Acórdão nº 292/16.3 JAFAR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelNUNO GOMES DA SILVA
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

P. 292/16.3JAFAR.S1 1. – No âmbito do processo nº 292/16.3JAFAR.S1 do Juízo Central Criminal de …, Juiz …, da Comarca de Faro, AA foi julgado e condenado: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos artigos 14º, nº 1, 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea b), na pena de 19 anos de prisão; - pela prática de um crime de profanação de cadáver, dos artigos 14º, nº 1 e 254º, nº 1, na pena de 6 meses de prisão.

- pela prática de um crime de coacção agravado, na forma tentada, dos artigos 14º, nº 1, 22º, 23º, 73º, 154º, nº 1, 155º, nº 1, al. a) por referência ao art. 131º, na pena de 6 meses de prisão.

As disposições citadas são do Código Penal.

Em cúmulo das penas referidas foi condenado na pena única de 19 anos e 4 meses de prisão.

Na procedência parcial do pedido civil de indemnização deduzido pela assistente BB foi condenado a pagar-lhe €100.000 a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora de 4%, desde o trânsito em julgado até efectivo e integral pagamento. A assistente BB interpôs recurso formulando na motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1ª - O arguido vinha acusado, entre outros, pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131°, 132° n.° 1 e n.° 2 alíneas b) e e) do código penal.

  1. - Realizada a audiência de julgamento, face a factualidade provada e não provada e respetiva e motivação de facto e de direito, o tribunal " a quo" entendeu condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, mas apenas nos termos previstos nos artigos 131° e 132° n.° 1 e n.° 2 alínea b), considerando pois que o homicídio não é qualificado pelo exemplo padrão da alínea e) do n.° 2 do artigo 132° do Código Penal.

  2. - Discorda a assistente que a qualificação do crime de homicídio praticado pelo arguido se faça apenas pela alínea b) do n.° 2 do artigo 132° do código penal.

  3. - Aceita a assistente que não se provou que tenham sido os ciúmes do arguido que tenham levado a que este tirasse a vida à ofendida, ou, ainda que tal ficasse provado fosse suficiente para qualificar o crime de homicídio pela alínea e) do n.° 2 do artigo 132° do código penal.

  4. - Entende no entanto a assistente que o motivo impulsionador, que efetivamente veio a desencadear as ações do arguido que vieram por seu lado a provocar a morte de CC foi tão só a recusa desta em ter relações sexuais com o arguido. Com efeito, a não existir esta recusa, pelo menos naquela altura, não tinha tido lugar qualquer discussão e não teria ocorrido a morte CC nas circunstâncias em que ocorreu.

  5. - Considera ainda a assistente que a recusa em ter relações sexuais com o arguido é completamente desproporcional ao resultado pretendido e conseguido pelo arguido, ou seja a morte de CC.

  6. - A insignificância do motivo que levou a morte de CC, não pode, no modesto entendimento da assistente, deixar de constituir um motivo fútil.

  7. - Nessa medida, deverá o crime de homicídio praticado pelo arguido na pessoa de CC, ser qualificado quer pela alínea b) quer pela alínea e) do n.° 2 do artigo 132° do código penal.

  8. - Sendo certo que tal qualificativa importará um acréscimo de culpa do arguido, assim como acentuará as necessidades de prevenção geral e especial.

  9. - Importando por isso, levar em consideração na determinação da medida concreta da pena estes novos elementos.

  10. - Pelo exposto, e qualificando-se o crime de homicídio também pela alínea e) do n.° 2 do artigo 132° do código penal, deverá a pena de 19 anos prisão aplicada ao arguido, ser revista em alta, alterando-se a mesma para valores muito perto do limite máximo permitido pela moldura penal do crime em causa, ou seja dos 25 anos de prisão.

Ao condenar o arguido relativamente ao crime de homicídio qualificado apenas pelo exemplo padrão previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 132 do código penal, aplicando-lhe uma pena de 19 anos de prisão está o tribunal "a quo" a violar o disposto nos artigos 40° n.° 2, 71° e 132° n.° 2 alínea f) do código penal, uma vez que tais normas, em face dos pressupostos de que depende a sua aplicação justificam "in casu" a aplicação de mais severa condenação, o que se requer.

O magistrado do Ministério Público (que não recorreu) apresentou resposta ao recurso manifestando a sua concordância com o pedido.

Neste Supremo Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto deu o seguinte parecer (transcrição com excepção do breve relatório): II. - Como se disse, apesar de admitido (376), entendemos deve rejeitado, por falta de interesse em agir da assistente.

  1. Estabeleceu o AUJ n.º 8/99, publicado no DR 185/99 SÉRIE I-A, de 10.08.1999: O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

    Vejamos o caso.

    Como decorre das respectivas conclusões, visa a recorrente a condenação do arguido pelo crime de homicídio qualificado, também, pela alínea e), do n.º 2, do artigo 132.º, do Código Penal, o que, na sua perspectiva, «importará um acréscimo de culpa…», «Importando por isso, levar em consideração a medida concreta da pena…» que «deverá… ser revista em alta, alterando-se a mesma para valores muito perto do limite máximo permitido pela moldura penal do crime em causa, ou seja dos 25 anos de prisão».

    Anote-se que, de forma expressa, a recorrente refere que o pedido de indemnização civil não é objecto do recurso – vide n.º s 36 a 48, de fls. 365.

  2. Como primeira premissa, tem-se, pois, por assente, que a assistente, com fundamento em acrescida circunstância qualificativa que entende por verificada, pretende a agravação da pena que foi fixada ao arguido.

    E assim sendo, apenas nos permitimos fazer apelo, a este propósito, o Acórdão deste STJ de 7-05-2009, publicado na CJ (STJ), 2009, Tomo II, pág. 203 [relator Souto de Moura], e assim sumariado em www.dgsi.pt: «I - O princípio da oficialidade, que domina o nosso processo penal, faz do MP o detentor da acção penal, assumindo a queixa, ou a constituição de assistente e a dedução de acusação particular, a natureza de condições de procedibilidade, nos casos em que são exigidas para que haja procedimento criminal.

    II - Por outro lado, a realização dos fins das penas é de interesse público, e está ao serviço, mesmo no caso dos crimes semi-públicos e particulares, de toda a comunidade. Não é uma pretensão que se identifique só ou prevalentemente com o interesse da vítima, do ofendido, ou de quem os represente. Daí que, desse carácter público do ius puniendi, se tenha que fazer eco o próprio processo penal.

    III - O que dito fica não obsta a que o nosso sistema tenha integrado uma componente acusatória particular, através do assistente, mas que surge necessariamente numa posição subordinada em relação ao MP, e é apresentado como colaborador deste. Ou seja, como auxiliar do MP, na prossecução das finalidades que compete a este levar por diante, sob pena de se postergar o princípio da oficialidade acima invocado.

    IV - É o que consagra o art. 69.º do CPP, no seu n.º 1, certo que se previnem aí situações pontuais, em que o assistente pode actuar com autonomia em relação ao MP. É o caso da hipótese da al. c) do nº 2 do preceito, em que se permite a interposição de recurso por parte do assistente, desacompanhado do Mº Pº, das decisões que o afectem.

    V - O art. 401.º do CPP refere-se, no seu nº 1, à legitimidade dos vários sujeitos processuais para recorrer e, no seu nº 2, distingue esta legitimidade do interesse em agir. Afirma então que “Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir”. A propósito deste normativo, o Acórdão 9/99 do Pleno deste STJ, de 30-10-97 (DR II Série - A, de 10-08-99), considerou que “O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.

    VI - Não pode evidentemente extrair-se desse assento, a contrario, que haveria sempre interesse em agir, não estando em causa a espécie e medida da pena.

    VII - Enquanto que a legitimidade do assistente se avalia para efeito de recurso, à partida, face ao seu posicionamento no processo perante a decisão proferida, assumindo pois um carácter mais subjectivo e formal, o interesse em agir resultará da análise da pretensão do recorrente, em concreto, quando confrontada com a respectiva necessidade ou indispensabilidade para fazer vingar um direito ou interesse seu. Em matéria de legitimidade averiguamos quem pode recorrer, e no domínio do interesse em agir apreciamos que interesse tem a pessoa que quer recorrer, em interpor aquele concreto recurso. É dizer, averiguamos se o direito ou interesse prosseguido pelo assistente é atendível para o efeito, tendo em conta o respectivo estatuto processual e, no limite, aquilo que se pretende com a punição.

    VIII - A jurisprudência não tem, a este respeito, sido uniforme, e pode na verdade exigir-se, numa posição mais restritiva, que o assistente tem que demonstrar que só através do recurso assegura a tutela de um direito subjectivo seu. No extremo oposto estarão todos quantos entendem que a simples discordância do assistente em relação à justiça da decisão lhe atribui a possibilidade de recorrer confundindo-se legitimidade com interesse em agir. A nosso ver, a solução deverá situar-se, partindo da análise do caso concreto, num campo em que se evite a transposição pura e simples, para o domínio penal, da doutrina civilística dos pressupostos processuais, mas obviando também à subversão do princípio da oficialidade do processo penal bem como do...

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