitado pela Autora. O sinistro foi provocado pela falta ou deficiente execução da ancoragem, sendo que era à Autora que incumbia executar essa ancoragem e a colocação dos suportes das tubagens e válvulas. O bypass foi desenhado pela Autora - não havia qualquer projeto -, sendo executado pela Ré CC, Lda.. A execução dos trabalhos foi vistoriada pela fiscalização, que não apresentou qualquer reserva ou defeito, e a obra foi aceite pela Autora. Na altura do sinistro, a Autora já estava a utilizar a obra, sem que se tenha procedido formalmente à respetiva receção provisória. A inundação podia ter sido evitada se existisse no poço uma bomba submersível adequada.

A Ré CC, Lda., e para além de ter suscitado as exceções da sua ilegitimidade e da preterição de litisconsórcio necessário passivo, alegou, em síntese, que: a) a obra de remodelação da piscicultura da Autora foi sendo construída em diversas fases, tendo a contestante contratualizado com a 1.ª Ré, para cada uma das fases, a realização de trabalhos distintos com recurso a materiais distintos, de acordo com as duas “Listas de Trabalhos” apresentadas. Os artigos constantes das “Lista de Trabalhos” do Orçamento n.º ... contêm muitas alterações aos artigos do Caderno de Encargos da Autora e, ainda, aditamentos, que foram impostos pela Autora às 1.ª e 2.ª Rés. Assim, o bypass de circuito de hidráulico de bombagem, no módulo 3, onde ocorreu o invocado defeito, constituiu uma alteração ao projeto, sendo apenas descrito na “Lista de Trabalhos” apresentada à 2.ª Ré pela 1.ª Ré, no ponto n.º 26 A do Orçamento no ..., tendo sido executado sem qualquer projeto, a mando, passo a passo, da ora A., que ordenou, designadamente, que passasse a ser executado com o diâmetro de 160 mm, em vez dos 315 mm inicialmente previstos; b) os trabalhos de ancoragem – meios de fixação e suporte – sempre foram executados diretamente pela Autora; c) era à Fiscalização da obra que competia submeter o sistema a um ensaio de pressão; d) as deficiências do tubo não eram aparentes, só sendo percetíveis mediante uma análise rigorosa e científica como a que foi levada a efeito pelo ISQ; e) após a instalação do circuito de bombagem do módulo 3, a Autora mandou proceder à instalação elétrica e de sistema de redes, que implicaram a passagem de cabos elétricos, por calhas, colocados por cima do circuito bypass. A execução de tais trabalhos implicou a passagem de trabalhadores por cima do circuito bypass, podendo ter sido esta mais uma causa para a fratura do tubo; f) se existissem bombas submersíveis nos módulos 1, 2, 3 e 4, estas poderiam ter evitado a subida das águas e consequente avaria das bombas dos circuitos de bombagem. Tais bombas não foram aplicadas pela A. por razões de redução de custos.

Mais requereu a intervenção principal de FF, Lda.

, como associada das Rés.

Na contestação que apresentou, e para além de impugnar parte da factualidade alegada pela Autora, a Ré DD …, S.A. invocou: a) a sua ilegitimidade com o fundamento de que a Autora não a podia demandar diretamente; b) a caducidade do direito de indemnização pelo decurso do prazo previsto no n.º 2 do art. 1225.º do C. Civil; c) a não cobertura do seguro relativamente ao prejuízo em causa.

+ Por despacho proferido a fls. 416/418, foi admitida, como associada das Rés, a requerida intervenção principal de FF, Lda.

Esta, porém, não interveio nos autos, nomeadamente contestando a ação.

+ Foi proferido despacho saneador onde, além do mais, se decidiu julgar improcedentes as exceções de ilegitimidade e de caducidade, e relegar para a sentença o conhecimento das exceções relacionadas com a cobertura do seguro.

+ A final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a ação: a) Condenou a 1.ª e 2.ª Rés e a Chamada a pagarem à Autora a quantia de €78.310,48, acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, a partir da citação e até integral pagamento;
 b) Condenou a Ré Seguradora a pagar à Autora solidariamente com aquelas Rés a quantia de € 70.479,43, acrescida de juros de mora, à taxa legal comercial, a partir da citação e até integral pagamento; c) Absolveu as Rés e a Chamada do mais que contra elas fora pedido.

+ Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

As Rés EE, S.A. e CC, Lda. recorreram subordinadamente.

A Ré BB, Lda. veio declarar a sua adesão aos recursos subordinados.

A Relação do Porto julgou improcedente a apelação da Autora, e procedentes os recursos subordinados, revogando a sentença na parte em que condenou as respetivas Recorrentes, absolvendo-as do pedido que contra elas foi deduzido.

+ Insatisfeita com o decidido, pede a Ré BB, Lda. revista.

+ Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões: I. O recurso ora interposto do douto acórdão proferido é apresentado na firme convicção de que a matéria de facto apurada nestes autos impunha ao Tribunal a quo a adoção de uma decisão diferente da seguida, designadamente, a absolvição da Ré, ora Apelante.

  1. A Apelante entende que o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito aos factos dados como provados.

  2. Desde logo, entende a Apelante que o Tribunal a quo conheceu de matérias de que não podia conhecer ao i) substituir-se ao Tribunal Recorrido de Primeira Instância (ex vi artigo 665.° CPC).

  3. Com efeito, a co-Ré EE arguiu a nulidade da sentença, porquanto o Tribunal de Primeira Instância, na Audiência Prévia, relegou para o momento da sentença o conhecimento das exceções invocadas e, depois, não se pronunciou sobre as mesmas.

  4. Acontece que, o Tribunal de Primeira Instância não deixou de conhecer as exceções invocadas por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, mas, ao que parece evidente, por manifesto esquecimento.

  5. Note-se que a substituição prevista no n.º 2 do artigo 665.º CPC pressupõe uma consciente não resposta (isto é, não responde por considerar que a questão se encontra prejudicada) e já não quando se esquece.

  6. Por este motivo, entende a Ré que não cumpria ao Tribunal a quo substituir-se ao Tribunal de Primeira Instância e, ao invés, deveria ter ordenado a remessa dos Autos à Primeira Instância para que conhecesse da questão que olvidou.

  7. Ao decidir como fez, o Tribunal a quo violou o preceituado no n.º 2 do artigo 665.º do CPC.

  8. Em consequência, deverá acórdão ser revogado e ser ordenado que o Tribunal da Relação ordene a remessa dos Autos à Primeira Instância para que se pronuncie sobre as questões que olvidou decidir.

    Acresce que, X. A decisão proferida ii) violou, também, o preceituado no n.º 3 do artigo 665.º do CPC.

  9. Com efeito, a Exma. Desembargadora Relatora, antes de ter proferido a decisão, deveria ter ouvido cada uma das partes, em cumprimento do princípio do contraditório e para evitar a prolação de uma decisão surpresa, como a que se veio a verificar.

  10. A decisão proferida, nesta parte, tem reflexos, não só na esfera da Autora Apelada (que viu a ação improceder contra a seguradora), mas, também, na ora Apelante, porquanto, por via da mesma, a sua seguradora deixou de ser solidariamente responsável pelo valor de €70.479,43, conforme a decisão de primeira instância havia decidido.

  11. Por esse motivo, a Ré tinha todo o interesse em procurar influenciar positivamente a decisão que veio a ser decidida, sem que tivesse tido oportunidade de exercer o contraditório.

  12. Assim, ao decidir como fez, o Tribunal a quo no douto acórdão violou o preceituado no n.º 3 do artigo 665.º CPC.

  13. Em consequência, deverá o acórdão ser revogado e ser ordenado que o Tribunal da Relação convide as partes a pronunciarem-se sobre a questão da interpretação a dar às cláusulas do contrato de seguro.

    Sem prejuízo, XVI. As instâncias concluíram de forma diversa quanto à iii) qualificação da responsabilidade civil feita valer nesta ação: a Primeira Instância entendeu que a responsabilidade é extracontratual, delitual ou aquiliana e o acórdão recorrido que se trata de responsabilidade contratual.

  14. Não pode a ora Apelante concordar com a posição assumida pelo acórdão recorrido, porquanto, desde logo, não está em causa o exercício dos direitos da eliminação dos defeitos, da redução do preço e da resolução do contrato previstos nos artigos 1221.°, 1222.°, 1223.º do CC...

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