Acórdão nº 176/17.8PBEVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Agosto de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL AUGUSTO DE MATOS
Data da Resolução10 de Agosto de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO 1.

Contra o arguido AA, nascido a ... de 1967, filho de BB e de CC, natural da freguesia ..., concelho de ..., casado, tratador de cavalos, residente na R......, n.º ...., Bairro ...., em Évora, actualmente sob prisão preventiva, no Estabelecimento Prisional de ..., foi deduzida acusação pela prática como autor, na forma consumada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas e), i) e j), do Código Penal.

2.

A assistente constituída DD, por si e em representação da filha EE deduziu pedido de indemnização civil no âmbito dos presentes autos, peticionando o pagamento pelo arguido/demandado da quantia de € 1.214.000,00 (um milhão, duzentos e catorze mil euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Relativamente ao pedido de indemnização deduzido em representação da menor EE decidiu o Tribunal Colectivo, por considerar que a fixação da paternidade dessa menor «constitui uma causa prejudicial em relação à decisão a recair sobre o pedido de indemnização civil ora deduzido, na medida em que só após resolução daquela questão o tribunal poderá com total certeza apreciar o mesmo, nomeadamente no que diz respeito à legitimidade substantiva por si alegada», decidiu, no que se refere a tal pedido, remeter as partes «para os tribunais civis, abstendo-se este tribunal de decidir, nos termos do disposto nos artigos 82.º, n.º3, e 72.º, n.º1, alínea e), do Código de Processo Penal».

3.

Em 25 de Outubro de 2017, no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Cível e Criminal de ... – Juiz 2, foi proferido acórdão, com o seguinte dispositivo: «Com base na fundamentação exposta e no âmbito do quadro legal traçado, acordam os juízes que constituem este tribunal colectivo em julgar procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e consequentemente decidem: 1.

Condenar o arguido AA como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º1 e 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

2. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo.

3. Absolver o arguido do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente DD.» 4.

Inconformado com a decisão, interpôs o arguido recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respectiva motivação as conclusões que se transcrevem: «Conclusões: 1. O presente recurso tem por objecto a medida da pena aplicada (matéria de direito).

2. O Tribunal a quo violou o disposto no art.º 71, n.º 2 al. d) do Código Penal, pois apenas foi considerado o facto do arguido vivenciar quadro económico fragilizado e subsistir com um rendimento reduzido, sendo certo que o arguido ainda assim mantinha o FF a seu cargo.

3. A favor do arguido foi considerado o facto do mesmo se ter retratado à Policia Judiciária, o mesmo indicou o local do objecto usado na prática do crime, devendo ser consideradas favoravelmente ao arguido a conduta posterior à prática dos factos, circunstancias que não foram consideradas na determinação concreta da pena, ainda que a elas se aludam na motivação dos factos provados, e que foram determinantes para a prova dos factos, as quais devem ser consideradas favoravelmente ao arguido, não o tendo feito violou o Acórdão recorrido os artigos 40.º n.º 1 e 2, 71.º n.º 1 e n.º 2 al) e. e 72.º n.º 1 do C.P., uma vez que o arguido teve assim uma conduta posterior à prática do crime onde se mostrou colaborante com a justiça, o que é claramente relevante para uma atenuação da medida concreta da pena e não deixa de ser demonstrativo de arrependimento.

4. O arguido tem apoio familiar, o que deveria ter sido considerado a seu favor, pelo que foi violado o art.º 71.º n.º 2 al. d) do CP pelo Tribunal a quo, ao não valorar tal circunstância na determinação da medida concreta da pena.

5. Por outro lado o Tribunal considerou, que o arguido agiu no intuito de matar FF, unicamente em virtude da existência de uma discussão motivada pelo facto de o mesmo não querer colaborar nas tarefas domésticas, o que significa que a qualificação aqui prevista seria no máximo a existência de um motivo fútil para a prática do crime.

6. Assim, e pelo exposto deve ser determinada a diminuição da pena de prisão aplicada por se entenderem violados ao artigos 40.º, 71.º e 72.º do C. P., de acordo com a mais adequada subsunção dos factos ao direito no presente caso, diminuição da pena sendo fixada a pena de Homicídio Qualificado art.º 132.º n.º2 al. b) do C.P., abaixo dos 19 anos, tendo em atenção que a qualificação de uma pena de prisão excessivamente longa pode comprometer definitivamente a ressocialização e vida futura do arguido.

7. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, sendo determinada a redução da pena de prisão aplicada ao arguido, assim fazendo V. Exas. Justiça!!!».

5.

Respondeu o Ministério Público, dizendo: «Em conclusão: 1- O arguido AA foi condenado no âmbito dos presentes autos, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos artigos 131º e 132º, nº 1 e 2, alínea e), do Código Penal., na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

2 - O crime por que o arguido foi condenado é punido com pena de doze a vinte cinco de prisão.

3 - Não releva a favor do arguido a conduta posterior à prática dos factos, e muito menos pode constituir atenuação especial da pena nos termos do disposto no art. 72º, do Código Penal, a circunstância de o arguido ter reconhecido perante a Polícia Judiciária, os factos e ter indicado o local onde se encontrava a arma.

4 - Com efeito o arguido não revela arrependimento se, como sucedeu e consta da matéria fáctica dada como provada (pontos 10, 11 e 12), inicialmente cria um estratagema para afastar de si a responsabilidade no cometimento do crime, o qual se terá tornado insustentável quando confrontado com as provas e as contradições e é neste contexto que terá indicado onde se encontrava a arma.

5 - Depois do crime, o arguido saiu do local, deitou fora a faca e algum tempo depois regressou e chamou o INEM dizendo que tinha chegado a casa e encontrado a vítima caído no chão, com um golpe no peito, sendo ele quem na verdade o deixara a esvair-se em sangue e se ausentara.

6- Para além disso, em sede de julgamento, repetidamente, como consta da motivação da decisão de facto douto acórdão recorrido, o arguido procura negar a prática dos factos e elaborar uma versão que não colhe porque é contrariada pela prova produzida.

7 - Desse modo, a conduta do arguido posterior ao crime não é reveladora de arrependimento sincero, pelo que não deve ser valorada a seu favor em sede de fixação da medida concreta da pena e muito menos de forma a poder constituir atenuante especial da pena, nos termos do art. 72Q, do Código Penal.

8 - Também não será de relevar especialmente a inserção profissional do arguido, que foi tida em conta como circunstância a seu favor, com a restrição de tal inserção revelar alguma instabilidade.

9 - A favor do arguido apenas poderiam militar para além desta, a ausência de antecedentes criminais e o seu comportamento posterior à prisão, já no estabelecimento prisional.

10 - Em contrapartida, militam contra o arguido as circunstâncias enumeradas no local própria do douto acórdão recorrido e, designadamente: -É elevada a ilicitude dos factos, "considerando as circunstâncias e o modo global da acção, em particular o número de facadas" - (quatro); - As consequências do ato criminoso que se traduzem na perda da vida de FF; - A intensidade do dolo que se reputa alta porque directo.

11 - Em sede de exigências de prevenção especial é dado relevo ao facto de o arguido consumir bebidas alcoólicas em excesso pelo arguido, "que dificulta um juízo de prognose positivo relativamente à prática de factos ilícitos criminais no futuro".

12 - "As necessidades de prevenção geral mostram-se elevadas, considerando os bens jurídicos violados pelo arguido, bem como o alarme e sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na comunidade e que por isso exigem que na fixação concreta da pena, se tenha em consideração a necessidade de repor a tranquilidade e a confiança da colectividade na validade e eficácia das normas violadas." 13 - "A medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização." (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2016, no processo 78/15.2JALRAC1.S1, de que foi relatara a Sra. Juíza Conselheira Rosa Tching).

14 - "o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é que não ultrapasse a medida da culpa, isto é que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada caso aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um facto verificado mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada: neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena que o artigo 18º, nº 2 da Constituição da República, consagra" (Acórdão de 04-06-2014 (Proc. 262/13.3PVLSB. L1.S1-3ª Secção) 15...

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