Acórdão nº 131/17.8JAPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução27 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

    Por decisão proferida no dia 18 de Janeiro de 2018, foi o arguido, AA, condenado pela prática, em autoria material de: “um crime de homicídio qualificado e agravado, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 131º, 132º/1 e 2-b) (verificando-se também as als. i) e j)) do C. Penal (de 2007) e 86º/3 da Lei das Armas (Lei 5/2006 de 23/2 e ulteriores redacções), na pena 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão; - de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º/1-d) da referida Lei das Armas (e ulteriores alterações), na pena de 1 (um) mês de prisão.

    - de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º/1-a) e 2 do Código Penal (2007), na pena de 2 (dois) anos de prisão”, e em cúmulo jurídico na pena única de 20 (vinte) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    Na parcial procedência dos pedidos de indemnização cível deduzidos por BB e CC, filhas da decessa, DD, foi o demandado/arguido condenado a pagar-lhes, respectivamente, e a cada uma, a “quantia global de 55.000 € (cinquenta e cinco mil euros) mais juros de mora a 4% desde a fata data da prolação do acórdão”; e “a quantia global de 50.000 € (cinquenta mil euros) mais juros de mora a 4% desde a fata data da prolação do acórdão.” Mais foi decretada a indignidade do arguido nos termos e para os efeitos do artigo 69º-A Código Penal e declarado o perdimento a favor do Estado de todos os objectos ainda apreendidos e que estão discriminados supra em 6. a. e 6. b..

    Em dissensão com o julgado, impugna o arguido a decisão, tendo alinhado, para a pretensão recursória que impulsa, a síntese conclusiva que queda extractada. I.a). – QUADRO CONCLUSIVO.

    1. - O douto acórdão deverá atender na atribuição da pena concreta pela prática do crime de homicídio qualificado aos artigos 370º e 344º do C.P. (quis, certamente escrever-se C.P.P.); 2ª- A pena parcelar imposta ao ora recorrente – no crime de homicídio qualificado - é excessiva e deve ser reduzida para medida que se aproxime dos respectivos limites mínimos.

    2. - A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

    3. - As quantias estabelecidas na responsabilidade civil pelo Tribunal a quo são desmesuradas tendo em conta as condições socias e económicas do arguido pelo que deverão consequentemente serem reduzidas.

    4. - Foram, assim, violados os artigos 71º, 344º, 370º do Código Penal.” (quis, certamente escrever-se C.P.P.) Na resposta que produziu, argumenta o Ministério Público que (sic): “No presente recurso vem o arguido censurar o douto acórdão que nos autos a condenou, pela prática de um crime de homicídio qualificado e agravado, p. e p., pelos arts. 131º e 132º, nº 1, e nº 2, alíneas b), i) e j), do Código Penal, e artº 86º, nº 3, da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de dezanove anos de prisão, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p., pelo artº 86º, nº 11, alínea d), da mesma lei, na pena de um mês de prisão, e de um crime de violência doméstica, p. e p., pelo artº 152º, nº 1, alínea a), e nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena de vinte anos e seis meses de prisão.

    Para o efeito, questiona o recorrente a medida concreta da pena, discordando da pena parcelar aplicada quanto ao crime de homicídio qualificado agravado, concluindo que tal pena é excessiva e que deve ser reduzida para o respectivo limite mínimo.

    Afigura-se, porém, que o recorrente não tem razão, nada havendo a apontar ao acórdão posto em crise.

    (…) A moldura penal abstracta para o crime de homicídio, na forma tentada, oscila entre doze anos e os vinte e cinco anos de prisão.

    A conjugação do disposto nos arts. 40º, nº 1, 70º e 71º, nºs. 1 e 2, do Código Penal impõe que, antes de mais, se deve ter em conta as exigências de prevenção geral, ou seja, as necessárias à salvaguarda do bem jurídico em causa, para o efeito apontando uma pena adequada à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

    Por outro lado, devem ser consideradas as exigências de prevenção especial, ou seja, as necessárias à reintegração do arguido, sendo que a pena não pode nunca ultrapassar a medida da culpa, sendo esta a ditar o máximo da pena.

    Assim, tendo por limite superior a culpa do agente, o limite mínimo deve corresponder às exigências de prevenção geral e daí para cima a regras de prevenção especial determinarão a medida concreta da pena – neste sentido o Prof. Dr. Figueiredo Dias, «Direito Penal Português, Parte Geral», Aequitas Editorial Notícias, pag. 227.

    Transposto para o caso em apreço, no que tange ao crime de homicídio, a pena parcelar aplicada mostra-se próxima do meio da moldura penal abstracta, que é dezoito anos e seis meses, ou seja, apenas mais um ano de prisão.

    Pena que só se aceita por adequada, por entendermos que reflecte o que de abonatório é referido no acórdão recorrido, como a ausência de antecedentes criminais e os hábitos de trabalho.

    Mas mais baixa é que nunca podia ser.

    A não ser que se esqueça ou se fala tábua rasa, como o recorrente pretende, do mais que é referido no acórdão, com destaque para as exacerbadas exigências de prevenção geral, o grau intenso da culpa e a ilicitude muito elevada.

    Concordamos na íntegra com a valoração dos factores que são erigidos no acórdão recorrido para a fixação da medida pena, designadamente, pela sua oportunidade, quanto à menção que é feita relativamente à frequência do crime em apreço, os homicídios de que são vítimas mulheres em contexto de violência doméstica e que muito nos deve envergonhar a ponto que a resposta só pode a de tolerância zero.

    Por aderirmos na íntegra, escusamo-nos de repetir as considerações que são efectuadas em sede de exigências de prevenção e da culpa.

    Diga-se, no entanto, que crimes como o em apreço são muitas vezes praticados por pessoas perfeitamente integradas na sociedade, com hábitos de trabalho e sem antecedentes criminais, pelo que que tais factores devem ser relativizados e merecer pouco relevo.

    Não resistimos a deixar de referir, também, que o teor do relatório pericial à personalidade do arguido é totalmente arrasadora, esclarecendo e dando a conhecer um carácter ou, melhor, deformação de carácter, que é preocupante, evidenciando uma postura, para além do mais, caracterizada «pela frieza, o distanciamento afectivo… um baixo limiar de tolerância a situações frustrantes…desrespeito pelos direitos dos outros», e «com um risco de prática de idênticos ilícitos penais», merecedora de censura elevada, sem dúvida a levar a culpa para um patamar elevado, para um limite até acima do necessário às exigências de prevenção geral.

    Sinal da sua atitude é que não lhe bastava tirar a vida daquela pessoa que lhe devia merecer todo o respeito, nem que o prévio contacto com as autoridades policiais e judiciárias o demovesse de tal propósito, não contente, tinha de ser do modo como o concretizou, fazendo jazer o cadáver da DD, em plena praça pública. Baixar a pena dos autos suscitaria na comunidade em que estamos inseridos um forte sentimento de impunidade, criando-se um profundo sentimento de revolta por se fazer letra morta do bem jurídico que se pretende proteger.

    Acresce que é essa mesma comunidade que através daqueles que elegeu para a feitura das leis que a devem reger, se revê na moldura prevista para o crime em apreço.

    A única forma de evitar tal sentimento de revolta é o caminho que o acórdão recorrido traçou, uma pena acima do meio da moldura penal e dirigida na direcção do seu máximo, mas ainda relativamente próximo do meio.

    Assim, afigura-se a pena aplicada a adequada, pois ainda assim, satisfaz as exigências de prevenção geral, assim como de prevenção especial, e cumpre a medida da culpa.” Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Distinta Magistrada do Ministério, alinha proficiente parecer, incoando por chamar atenção para que: “O Acórdão recorrido não se encontra assinado pelo punho dos Juízes que o prolataram.

    Nos termos do art. 95.º, n.ºs 1 e 2 e 374.º, n.º 3, al. e), ambos do CPP, as sentenças têm de ser assinadas pelo punho dos respetivos juízes que os subscreveram.

    É Jurisprudência deste Venerando Tribunal que “(…) a assinatura electrónica viola claramente o estatuído nas mencionadas disposições legais, privativas do processo penal – (arts. 95.º, nºs 1 e 2, e 374.º, n.º 3, do CPP) (…)” – cf. Ac. do STJ, de 26/10/2016, proc. 629/16.9T8LRS.S1, por todos.

    Não obstante a verificação de tais irregularidade, não impedem estas o conhecimento de mérito do recurso, devendo ordenar-se a assinatura do Acórdão recorrido pelos Srs. Juízes, aquando da baixa à 1ª instância.

    5 – Questões de mérito 5.1 – Acompanhando a resposta do MºPº que, com a devida vénia, se dá aqui por reproduzida, importa sublinhar que, nos termos do art. 71.º, n.º 1, do CP, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.

    De acordo com o comando expresso no art. 40.º, n.º 1, do CP, a pena tem por finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, porém, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

    Afirma Figueiredo Dias, in “As consequências do crime”, p. 277 e ss, que “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção social do agente na comunidade – em concreto a pena terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos com atenção às normas comunitárias e como limite inferior o “quantum” abaixo do qual já não é comunitariamente suportável fixação de pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar”.

    Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570) afirma que “A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens...

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