Acórdão nº 199/17.7T8TCS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ABREU
Data da Resolução22 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO O Estado Português, representado pelo Digno Agente do Ministério Público, em nome da Guarda Nacional Republicana, veio propor acção declarativa, com processo comum, contra AA, pedindo a condenação deste, na parte liquidada, no pagamento de €19.508,40 (dezanove mil quinhentos e oito euros e quarenta cêntimos), bem como juros vencidos à taxa legal, no valor de €765,37 (setecentos e sessenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos), e juros vincendos até ao efectivo e integral pagamento.

Articulou, com utilidade, que na sequência da conduta do Réu/AA, praticada em 11 de Outubro de 2016, cujos factos consignou, teve os seguintes prejuízos: “1. A título de privação do uso de veículo, inerentes ao veículo automóvel da marca Skoda, modelo Octavia, com a matrícula GNR L-…, propriedade da Guarda Nacional Republicana, atribuído ao Posto Territorial de …, com o valor global de €11.487,74, veículo que se encontra apreendido à ordem do processo n.º 232/16.0JAGRD desde 19 de Outubro de 2016 e ainda não restituído ao autor; 2. Os inerentes à arma de fogo da marca Glock, calibre 9mm, com o número de série RPS…, atribuída a BB em 19 de Julho de 2016, juntamente com três carregadores, tudo com o valor global de €313,65, na medida em que o réu se apropriou da mencionada arma de fogo e do respectivo carregador os quais, até à data, não foram encontrados; 3. Os relativos ao pagamento do subsídio n.º 111/2016 do Cofre de Providência/GNR, por morte do militar CC, ao seu pai DD, no montante de €997,60, bem como pagamento do subsídio do funeral do militar CC, ao seu pai DD, no montante de €250,00; 4. Os respeitantes ao pagamento de várias consultas médicas, exames, análises e tratamentos a BB, no valor global de €737,29, bem como custos dos transportes efetuados em ambulância entre 20 de Outubro de 2016 e 18 de Agosto de 2017, no valor global de €2.930,74; 5. O relativo ao vencimento mensal de BB, tendo recebido entre os meses de Outubro de 2016 e Setembro de 2017 (inclusive) a quantia global de € 14.279,12.” Regularmente citado, contestou o Réu/AA, alegando a incompetência do Tribunal, em razão da matéria, por violação do princípio da adesão, uma vez que todos os danos foram conhecidos do Autor, no próprio dia em que ocorreram, faltando apenas ter conhecimento da quantificação exacta de alguns.

A propósito dos valores pagos pela Guarda Nacional Republicana a BB, na sequência da qualificação do acidente como de serviço, do que por aquele foi despendido em consultas médicas, exames, análises, tratamentos, medicamentos e transportes de ambulância, entre Outubro de 2016 e Agosto de 2017, o Autor sabia que o militar tinha sido atingido por um tiro de uma arma de fogo, conhecendo o seu estado de saúde e as necessidades de tratamento e transporte que se impunha, sendo irrelevante a quantificação exacta desses danos, já que a lei permite a formulação de pedidos genéricos e a condenação no que se liquidar depois da sentença.

O Autor/Estado Português, representado pelo Digno Agente do Ministério Público, em nome da Guarda Nacional Republicana, apresentou resposta, alegando que a total extensão e valor dos prejuízos sofridos pela GNR não eram conhecidos na data da acusação, nem grande parte o é agora, a par de que os danos a título de privação do uso não foram nem se encontram calculados, outrossim, as despesas com os vencimentos, saúde e transporte do militar BB, em situação de incapacidade absoluta temporária, sem data de alta clínica previsível eram, são e continuaram a ser, até essa data, suportadas pela Guarda Nacional Republicana.

No saneador foi proferida decisão a julgar verificada a excepção dilatória da incompetência do Tribunal, em razão da matéria, e, em consequência, absolveu o Réu/AA, da instância.

Inconformado, com a decisão proferida, dela recorreu o Autor/Estado Português, representado pelo Digno Agente do Ministério Público, em nome da Guarda Nacional Republicana de apelação, para o Tribunal da Relação de …, tendo-se aí, por acórdão de 22 de Maio de 2018, julgando o recurso procedente, revogado a decisão recorrida e determinado o prosseguimento dos autos.

É contra esta decisão que o Réu/AA, se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões: “1.ª Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação de … que revogou o saneador-sentença proferido em primeira instância, determinando o prosseguimento dos autos.

  1. O recurso tem por fundamento a violação do disposto no artigo 72.°, n.° 1, al. d) do CPP e a sua errada aplicação (artigo 674.°, n.° 1, do CPC).

  2. O acórdão recorrido, ao revogar a decisão proferida em primeira instância, que havia julgado verificada a excepção dilatória de incompetência do tribunal, em razão da matéria, por preterição do princípio da adesão obrigatória do pedido cível à acção penal, em consequência do que tinha absolvido o Réu da instância, fez uma errada interpretação do disposto no artigo 72.°, n.° 1, al. d), do Código de Processo Penal, violando o princípio da adesão nele consagrado.

  3. Devendo tal acórdão ser revogado e mantida a decisão da primeira instância, que decidiu da forma que se impunha, em obediência à lei e sem considerar, evidentemente, a identidade do Réu na acção, ora Recorrente, porque tal não é, não pode ser, elemento do processo de interpretação da lei.

  4. Do acervo factual a ter em conta para a decisão resulta que, pelos mesmos factos que estão na origem dos danos alegadamente sofridos pelo Estado Português, cujo ressarcimento é peticionado nesta acção, estava o Réu a ser julgado, no processo-crime n.° 232/16.0JAGDR, aquando da propositura da acção (julgamento esse que, entretanto, já terminou, como é do conhecimento público).

  5. Vigora no nosso sistema jurídico o princípio da adesão, consagrado no artigo 71.° do CPP, nos seguintes termos: “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.

  6. Têm sido apontadas como razões para o estabelecimento do sistema da adesão, a economia processual, a maior eficácia na protecção das vítimas de crimes, a maior celeridade e simplicidade da decisão e, muito principalmente, a uniformização de julgados (ou melhor, a prevenção da contradição de julgados, no crime e no cível).

  7. O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime só pode ser deduzido fora do processo penal respectivo nos casos taxativamente previstos no artigo 72.° do CPP, invocando o Autor a aplicabilidade, ao caso, do disposto na parte final da al. d) do n.° 1, que estatui: “1-O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando: (...) d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão”.

  8. Sem prescindir quanto à verificação dos factos alegados pelo Autor, não se verifica a invocada excepção ao princípio da adesão, pois os danos já eram conhecidos, em toda a sua extensão, apenas não o sendo a sua quantificação, quando a acusação foi deduzida.

  9. O momento relevante para a verificação dos danos e o conhecimento da sua verificação e extensão é aquele em que, por lei, o pedido cível tem que ser deduzido no processo penal, regendo, a este respeito, o artigo 77.° do CPP, que estatui que, quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido deve ser deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

  10. Partindo do princípio que o Estado Português seria representado, como efectivamente veio a ser, pelo Ministério Público, forçoso era que o pedido tivesse sido deduzido na acusação ou em requerimento ad hoc, a ser apresentado dentro do prazo em que a acusação devesse ser formulada.

  11. A acusação foi proferida a 29.03.2017, data do termo de conclusão que precede o despacho de encerramento do inquérito.

  12. Considere-se como relevante a data em que a acusação foi proferida ou aquela até quando o podia ter sido - no entendimento do Autor, até 10.05.2017, no entendimento do Réu, até 11.06.2017 - o certo é que o conhecimento dos - danos e da sua extensão em nada variou, entre essas datas.

  13. Todos os danos invocados nesta acção foram conhecidos pelo Autor no próprio dia em que ocorreram: a apropriação por outrem do veículo da GNR e a privação do seu uso; a apropriação por outrem da arma de fogo e seus carregadores, e a privação da sua posse pelo Autor; o falecimento do Militar CC e as lesões sofridas pelo Militar BB, que logo se soube ter sido atingido por uma arma de fogo.

  14. Sabia também o Estado Português, logo nesse dia 11.10.2016, que os seus Militares encontravam-se ao serviço, quando os factos ocorreram, pelo que, independentemente da burocracia que tal implica, não podia o Autor deixar de saber que teria que suportar os subsídios por morte e de funeral da infeliz vítima mortal, e as despesas relacionadas com tratamentos e transportes do Militar que sobreviveu, bem como os vencimentos deste, independentemente do período em que viesse a estar de baixa, isto nos termos da lei que o próprio Estado aprovou e que o vincula enquanto entidade empregadora.

  15. Portanto, o que apenas faltava saber, naquele dia, e ainda hoje, era a quantificação exacta de apenas alguns daqueles danos.

  16. Assim, os danos decorrentes da privação do uso do veículo de matrícula GNR L-…, já eram conhecidos desde a altura em que: o mesmo foi apreendido à ordem do processo-crime, só faltando saber qual a sua quantificação exacta, o que dependeria da apreensão viesse a ser levantada, e a situação de facto manteve-se a momento em que o pedido cível podia ter sido deduzido no processo-crime e o momento em que a presente acção foi proposta, a 04.10.2017.

  17. Uma vez; que a quantificação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT