Acórdão nº 3082/05.5TJLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | PEDRO DE LIMA GONÇALVES |
Data da Resolução | 16 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
O.
Ministério Público propôs ação declarativa contra AA, sucursal da SA francesa C.... (C..., S.A., sucursal em Portugal), BB Banco de Crédito ao Consumo, S.A. e Banco CC, S.A., pedindo que: - se declarem nulas as cláusulas que identifica na petição inicial, e se condenem as Rés a absterem-se de se prevalecer delas e de as utilizar em contratos que de futuro venham a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (artigo 30º, nº1, do Decreto – Lei nº446/85, de 25 de outubro); - se condene as Rés a darem publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar, sugerindo-se que a mesma seja efetuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (artigo 30º, nº2, do Decreto - Lei–nº446/85, de 25 de outubro), de tamanho não inferior a 1/4 de página; - se dê cumprimento ao disposto no artigo 34º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença, para os efeitos previstos na Portaria nº1093, de 6 de setembro.
Alega, em síntese, que, por um lado, as cláusulas em questão são elaboradas previamente pela ré, sem poderem ser alteradas pelos aderentes, e, por outro, são proibidas.
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As Rés vieram contestar, concluindo pela improcedência da ação; a Ré BB pediu a procedência da exceção de ilegitimidade ativa e passiva e a consequente absolvição da instância, e, sem conceder, a absolvição dos pedidos.
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Os autos prosseguiram os seus termos e, após prolação de acórdão pelo STJ a 02-10-2014 que determinou o reenvio do processo para ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença, que julgou a instância extinta por inutilidade superveniente da lide.
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Inconformado com esta decisão, o MºPº interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O Ministério Público, não se conformando a sentença proferida nos autos em epígrafe identificados, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, da mesma vem interpor recurso de apelação para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
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Na verdade, o Tribunal a quo fundamentou, no essencial, a decisão que proferiu sufragando que a acção inibitória tem por objecto a proibição de utilização futura de cláusulas proibidas.
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Ora porque, no caso concreto destes autos, se provou que os Réus, no decurso da acção, eliminaram as cláusulas proibidas constantes dos impressos dos contratos de adesão juntos com a P.I., não constando já, aquelas cláusulas “abusivas”, dos contratos celebrados após a respectiva eliminação, que de igual modo, não passarão a constar dos contratos a celebrar no futuro e 4ª. tendo-se, ainda provado que os Réus não usam mais os contratos a que se aludiu não tendo resultado provado que, no futuro, os Réus pretendam usar os contratos em análise , o Tribunal a quo defendeu que desapareceu o objecto da acção que se traduz na inutilidade superveniente da lide razão pela qual, declarou extinta a instância com o mencionado fundamento.
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Porém, o entendimento sufragado na sentença recorrida não teve em consideração o verdadeiro objecto da acção inibitória, bem como o facto de todos os Réus terem anteriormente à propositura da acção inibitória e no decurso da mesma celebrado contratos com os aderentes que incluíam as cláusulas “abusivas” cuja abstenção de uso (também futuro) foi requerido pelo M.P.
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E que o objecto da acção inibitória prende-se com a “fiscalização em abstracto” - que se encontra no montante da celebração de qualquer contrato celebrado ao abrigo dos denominados “contratos de adesão” - o que significa que o respectivo escopo não se esgota na esfera jurídica de uma determinada pessoa, individual ou colectiva mas tutela, de igual modo, o interesse da generalidade de aderentes/consumidores (tutelando assim interesses difusos) em que apenas sejam utilizadas, em sede contratual, cláusulas contratuais licitas.
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Assim sendo, a acção inibitória mesmo nas situações em que, depois de proposta a acção — como é o caso dos presentes autos — os Réus vem a eliminar por vontade própria as cláusulas em crise ou pelo facto da lei as ter proibido para o futuro não ocorre inutilidade superveniente da lide.
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E isto, porque, por um lado, só com a decisão judicial do mérito da causa é possível garantir que a parte vencida na acção inibitória não voltará a inserir em contratos futuros tal clausulado e, por outro lado, porque os terceiros relativamente a uma concreta acção inibitória podem invocar em seu benefício o caso julgado formado naquela concreta acção inibitória, obstando, deste modo, ao uso da cláusula declarada inválida nos termos do n.°1 do art.°32.º, n.°1, da LCCG 9ª. Pelo que, ao decidir como o fez o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação dos art.°25.° e 32.°, n.°2, todos da LCCG e art.°277 n.°1, al e) do C.P.C. que, deste modo, violou.
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Na verdade, o Tribunal a quo devera ter interpretado as aludidas normas legais no sentido de - atento o objecto da acção inibitória, que se norteia pelo interesse público na erradicação do tráfego contratual cláusulas contratuais lícitas, visando a fiscalização abstracta das cláusulas contratuais gerais “abusivas” - no sentido que, mesmo que no decurso da acção o utilizador/pre-disponente venha a alterar ou a eliminar as clausulas contratuais gerais inválidas ou outras que se lhe equiparem substancialmente, o consumidor/ aderente que tenha sido parte em contratos já findos, ou ainda em vigor, ou terceiro que não seja parte naquela concreta acção inibitória em que o demandado foi vencido pode, a todo o tempo, em seu beneficio, invocar a declaração de nulidade de clausulas gerais inválidas (nos termos do art.°31 n.°1 da LCCG) contida em acção inibitória já transitada em julgado, não ocorrendo, por isso, na descrita situação inutilidade superveniente da lide existindo também interesse em agir por parte do Autor.
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Razão pela qual deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida.
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Contudo, caso venha a ser negado provimento ao presente recurso, a título subsidiário, o Ministério Público vem formular a esse Venerando Tribunal o pedido de reenvio prejudicial ao abrigo do disposto no art.°267.° do Tratado do Funcionamento da União Europeia o que faz com os fundamentos seguintes.
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A tese defendida pelo Tribunal a quo é tributária, ao cremos, da interpretação do art.°25 da LCCG sufragada por outros tribunais superiores segundo a qual se defende, no essencial, que, caso se prove que as clausulas contratuais que violem a LCCG, sindicadas numa concreta acção inibitória com vista à declaração da respectiva nulidade, deixaram de ser usadas antes da propositura da acção ou no decurso da mesma, apurando-se que o demandado não as pretende voltar a utilizar no futuro poderá ficar comprometida a apreciação do mérito da acção, quer por falta de interesse em agir (ou falta de legitimidade do M.P.) ou por inutilidade superveniente da lide.
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O Ministério Público discorda da mencionada interpretação do art.°25.° da LCCG (acolhida na sentença proferida nestes autos) por entender que colide com legislação comunitária, designadamente com o art.7.° da Directiva 93/l3/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993.
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Caso seja negado provimento ao presente recurso pelo facto desse Venerando Tribunal acolher a aludida interpretação, tal interpretação devera ser apreciada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no sentido da respectiva conformidade com a norma comunitária já aludida.
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A interpretação feita pelo Tribunal de Justiça da União Europeia vincula os Tribunais Nacionais.
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Pelo que deverá esse Venerando Tribunal suscitar o pedido de reenvio prejudicial para que Tribunal de Justiça da União Europeia esclareça como deve ser interpretada o art.° 7.° da Directiva 93/13/CEE prosseguindo, oportunamente, os autos em conformidade com a interpretação que vier a ser proferida por este Tribunal.
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“No caso vertente, as questões prejudiciais a formular pelo Tribunal Nacional ao TJUE são as seguintes: 1 - Deve o Artigo 7°, n°s 1 e 2 da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, ser interpretado no sentido de que o Tribunal Nacional – no âmbito de uma acção inibiória - deve apreciar em abstracto a nulidade da cláusula contratual geral, independentemente da sua utilização actual ou futura pelo predisponente? 2 - Ou deve o mesmo Artigo ser interpretado no sentido de que o Tribunal Nacional só deve apreciar a nulidade da cláusula contratual geral mediante a prévia alegação e prova de que a mesma continua a ser utilizada pelo predisponente e/ou este se propõe utilizá-la futuramente em contratos que venha a celebrar? 5.
A AA e o Banco.... Paribas (resultante da fusão da BB e CC apresentaram contra-alegações, tendo a primeira requerido a subida per saltum do RECURSO PARA O STJ, a que o MP não se opôs.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Autora/ ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões: - a extinção da instância por inutilidade superveniente; - o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
III. Fundamentação.
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Factos dados como provados os seguintes factos: 1.1.
A Ré AA foi uma sucursal da Compagnie Financiere............ AA, matriculada sob o n.°05488 na 4.ª Secção da Conservatória do Registo...
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