Acórdão nº 15008/15.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Data da Resolução13 de Dezembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1.

AA, “BB”, “CC Portugal, Lda” e “DD” instauraram a presente ação declarativa contra “EE, Lda (doravante 1ª ré) e “FF Seguros, S.A.” (doravante 2ª ré), pedindo: - A condenação da 2ª ré a pagar aos autores a quantia de EUR 32.805,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo os já vencidos no montante de EUR 1.562,62; Subsidiariamente, - A condenação da 1ª ré a pagar aos autores a quantia de EUR 32.805,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, sendo os já vencidos no montante de EUR 1.562,62.

Para tanto, alegaram, em síntese, que: Em Novembro de 2013, a autora “DD” contratou os serviços da 1ª ré para a organização de uma viagem de peregrinação a Israel para um grupo de trinta e duas pessoas.

A 1ª ré era a responsável pelas reservas dos bilhetes de avião e dos hotéis e pelo planeamento e agendamento do itinerário e atividades em ....

A referida viagem foi agendada para o dia 23 de Fevereiro de 2014, sendo que três elementos do grupo apenas viajariam em 25 de Fevereiro, com regresso a 1 de Março de 2014.

O preço da viagem, isto é, EUR 32.805,00, deveria ser pago faseadamente, sendo que, em 20.2.2014, já se mostrava integralmente pago pelos autores.

Porém, em 20.2.2014, a 1ª ré deu conhecimento aos autores do cancelamento da viagem, alegadamente por não ter podido efetuar determinados pagamentos a terceiros, o que inviabilizou a sua realização.

Tendo em vista a resolução extrajudicial do litígio, os autores e a 1ª ré subscreveram um documento datado de 10.10.2014, denominado “confissão de dívida e acordo de dação em cumprimento”, com o teor que consta de fls. 67 e ss.

Não obstante, a 1ª ré, apesar de interpelada para o efeito, não cumpriu o acordado.

Por seu turno, a 2ª ré, com quem a 1ª ré celebrara contrato de seguro destinado a cobrir a responsabilidade pelos danos decorrentes da sua atividade, recusa assumir a responsabilidade pela devolução aos autores das quantias já entregues para pagamento da viagem.

  1. A ré seguradora contestou, alegando que o sinistro não se encontra coberto pela apólice. Referiu, designadamente, que a obrigação pelo reembolso do montante pago pelos autores recai sobre o Fundo de Garantia de Viagens e Turismo, entidade que responde pelos créditos dos consumidores relativos a serviços contratados com agências de viagens e turismo.

  2. Tendo a 1ª ré sido declarada insolvente, a instância foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, em relação a esta ré – cf. fls. 124-146 dos autos.

  3. Na 1ª instância, foi proferida sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu a 2ª ré do pedido.

  4. Desta decisão apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de … proferido acórdão em que, revogando a sentença, condenou a ré FF Seguros, S.A. a pagar àqueles a quantia de EUR 32.805,00, acrescida dos juros de mora, vencidos desde a sua interpelação e vincendos até efetivo pagamento, à taxa de juros legal, sendo os vencidos à data da p.i, no valor de EUR 1.562,62.

  5. Irresignada, a ré interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, dizendo, em conclusão: 1. Cabia aos AA. provar o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil, nomeadamente que haviam sofrido prejuízos no valor peticionado de € 32.805,00 ou, dito de outro modo, que o seu património empobrecera nesse valor.

  6. Da matéria considerada assente por acordo das partes na audiência prévia encontra-se excluída a parte do art. 7º da p.i. da qual resulta que o pagamento da quantia total de € 32.805,00 foi realizado pelos AA.

  7. Sendo dos AA. o ónus da prova dos requisitos da responsabilidade civil, competia-lhes assegurar que o único tema de prova elaborado na audiência prévia permitiria a discussão e a prova em audiência final de que os seus patrimónios, globalmente considerados, haviam diminuído em EUR 32.805,00, para o que poderiam reclamar, se necessário fosse, do despacho previsto no art. 596°, nº1 do CPC e, em particular, do referido tema de prova.

  8. Na decisão de facto, no que à matéria do art. 7º da p. i. respeita, a 1ª instância, contendo-se nos estritos limites da matéria dada como assente na audiência prévia, julgou provado que "entre 11.11.2013 e 20.2.2014, foram realizados diversos pagamentos à R., no valor global de € 32.805,00, montante acordado com a Ré de preço de viagem." (facto provado n° 6), excluindo, por conseguinte, dos factos provados a parte inicial do referido artigo ("... os Autores já tinham pago ..."), sendo que da forma como a 1ª instância justificou a convicção formada sobre a matéria controvertida transparece, sem margem para dúvidas, que, no n° 6 dos factos provados, se pretendeu julgar provado que a segurada da R. recebera diversos pagamentos no valor total de € 32.805,00, mas não que esses pagamentos foram efetuados pelos AA. ou, melhor dizendo, que foram estes quem desembolsaram e ficaram privados desse valor.

  9. A decisão de facto não pode deixar de ser interpretada à luz da sua fundamentação, a qual, nos casos em que permite esclarecer eventuais ambiguidades de que aquela padeça, encerra como que uma interpretação autêntica da referida decisão. Ora, a interpretação dada pelo tribunal a quo ao n° 6 dos factos provados (segundo a qual dele resulta que "os Autores entre 11.11.2013 e 20.2.2014, realizaram diversos pagamentos à Ia R., no valor global de €32.805,00, montante acordado com a Ré de preço da viagem") não só não encontra apoio no seu elemento literal, como é absolutamente inconciliável com a fundamentação da decisão de facto.

  10. Ao arrepio do que parece ser o entendimento do tribunal a quo, o referido facto também não se pode extrair do acordo de confissão de dívida e de dação em cumprimento junto à p.i. sob doc. 7. É que o que resulta provado da decisão de facto é, meramente, o teor do referido contrato, e não os factos que dele resultam. A verdade é que, não obstante o teor desse acordo, inoponível à R. nos termos da cláusula 26ª, nº5, das condições gerais da apólice, os AA. não provaram terem sido eles quem desembolsaram os montantes entregues à segurada da R. (salvo o A. AA, relativamente ao preço da sua viagem); pelo contrário, da motivação da decisão de facto resulta que os montantes entregues à segurada da R. foram desembolsados pelas 32 pessoas que compunham o grupo de viajantes a Israel.

  11. Não transparecendo da decisão de facto que as quantias entregues à segurada da R. pertenciam aos AA. ou que estes ressarciram os donos dessas quantias, ficando sub-rogados nos seus direitos, forçoso será concluir que ficou por demonstrar o prejuízo dos AA., pressuposto da sua pretensão indemnizatória. O incumprimento contratual da segurada da R. gerou prejuízos na esfera jurídica daquelas 32 pessoas, que se inscreveram na viagem, pagaram o seu preço e perderam o dinheiro, com o respectivo empobrecimento dos respectivos patrimónios, e não na esfera jurídica dos AA., que, na realidade, nada desembolsaram ou perderam, o que é impeditivo do reconhecimento do direito de indemnização de cuja titularidade os mesmos se arrogam e da peticionada condenação da R..

  12. Quando muito, no caso de entender que a decisão vertida no n° 6 dos factos provados encerra alguma ambiguidade, por não deixar perceber, com a clareza desejada, se foram os AA. quem ficaram desembolsados das quantias entregues à segurada da R. (pese embora a motivação da decisão de facto desfaça qualquer dúvida a esse respeito), e considerando que, efetivamente, o único tema de prova elaborado na audiência prévia não compreende no seu âmbito essa questão (o que não impediu que ela fosse discutida em audiência), o tribunal ad quem, se considerar que disso depende a segurança da decisão jurídica do pleito, poderá fazer uso da faculdade que lhe é conferida pelo art. 682º, nº 3 do CPC, determinando o retorno do processo ao tribunal a quo, para ampliação da decisão de facto, no sentido de esta evidenciar a quem pertencia e quem é que ficou desembolsado dos € 32.805,00 entregues à segurada da R.. Entende-se, contudo, que o Supremo não necessitará de recorrer a esse mecanismo para decidir o litígio nos termos pugnados pela R..

  13. Ainda que assistisse aos AA. legitimidade do ponto de vista substantivo para reclamar o reembolso dos montantes recebidos pela segurada da R., o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, sempre essa pretensão extravasaria o objeto do contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil celebrado entre a R. e a sua segurada.

  14. O FGVT e o seguro de responsabilidade civil são garantias complementares, e não cumulativas.

  15. O FGVT tem um âmbito muito específico, garantindo, em caso de incumprimento pela agência dos serviços contratados, o reembolso dos montantes entregues pelos clientes e das despesas suplementares...

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