Acórdão nº 273/13.9TBCTX.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | ANA PAULA BOULAROT |
Data da Resolução | 13 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I NOVO BANCO, SA (anteriormente Banco Espírito Santo, SA), intentou acção com processo comum contra P, A e BANCO MAIS, SA, pedindo a anulação, por erro, da escritura de dação em pagamento e renúncia de hipoteca, celebrada entre o Autor e a primeira Ré, no dia 22 de Dezembro de 2009. Contestaram os seguindo e terceiro Réus, invocando, nomeadamente, a caducidade do direito do Autor, concluindo pela improcedência da acção.
Foi proferida sentença, na qual se julgou verificada a excepção de caducidade e absolveu os Réus do pedido.
Inconformado, o Autor interpôs recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente com a confirmação da sentença recorrida.
Recorreu agora o Autor, de Revista excepcional, com fundamento nas alíneas a) e c) do nº1 do artigo 672º, do CPCivil, a qual veio a ser admitida por Acórdão da Formação, cfr fls 538 a 540, com fundamento naquela alínea a), por se ter entendido fulcral a questão do dies a quo da contagem do prazo de caducidade.
O Recorrente, apresentou as seguintes conclusões: - A questão que aqui se traz reveste uma particular relevância jurídica, e é absolutamente essencial para uma melhor aplicação do direito, cabendo, na previsão do art.° 672º, 1/a) do CPC, designadamente, a questão de saber se o prazo de caducidade nos casos de erro na formação da vontade, se conta a partir da data do conhecimento efetivo do vício pelo titular do direito à anulação ou da data a partir da qual seria possível ao mesmo conhecer esse vício.
- O Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão recorrido, considerou que o prazo de caducidade conta-se, a partir do momento, a partir do qual seria possível conhecer, ao titular do direito à anulação, o vício.
- Em 19/02/2013, o Autor, Banco Espírito Santo, agora, Novo Banco, moveu a presente ação declarativa comum, sob a forma de processo ordinário, para anulação de escritura de Dação em Cumprimento, realizada, no dia 22/12/2009, de fração autónoma sobre a qual detinha duas hipotecas voluntárias, para garantir, dois empréstimos, no valor de € 85.000,00 (€75.000,00 + €10.000,00) de capital, juros e demais encargos, alegando, em síntese, que estava em erro, quando celebrou a referida escritura de Dação em Cumprimento e renunciou às duas hipotecas que detinha sobre a referida fração autónoma, porquanto, era condição essencial, para aceitação da Dacção em Cumprimento, que a mesma estivesse “livre de quaisquer ónus ou encargos”, o que era do conhecimento dos demais outorgantes, sendo certo que, por manifesto lapso do Notário que celebrou a escritura este atestou que o imóvel era transmitido livre de quaisquer ónus ou encargos, criando, assim, a confiança necessária e suficiente, para que o Autor de Boa-fé, outorgasse a referida escritura; Só passados cerca de quatro anos, mais concretamente, no dia 04/01/2013, chegou ao conhecimento do Autor, a existência de uma penhora registada sobre o imóvel aqui em causa, a favor da Ré Banco Mais, S.A., em 16/12/2009, 6 dias antes da realização da escritura, 22/12/2009, pelo que, concluiu pedindo a anulação da escritura de Dação em Cumprimento e a consequente reposição dos registos, designadamente, das duas hipotecas voluntárias, e o reconhecimento da dívida à data da escritura de Dação em Cumprimento, pelos 1º, 2º e 3º RR.
- O Tribunal de 1ª Instância, pronunciou-se, acerca da questão da caducidade, dizendo que “o prazo de caducidade conta-se a partir da data em que ocorreu a cessação do vício, sendo que neste caso essa cessação ocorre quando o contraente que está em erro conhece essa realidade, ou seja, sabe que aconteceu o erro, deixando, a partir de então, ele de existir.”, mas, acaba por concluir que não obstante resultar dos factos que só em janeiro de 2013 a autora soube que a fração autónoma em causa estava a ser vendida no âmbito de uma ação executiva movida pela ré Banco Mais, o facto de em dezembro de 2009 a ré (aqui Recorrente) ter obtido o documento do registo predial de onde constava a penhora a favor do Banco Mais, é suficiente, para que se considere verificada a caducidade do direito da autora de obter a anulação do negócio jurídico de dação em cumprimento celebrado com a ré, nos termos do art° 287°/l do CCivil, procedendo deste modo a exceção invocada pelas rés.
- Por sua vez, o douto acórdão recorrido, considera que o prazo de um ano para a recorrente arguir a anulação do contrato celebrado, nos termos do disposto no art.° 287° do Código Civil com fundamento em erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do art.° 251° do C. Civil, já havia decorrido quando intentou a acção, dado que, ficou provado que desde 28/12/2009, “...àquele teria sido possível conhecer, através de documento comprovativo de registo, da existência da penhora incidente sobre o imóvel em causa...” não obstante reconhecer o seguinte “pese embora demonstrado que, só em 4/1/2013, tomou o apelante conhecimento de que o mesmo estava a ser objecto de venda, na execução movida contra a R. P.” - O Novo Banco, não se conforma, com aquelas doutas decisões, porquanto, alegou e provou que só em 4/1/2013, tomou conhecimento do erro, já os Réus, não lograram provar que o Novo Banco tenha tomado conhecimento antes, designadamente, no dia 28/12/2009, pois o que ficou provado foi que “Em 28/12/2009, o A. obteve o documento comprovativo do registo da aquisição do direito de aquisição do direito de propriedade sobre a fração autónoma, do qual constava o registo da penhora a favor da ré Banco Mais.” - A possibilidade do conhecimento por parte do Novo Banco da existência da penhora do Banco Mais, S.A., existe, desde o momento, em que o registo da referida penhora foi efetuado, 16/12/2009, 6 dias antes da escritura celebrada, no dia 22/12/2009.
- Não pode, salvo o devido respeito, que é muito, o Venerando Tribunal da Relação, presumir o conhecimento por parte do Recorrente Novo Banco da existência da penhora do Banco Mais, SA, no dia 28/12/2009, quando, na realidade, o que ficou provado foi que: “No dia 04/01/2013, chegou ao conhecimento do A., através da sua agência sita no Cartaxo, que a fracção aqui em causa, estava a ser objecto de venda, no âmbito de execução movida, pelo Banco Mais, SA” (art. 44° da matéria de facto provada) - O certo é que, o vício - erro - só cessa quando o Novo Banco, no dia 04/01/2013, sabe da existência da penhora do Banco Mais, S.A., ainda que pudesse tê-lo sabido antes, a verdade, é que não soube.
- Uma vez que o Autor só teve conhecimento da existência do erro, no dia 04/01/2013, tendo a acção dado entrada no Tribunal, no dia 19/02/2013, é manifesto que ainda não havia decorrido o prazo de um ano, previsto no art.º 287° do Código Civil.
- A expressão utilizada no art.° 287º do Código Civil “só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento” foi interpretada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão recorrido, como sendo o momento a partir do qual era possível ao aqui Recorrente, conhecer do vício.
- De certo, não foi este o pensamento do legislador, porquanto, tal interpretação levaria a que em todos os casos em que o interessado só tem conhecimento do erro decorrido um ano após a celebração do negócio, ao mesmo, ser-lhe-ia negada a possibilidade de ver o negócio anulado.
- O art.º 9º do Código Civil diz nos que: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” - Foi precisamente para acautelar situações, como a dos autos, que o legislador utilizou a expressão “só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”, pois poderia ter utilizado a expressão “só dentro de um ano subsequente ao acto”.
- A decisão recorrida, constitui uma decisão injusta para o Recorrente que provou que só em 04/01/2013, teve conhecimento do vício e provou ainda : a essencialidade dos elementos sobre o qual incidiu o erro (ponto 41° da matéria de facto provada) o conhecimento do declaratário da essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro ( ponto 42° da matéria de facto provada ).
- O Novo Banco, confiando, no Direito, criou a expectativa de que poderia ver o erro reparado, com a anulação do negócio, mas, apesar de ter feito prova dos requisitos, para que a acção procedesse, vê a acção naufragar, por causa de uma interpretação que, no entender do Recorrente é contrária à lei.
- O Direito não pode ser exercido de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mas antes de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional, sendo que, a interpretação da lei deve sempre ter em conta a unidade do sistema jurídico (art.º 9º do C.C.) - Ora, porque em sede de interpretação da lei e da compreensão de textos jurídicos, é para nós essencial que o juiz não se limite tão só em encontrar a solução “legal” mas também, se possível, a solução tanto quanto possível “justa”. É o que as partes de resto também esperam do julgador.
- A lei não pode permitir que todos os Réus, aproveitando-se de um lapso do Notário, acabem por se locupletarem à custa do Novo Banco, que tinha duas hipotecas sobre o imóvel, aqui em causa, para garantir o pagamento do seu crédito e que renunciou às mesmas, quando aceitou a Dação, para pagamento, ainda que parcial da dívida da Ia Ré, à qual deu quitação parcial.
- O Banco Mais, S.A., quando efetuou a penhora sobre a fração autónoma designada pela letra “I"” correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado à habitação, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal , sito na Rua X, na cidade, freguesia e concelho do X, sob o n° 0, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo 0 , da Ia Ré, sabia da existência das hipotecas a...
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