Acórdão nº 1885/16.4T8MTR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Novembro de 2018
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 06 de Novembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA propôs a presente ação contra BB, pedindo que seja declarado que é filho de CC, falecido, ordenando-se o averbamento de tal paternidade e da avoenga paterna no seu assento de nascimento.
Para tanto alegou, em síntese, que: - O Autor nasceu em 18-07-1945, tendo sido registada apenas como filho de DD, mas também é filho de CC, não haver entre ambos relações de parentesco ou de afinidade que obstem a tal reconhecimento; - O CC faleceu, tendo deixado como única descendente, em primeiro grau, a sua filha BB, bem como um neto e, pelo menos, um bisneto; - A mãe do Autor e o CC mantiveram relações sexuais de cópula completa durante os meses de janeiro a dezembro de 1944, e foi na sequência de uma dessas relações sexuais que a mãe do Autor engravidou, gravidez de que veio a nascer o Autor, tendo a mãe do Autor e o CC mantido entre si relações sexuais durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do Autor.
- O Autor sempre foi reputado como filho pelo CC e este, até falecer, tratou sempre o Autor como filho; - O Autor foi sempre reputado pelo público como filho do CC.
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Devido à incapacidade de facto da Ré, foi-lhe nomeado curador provisório.
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Na contestação, foi invoca a exceção perentória da caducidade do direito do Autor, e impugnada a matéria de facto alegada.
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Foi proferido saneador-sentença, que julgou a exceção de caducidade procedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
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Não se conformando com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.
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O Tribunal da Relação de Évora julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
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Mais uma vez inconformado, o Autor / Apelante veio interpor revista a título excecional, a qual foi considerada admissível, conforme o Acórdão de fls.209/210, proferido pela formação dos Juízes deste Supremo Tribunal prevista no nº 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil.
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O Autor / Recorrente apresentou alegações, em que formula as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O recorrente intentou acção contra BB, na qual pediu que fosse declarado filho de CC e que fosse ordenado o averbamento de tal paternidade e da avoenga paterna no seu assento de nascimento.
2ª. Veio a recorrida, em sede de contestação, arguir a excepção de caducidade do direito do recorrente, pedindo a improcedência da acção.
3ª. Concluindo, o Tribunal de 1ª. instância, que os autos já dispunham de todos os elementos de facto para se conhecer da supra referida excepção deu, em suma, como assente que: O recorrente nasceu no dia 18 de Julho de 1945.
No seu assento de nascimento não consta a identificação do seu pai.
O recorrente alega que é filho biológico de CC, o qual faleceu em 20 de Setembro de 2004.
O recorrente alega que desde "tenra idade" que sabe que é filho do investigado.
A acção de investigação de paternidade foi instaurada em 30 de Novembro de 2016.
4ª. Mais refere que resulta provado o decurso do prazo, que traduz um facto extintivo do direito de o recorrente investigar e estabelecer a filiação jurídica, pelo que, caducou o direito que este pretendia fazer valer na acção que intentou.
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a Porém, a sentença recorrida não deixou de se pronunciar quanto à questão da constitucionalidade do artigo 1817.°, do Código Civil, defendendo que o mesmo não padece de nenhum vício de inconstitucionalidade e que nenhum imperativo constitucional existe de tornar absolutamente ilimitado no tempo o direito de querer ver judicialmente afirmada e reconhecida a paternidade biológica. Mais defende que não existe desequilíbrio axiológico-normativo ante a síntese material do conflito subjacente à inconstitucionalidade, que se pode esculpir em vértices opostos: de um lado, o direito à verdade biológica e, de outro, o direito a uma certeza e segurança.
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a Posteriormente, o Tribunal da Relação de Évora pronunciou-se também pela constitucionalidade do nº1, do artigo 1817.°, do Código Civil, com a seguinte fundamentação: «é nosso entendimento que o direito fundamental à identidade pessoal não é um direito absoluto e, como tal, insusceptível de, nomeadamente em matéria de investigação da paternidade, ver o seu exercício condicionado em homenagem a outros valores constitucionalmente tutelados, como são os da certeza e segurança jurídicas, elementos essenciais do Estado de Direito.» 7.
a Bem sabia o recorrente que, face ao preceituado no artigo 1817.°, do Código Civil, o seu direito, de intentar acção de investigação de paternidade, estaria caducado. No entanto, também sabia que, ultimamente, este preceito tem sido, inúmeras vezes, declarado inconstitucional pelos diversos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, tese esta que o recorrente acreditava que o Tribunal acolheria.
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a E, quanto ao facto de as Instâncias terem considerado que o artigo 1817.° do Código Civil não é inconstitucional, cremos que estas não fizeram uma correcta ponderação dos direitos em conflito: o direito à verdade biológica e o direito a uma certeza e segurança.
9ª. Pois cremos, ser de maior justiça o defendido no acórdão do STJ, de 06-07 -10 que refere: « ... é dogmaticamente mais consistente a tese da imprescritibilidade deste tipo de acções, por estar em causa o direito à identidade pessoal no qual se insere a chamado "direito ao conhecimento da ascedência biológica", enquanto direito fundamental - art. 26.°, nº. 1, CRP -, tratando-se de um direito de personalidade imprescritível.
IV- Assim, deve entender-se que, nesta matéria, os prazos de caducidade, sejam eles quais forem, traduzem uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente ao direito à historicidade pessoal, sendo, por isso, inconstitucionais as normas dos artº.s 1817.° e 1842.° do CC, na redacção introduzida pela Lei nº. 14/2009, de 1/04, com o alargamento dos prazos. VII- As acções de investigação da paternidade e de impugnação de paternidade presumida, instauradas pelo filho, não estão sujeitos a prazos de caducidade.» 10ª. E o defendido no acórdão do STJ de 31-01-2017, que refere: « ...
IV- A norma constante do nº.1 do artigo 1817.° do Código Civil, na dimensão interpretativa que prevê um prazo limitador da possibilidade de a A., enquanto filha, propor a presente acção de investigação de parternidade, com fundamento no facto biológico da filiação, é inconstitucional, uma vez que o direito a conhecer a ascendência biológica constitui dimensão do direito à identidade pessoal ... e o direito a estabelecer os concomitantes vínculos jurídicos traduz uma dimensão do direito a constituir família ... consubstanciando tal prazo limitador uma restrição excessiva ou desproporcionada aos assinalados direito fundamental à identidade pessoal e o direito de constituir família, bem como ao próprio direito geral de personalidade dos investigantes ... » 11ª. Bem como o muito bem defendido no acórdão do STJ, de 06-09-2011, que refere: «I-Mostra se inconstitucional o estabelecimento ou estatuição, pelo art. 1817.°, nº. 1, do CC, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº.14/2009, de 01-04, de um prazo legal para o filho possa investigar a verdade biológica da sua filiação. II-Na ponderação dos direitos fundamentais em lide posicionam-se, do lado do filho investigante, o "direito à identidade pessoal", o "direito à integridade pessoal" e o "direito ao desenvolvimento da personalidade" e, do lado do pretenso pai-investigado, os de "reserva da intimidade da vida privada e familiar" e o "direito ao desenvolvimento da personalidade". III- Estando em causa direitos de raiz e feição absoluta, a regra será a não restrição dos direitos fundamentais, a menos que estejam em causa ou possam interferir no exercício desses direitos outros valores de "rango" constitucional que justifiquem a regulação por via legislativa. IV- Há que indagar quais os factos de ponderação que, no caso concreto, podem ser alinhados para aferição dos direitos e valores em causa e, nesta ponderação, terão que intervir critérios ou princípios de proporcionalidade, de razoabilidade, de adequação, de integração pessoal e familiar e de equivalência dos efeitos na esfera pessoal e familiar de cada um dos sujeitos involucrados. V- No conspecto dos valores em confronto, deve privilegiar-se aqueles que abonam e exoneram a pessoa humana em detrimento de valores de perturbação da tranquilidade familiar, da aquisição das situações pessoais e familiares estabelecidas e estabilização das relações económicas e/ou sucessórias, pelo que o nº. 1 do art. 1817.° do Código Civil, na versão da Lei nº. 14/2009, de 01-04, deve ser considerado inconstitucional, por impor um limite temporal ao direito de alguém ver reconhecida a sua paternidade.» 12ª. São, actualmente, inúmeros os Acórdãos que decidiram julgar, manifestamente, inconstitucional o artigo 1817.° do Código Civil, de entre os quais, os: TRP, de 13-03-2014 TRC, de 06-07-2010 STJ, de 14-01-2014 STJ, de 31-03-2017 STJ, de 06-09-2011 STJ, de 15-11-2011, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt, mas poderíamos mencionar outros, os quais fazem uma correcta ponderação dos direitos fundamentais conflituantes - a identidade pessoal e direito à reserva da intimidade da vida privada - e, em nome da verdade material/biológica, da justiça e de valores que merecem diferente tutela, decidem que deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobra a "paz social".
13ª. Logo, as Instâncias, ao decidirem pela não inconstitucionalidade do nº.1, do artigo 1817.°, do Código Civil, violaram os artigos 18.°, nº.2 e 3, 26.°, nº. 1 e 36.°, nº.1 da CRP e declararam o referido preceito do Código Civil constitucional ao invés de decidirem pela sua inconstitucionalidade e declararem que os acções de investigação de paternidade são imprescritíveis.
E conclui pela procedência da revista, “revogando-se o Acórdão recorrido e, consequentemente julgar-se inconstitucional a norma do artigo 1817º, do Código Civil...
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