Acórdão nº 380/14.0T8VRL.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DE FÁTIMA GOMES
Data da Resolução13 de Novembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

O Condomínio ........ instaurou a presente acção declarativa, que correu termos no Juízo Central Cível de ..., contra AA, formulando os pedidos de condenação do réu a: "

  1. Proceder à realização dos trabalhos necessários a eliminação e reparação dos vícios, defeitos e anomalias detectados nas partes comuns do prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção, sito na Quinta da ........... - EN 15, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o número ......... - ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2411, no qual foram construídas trinta e três moradias, destinadas a habitação, constituídas cada uma, por cave, rés-do-chão e andar, aos quais se faz referência no artigo 30.º desta petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, evitando-se a sua extensa descrição; B) Proceder a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos mencionados; C) Reparar tais defeitos, vícios e anomalias no prazo de trinta dias, após o trânsito em julgado da sentença final, com a obrigação de pagar a quantia diária de 100 € por cada dia de atraso no início da execução dos trabalhos necessários e igual quantia por cada dia em que ultrapasse, na fase de execução, os referidos 30 dias; D) Ou, se não efectuar essas obras, indemnizar o Autor no montante a calcular em execução de sentença, com o mínimo de 55.000,00 €, relativo ao valor da reparação e eliminação dos defeitos, vícios e anomalias a que se faz referência no artigo 30.º, visando a reparação dos referidos defeitos, vícios e anomalias, segundo técnicas de boa construção, com recurso a materiais, mão-de-obra, máquinas e ferramentas.

E) Pagar ao Autora a quantia de dois mil euros, a título de danos não patrimoniais causados pelo não cumprimento do contrato, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo integral pagamento".

Alegou, em síntese, que o réu procedeu à venda de diversas fracções que integram o Condomínio ........, existindo nas partes comuns deste vários defeitos que devem ser corrigidos.

O réu contestou afirmando, em síntese, que desconhecia a existência dos alegados defeitos e que a responsabilidade pela reparação dos mesmos é da construtora do edifício, a quem comprou 33 fracções, das quais revendeu 27.

O autor requereu a intervenção principal provocada do BB, com fundamento no facto de este também ter vendido duas fracções aos condóminos, tendo essa intervenção sido admitida.

  1. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença em que se decidiu: "Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, e, em consequência: Condeno R. e Interveniente, respectivamente, na proporção da permilagem das 31 (trinta e uma) e 2 (duas) fracções autónomas que cada um deles vendeu, a, em 60 (sessenta) dias, procederem à realização dos trabalhos necessários à eliminação e reparação dos vícios, defeitos e anomalias, invocados pelo A. e dados como provados, detectados nas partes comuns do prédio urbano, composto por uma parcela de terreno para construção, sito na .............., Lugar da .............. ou Curva da .............. - EN 15, freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ......... - ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2411, no qual foram construídas trinta e três moradias, destinadas a habitação, constituídas cada uma, por cave, rés-do-chão e andar; Condeno o R. e Interveniente a procederem, a expensas suas, aos trabalhos de limpeza das partes comuns do prédio, que sujem, imediatamente após a realização e concretização dos trabalhos; Julgo a acção improcedente quanto ao demais, absolvendo R. e Interveniente dos pedidos.

    " Inconformados com esta decisão, o réu AA e o interveniente, BB, dela interpuseram recurso de apelação.

  2. O Tribunal da Relação de Guimarães decidiu julgar improcedente o recurso, pelo que manteve a decisão recorrida.

    Não se conformando com o acórdão, não obstante existir dupla conforme, dele apresentaram recurso de revista (por via excepcional) o Réu AA e o interveniente BB, que foi admitido pela formação.

  3. Nas conclusões do recurso indicaram (transcrição): A - A questão fundamental em causa nos autos é saber se será ou não aplicável aos fundos de investimento imobiliário, não obstante a sua natureza de patrimónios autónomos, o regime do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril (Lei da Defesa do Consumidor).

    B - A lei não especifica o critério para o preenchimento do conceito vago e indeterminado que introduz como condição sine qua non de admissibilidade do recurso de revista excepcional com este fundamento, pelo que se imporá um especial juízo, uma particular e cuidada exegese da relevância jurídica da questão objecto do recurso.

    C - Prevê o Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, no seu artigo 1 .°-B, alínea c) que se entende por "«Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional".

    D - Não sendo os Recorrentes pessoas (singulares ou colectivas), mas antes patrimónios autónomos, como resulta do artigo 1.°, n.° 2 da Portaria 881/97 de 27/10 onde se lê que: "O Fundo é um património autónomo".

    E - Não cremos ser o conceito de "vendedor" previsto no artigo 1.°-B do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril aplicável aos fundos de investimento imobiliário, porquanto tal admissão concretiza uma interpretação extensiva do normativo em crise, extravasando a intenção do legislador, que claramente regulou a aplicabilidade deste conceito a "pessoas singulares e colectivas", resultando destarte a inaplicabilidade do regime legal previsto no Decreto-Lei 67/2003 às relações jurídicas estabelecidas entre os Fundos Recorrentes e o Recorrido.

    F - Por outro lado, e considerando que os Recorrentes não são "profissionais do imobiliário" sobre os quais impenda um especial dever de conhecer defeitos...que não se manifestariam na data de conclusão dos contratos de compra e venda (objecto material da relação jurídica controvertida), seria antes de aplicar in casu o regime preceituado no disposto no artigo 914.° do Código Civil.

    G - Pelo que, no caso em apreço, é juridicamente relevante estabelecer, para uma melhor aplicação do direito se o conceito de "vendedor" previsto na alínea c) do artigo 1.°-B do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril é aplicável aos fundos imobiliários, não obstante a sua natureza de patrimónios autónomos.

    H - Esta questão, não foi, até agora, discutida na doutrina, não existindo de igual modo jurisprudência consolidada que responda a este litígio, e ajude à interpretação da norma.

    I - Deverá o presente recurso de revista excepcional ser admitido por este Colendo Tribunal, por se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a respectiva admissão.

    J - O disposto no n.° 2 do artigo 9.° do Código Civil dispõe que "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressou M - O legislador no disposto no artigo l.°-B pretendeu expressamente que a qualidade de "vendedor''' no âmbito da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas seja abrangente a pessoas singulares e pessoas colectivas, não sendo de admitir que o alcance deste conceito seja aplicável a patrimónios autónomos.

    N - Admitir a aplicabilidade deste regime aos Fundos recorrentes seria extravasar clamorosamente a pretensão do legislador, incorrendo numa interpretação abusiva do enquadramento dos Fundos de Investimento Imobiliário no conceito preceituado no normativo citado.

    O - Não sendo os Fundos recorrentes, susceptíveis de enquadrarem o conceito de "vendedor" para efeitos da aplicabilidade do regime previsto no Decreto-Lei 67/2003, de 08 de Abril, sempre seria aplicável, in casu, o regime previsto na Secção VI do Código Civil, relativo a "venda de coisas defeituosas".

    P - Por conseguinte, e não tendo os Recorrentes o "especial" profissionalismo na área imobiliária que lhes pretende atribuir a decisão recorrida, sendo geridos por entidades terceiras, que não foram demandadas, e recorrendo sempre a terceiros para quaisquer actos, não se pode considerar que não actuaram estes com a diligência devida, pois reconhecem, repete-se, as anomalias construtivas descritas no ponto 14 dos factos provados, pois só essas foram detectadas quando, por terceiros, pode constatar a existência das mesmas.

    Q - Aliás, dúvidas não existem, de que os defeitos de que os Recorrentes se aperceberam existirem foram efectivamente por estes reconhecidos, sendo os elencados no ponto 14 dos factos provados.

    R - Como resulta do artigo 914.° do Código Civil, na sua parte final, o vendedor só estará obrigado a reparar a coisa, neste caso, as partes comuns do imóvel do recorrido, se conhecesse o vício à data do contrato de compra e venda, ou o por sua culpa o desconhecesse.

    S - Pelo que é manifesto que por efeito por aplicação do artigo 914.°, 2.

    a parte do Código Civil, sendo desconhecidos, à data da venda, pelo vendedor, os defeitos da coisa vendida (cuja manifestação é posterior à da data da venda), sem culpa do vendedor pelo seu não conhecimento, como ficou demonstrado pela conjugação da natureza dos vendedores, não podem os Recorrentes ser condenados a reparar mais do que se encontra vertido no ponto 14 dos factos provados.

    T - Não pode a aqui Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, considerando que para efeitos da melhor aplicação do direito, e por ser clara a sua necessidade, a relevância jurídica será de considerar suficientemente fundamentadora da prolação de decisão quanto à problemática sobre a qual se expendeu.

    U - Até porque, como se demonstra, há um claro vazio jurisprudencial.

    V - Sendo que, aqui se pede o aconselhamento e respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à...

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