Acórdão nº 2834/16.5T8GMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA (1.º A.) e BB, S.A. (2.ª A.), intentaram, em 09/05/2016, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC (1.º R.) e DD, S.A. (2.ª R.), alegando, no essencial, o seguinte: .

O 1.º R. exercia a atividade de consultadoria financeira e de agente da 2.ª R., pelo menos entre o início de 2005 e o fim 2008, nos seus escritórios na Rua …, n.º …, na cidade de Guimarães, gerindo, a partir dali, contas de títulos e de produtos estruturados na 2.ª R., sediadas na Suíça, tituladas por cidadãos portugueses ou residentes em Portugal, recebendo da mesma R. a respetiva comissão ou prémio, em função dos movimentos financeiros ou vendas realizadas; .

Em 25 julho de 2005, o 1.º A., aconselhado pelo 1.º R., dirigiu-se com este a Genebra, na Suíça, onde abriu, junto da 2.ª R. a conta n.º 2…0-5…0, em nome do seu filho menor EE, nela depositando € 720.000,00; .

E, nesse âmbito, o 1.º A. celebrou com o 1.º R., nos referidos escritórios de Guimarães, um contrato de gestão daquela conta, mediante o qual lhe conferiu poderes para, nomeadamente, comprar e vender obrigações e produtos estruturados com a finalidade de que os adquirisse e resgatasse no seu vencimento ou maturidade e os respetivos juros; .

O 1.º R., além das comissões que auferiria da 2.º R. pelas vendas de obrigações ou produtos por esta intermediados, como seu agente, receberia da parte do 1.º A., no final, uma participação de 20% nos lucros resultantes dos investimentos que fossem feitos através da referida conta n.º 2…0-5…0.

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O 1.º A., também a conselho do 1.º R., em 2005, adquiriu o capital social da 2.ª A. BB, S.A., com sede no …, de que é, desde então, Diretor/Presidente, sendo Diretor/Secretário FF e Diretor/Tesoureiro EE, ambos filhos daquele; .

Porém, em finais de maio de 2006, o 1.º R., sem estar habilitado para transferir o saldo da conta n.º 2…0-5…0 nem para comprar o que quer que fosse para a referida BB, S.A., celebrou um contrato nos termos do qual, em representação do 1.º A., transmitiu todos os produtos financeiros daquela conta para a conta da 2.ª A. com o n.º 2…0-5…2 aberta na 2.ª R.; .

A transmissão dos produtos financeiros da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2 foi realizada pelo 1.º R. com recurso a falsificação da assinatura do 1.º A., que não assinou qualquer documento para celebrar contratos em nome da 2.ª A. nem para movimentar qualquer conta ou produtos da referida conta n.º 2…0-5…2, o que foi feito por aquele R. com vista a obter comissões pelas vendas; .

Entre agosto e setembro de 2008, a 2.ª R. fez uma grande pressão junto dos seus agentes para que estes vendessem obrigações ou produtos Lehman Brothers aos seus clientes, sob a promessa de elevadas remune-rações, bem sabendo que a queda do referido banco estava iminente; .

Em 05/09/2008, o 1.º R. foi incentivado pela 2.ª R. a adquirir produtos estruturados Lehman Brothers, numa altura em que já era do conhecimento da maior parte dos agentes do mercado que a Lehman Brothters tinha os seus produtos carregados na base ou na sua maior parte com créditos impagáveis; .

Assim, o 1.º R., persuadido e pressionado pela 2.ª R., que lhe prometeu pessoalmente elevadas comissões, sem qualquer autorização do 1.º A. nem da 2.ª A., em 05/09/2008, adquiriu para a 2.ª A. as seguintes obrigações ou produtos estruturados: - em 05/09/2008, 62124080 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 203.409,40 USD; - em 05/09/2008, 62119079 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 204.013,80 USD; .

Em 15/09/2008, a Lehman Brothers caiu e as obrigações ou produtos estruturados, que o 1.º R. adquiriu para a 2.ª A. pelo preço de 407.423,20 USD, passaram a valer zero; .

Era prática corrente da 2.ª R. financiar os seus clientes, investidores, em valores na ordem do triplo ou mais do valor que investiam, a juros à taxa Euribor, ou menor, para a compra de produtos financeiros, de forma a alavancarem os investimentos, ficando garantidos com as obrigações ou produtos dos clientes.

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Como fruto da gestão ruinosa e não autorizada da carteira da 2.ª A., a conta deixou de dar garantias suficientes de modo a alavancar o investimento em produtos estruturados, pelo que a 2.ª R. deu ordem imediata de venda de todos os produtos ou obrigações que a 2.ª A. tinha na referida conta, de modo a saldar o referido “empréstimo”, o que fez entre o dia 23 e 25 de setembro de 2008; .

Com o remanescente dos produtos vendidos pela 2.ª R., a conta da 2.ª A. foi encerrada, perdendo o 1.º A., no final, a totalidade do seu investimento de € 720.000,00; .

Os comportamentos acima descritos do 1.º R. e da 2.ª R. foram de má fé, com recurso a falsificação de documentos, com uso de engano, sugestão e artifício para obter ganhos elevados ou passar para os A.A. perdas que de outro modo sofreriam, incorrendo assim na prática de crimes de burla, falsificação de documentos e abuso de confiança, agravados em face do elevado montante, superior a € 275.000,00.

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Todas as ordens de movimentação daquelas contas, mormente a ordem de transmissão dos valores da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2, bem como as falsificações de assinaturas e as ordens de movimento na conta n.º 2..0-5…2, nomeadamente da compra dos europaper 7.875 lehman 10, ocorreram a partir do escritório do 1.º R. em Guimarães; .

Por contrato de cessão de créditos de 03/05/2016, EE cedeu ao 1.º A. todos os créditos perante os R.R., acima referidos.

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Neste momento não consegue o 1.º A. precisar o valor do dano sofrido nem quantificar o valor da sua indemnização pelo que deduz pedido ilíquido.

Concluíram os A.A. pedindo que os R.R. fossem: a) – Em primeira linha, condenados a indemnizar o 1.º A. AA, pelo valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…0 em 01/05/2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, deduzido o valor do empréstimo feito pela UBS e respetivo juro, na data de cada vencimento, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas sobre o saldo positivo, até efetivo pagamento, por nulidade do movimento de transmissão da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2; b) – Subsidiariamente, condenados a indemnizar a 2.ª A., BB, S.A., no valor disponível, bem como do valor de cada um das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…2 em 31/05/2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta n.º 2…0-5…2; c) – Ainda subsidiariamente, no caso de improcedência do peticionado na alínea anterior, condenados a indemnizar a 2.ª A., no valor das obrigações e produtos que se encontravam na conta n.º 2…0-5…2 em 01/09/ 2008, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas, até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta n.º 2…0-5…2, na sequência da nulidade da venda das obrigações europaper 7.875 Lehman 10 em 5/9/ 2008.

d) - Em qualquer dos casos das alíneas anteriores, condenados na restituição de valores que tenham sido retirados para contas de terceiros, a titulo de honorários ou não fundadas em contrapartida de preço de obrigações ou produtos contabilizados na primeira parte, por nulidade decorrente de falta de autorização e abuso de confiança, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da retirada até efetivo pagamento.

2.

O 1.º R. apresentou contestação, em que, além do mais e no que aqui releva, arguiu a incompetência internacional dos tribunais portugueses, sustentando que: .

Os A.A. configuram a ação como de responsabilidade extracontratual, o que remete para o local onde fica sediada a conta bancária em apreço, isto é, a Suiça em face dos critérios previstos no artigo 62.º do CPC; .

Ainda que, mesmo na hipótese de se considerar competentes os tribunais portugueses quanto ao 1.º A., os tribunais portugueses sempre seriam incompetentes internacionalmente quanto à 2.ª A., atenta a ausência de qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, o que obsta à coligação de A.A. conforme a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 37.º do CPC.

3.

Também a 2.ª R. UBS contestou, invocando, além do mais, a incompetência internacional dos tribunais portugueses, alocada na cláusula contratual atributiva de foro exclusivo de Genebra que consta dos contratos de abertura de conta que juntou ao processo. Sustentou ainda que, mesmo na hipótese de se considerar competentes os tribunais portugueses quanto ao A., estes sempre seriam incompetentes internacionalmente quanto 2.ª A., dada a ausência de qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, o que seria obstativo da coligação ativa, conforme a 2.ª parte do n.º 1 do art.º 37.º do CPC.

4.

Por sua vez, os A.A. vieram apresentar resposta, impugnando os documentos juntos pela 2.ª R. com a contestação e arguindo a nulidade da cláusula atributiva do foro por falta de comunicação, subscrição ou assinatura e tradução na altura da celebração do contrato e mesmo ulteriormente, sustentando, porém, que a eventual validade daquela cláusula não afasta a jurisdição portuguesa em casos que não emergem da relação contratual, mas que decorrem de crimes de falsificação, abuso de confiança e burla praticados em Portugal, como o dos presentes autos. 5.

Findos os articulados, foi proferida a decisão reproduzida a fls. 200-206/v.º, datada de 30/07/2017, em que, fixado o valor da causa em € 720.000,00, foram apreciadas aquelas exceções dilatórias, decidindo-se declarar o tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer do objeto da causa com a consequente absolvição dos R.R. da instância.

6.

Inconformados, vieram os A.A., em 02/10/2017, interpor recurso daquela decisão per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo os R.R. apresentado contra-alegações a sustentar, em...

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