Acórdão nº 4080/16.9T8BRG-A.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução04 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) intentaram, em 22/09/2016, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra: - CC e cônjuge DD (1.ºs R.R.); - EE e cônjuge FF (2.ºs R.R.); - GG - Sociedade de Investimentos Imobiliários e Construção Civil, Lda (3.ª R.); - HH - Sociedade de Investimentos Imobiliários, Lda (4.ª R.).

Alegam, no essencial, o seguinte: .

Em 27/02/1985, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda entre os A.A., então representados por II, na qualidade de promitentes-compradores, o 1.º R. CC, na qualidade de promitente-vendedor, no âmbito do qual se convencionou, sob cláusula verbal, que: “o prédio dos A.A. seria o referente à fração autónoma designada pela letra E, correspondente à 2.ª loja do 1.º andar, a contar do sul, destinada a atividades económicas, descrita na 2.ª Conservatória sob o n.º 593 com a artigo matricial urbano 1409 NIP da freguesia de …, em Braga”; .

Realizada a escritura pública de compra e venda em 23/05/1985, nesta data, o vendedor CC entregou ao representante dos A.A. as chaves da porta do estabelecimento correspondente àquela fração; .

No fim de 2015, os A.A. tomaram conhecimento de que, embora tendo o exercício da posse efetiva da referida fração E, no contrato ficara-lhes antes atribuída a titularidade de uma fração D, descrita sob o n.º 48.891 e inscrita na matriz sob o n.º 1437-D, sita na Rua …, n.º … e …, freguesia de …, município de Braga, e integrada no mesmo edifício em que se integra a fração E; .

Porém, os A.A. nunca usaram nem fruíram aquela fração D; .

Por seu turno, a mencionada fração E foi, entretanto, objeto de sucessivos negócios familiares realizados pelo R. CC e o seu irmão EE, ora 2.º R., entre este e o sócio-gerente da 3.ª R. GG e entre este e a irmã do sócio-gerente da 4.ª R. HH, negócios esses realizados de má fé com o objetivo de lesar os interesses dos A.A; .

Não obstante isso, logo após a tomada de posse da referida fração E, os A.A. fizeram, de forma periódica, toda a manutenção e conservação da mesma, ali instalando e explorando o “Minimercado JJ”, ininterruptamente durante 22 anos – de 1985 a 2007; .

Em 31/05/2007, os A.A. cessaram aquela atividade e passaram a arrendar aquela fração para outros usos; .

Assim, os A.A. vêm possuindo tal fração à vista de toda a gente, com o conhecimento de todos os condóminos e com convicção de que a mesma lhes pertence; .

A referida loja E tem a área e confrontações constantes dos documentos juntos, sendo que, imediatamente a tomada da respetiva posse, os A.A. interpelaram o R. CC acerca da área que tinham para explorar, tendo este informado que iam demarcar a fração através de parede, dividindo-a em duas unidades, como veio a suceder, pouco tempo depois do início da posse; .

Assim, aquelas duas unidades podem ser constituídas como unidades independentes, preenchendo os mínimos requisitos legais respeitantes ao regime da propriedade horizontal, podendo ser objeto de aprovação pelas entidades competentes .

A 1.ª unidade, atribuída aos A.A. e sobre a qual estes têm exercido a sua posse, apresenta uma área de 56 m2, confrontando a nascente com a EN n.º 201, a poente com KK, a norte com LL, a sul com MM.

.

Por sua vez, devem os R.R., a suas expensas, proceder às obras e obter a autorização junto das entidades competentes para que a 2.ª unidade, antes destacada pelo seu primitivo proprietário, seja objeto de propriedade horizontal; .

Caso não seja de todo possível destacar a 2.ª unidade, deve a fração ser atribuída, na sua totalidade, ao A.. Concluíram os A.A. a pedir o seguinte: A – Em primeira linha, a retificação da escritura pública de 23/05/1985, no que respeita à titularidade e registo a favor dos AA., da fração autónoma correspondente à segunda loja do 1.º andar, a contar do sul, destinada a atividades económicas, designada pela letra E, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 593, sita na Rua …, n.º …, da freguesia de …, Braga, com o artigo matricial urbano sob o n.º 1409 NIP; B – Em segundo lugar, o reconhecimento de que os A.A. são donos exclusivos e legítimos proprietários da segunda loja do 1.º andar, designada pela letra E, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 593, sita na Rua …, n.º …, …, mediante aquisição originária por usucapião; C - Em consequência disso, que sejam oficiadas as entidades competentes, que discriminam, no sentido de procederem de acordo com o enunciado em A e B, nomeadamente quanto ao prédio designado pela letra E, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 593, à pertinente retificação, averbamento e inscrição da fração autónoma; D – Em “alternativa”, que: a) - Os R.R. obtenham, a suas expensas, autorizações necessárias, junto das entidades competentes, e realizem obras para que a 2.ª unidade antes destacada pelo primitivo proprietário, CC, seja objeto de propriedade horizontal, e por conseguinte pertença daqueles, reconhecendo o direito de propriedade dos AA. sobre a 1.ª unidade; b) - Caso de todo não seja possível, sejam os R.R. “condenados a reconhecerem”o direito de propriedade daqueles A.A., por força do direito de aquisição originária, por via de usucapião na forma sobredita, devendo a fração, no seu todo, ser-lhes reconhecida e atribuída.

  1. Os R.R. CC e cônjuge DD, EE e cônjuge FF e HH Ld.ª, contestaram, a arguir a ineptidão da petição inicial e impugnar o alegado na petição inicial, sustentando, no que aqui releva, que: .

    Os A.A. e o R. CC acordaram em este permitir àqueles a ocupação temporária e gratuita de 56 dos 135 metros quadrados da fração E, até ao momento em que houvesse possibilidade do fornecimento individual de eletricidade e água na fração D que o mesmo R. lhes tinha vendido; .

    Foi nessas circunstâncias que foi construída uma divisória a separar a fração E em duas unidades independentes - uma com a área de 56 m2 e outra com a área de 79 m2 – sem possibilidade de passagem de uma para a outra; .

    Porém, no final de 1988, o R. CC comunicou aos A.A. que já não existia o problema que impedia o fornecimento de eletricidade e água ao prédio em que se integrava a fração D, pedindo-lhes para desocuparem a fração E, o que estes se comprometeram fazer sem nunca realizar; .

    Assim, jamais os A.A. poderão adquirir a fração E por usucapião nem muito menos a parte dela que ocupam.

    Além disso, os mesmos R.R. deduziram pretensão reconvencional, pedindo que os A.A. fossem condenados a: a) – Entregar à R. HH parte da sobredita fração E; b) – A pagar aos reconvintes a quantia de € 175,00 mensais, pela ocupação ilegal dessa fração desde 01/01/1989, perfazendo os seguintes montantes, acrescidos de juros: - em relação aos R.R. CC e DD, o de € 6.300,00; - em relação aos R.R. EE e FF, o de € 16.800,00; - em relação à R. HH, o montante de € 7.875,00.

    3.

    Os A.A. deduziram réplica, opondo-se à junção de documentos apresentados com a contestação e defendendo-se quanto à matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência.

    Requereram também a intervenção principal para o lado passivo dos 20 condóminos, identificados a fls. 187/v.º e 188.

    4.

    Notificados para se pronunciarem sobre a exceção de ineptidão da petição inicial, os A.A. deduziram o articulado reproduzido a fls. 38/v.º a 42/v.º, vindo aditar o pedido de anulação da escritura de compra e venda, tendo ainda reiterado que: .

    Os A.A. apenas exerceram a sua posse sobre a 1.ª unidade da fração E com a área de 56 m2 e as confrontações já referidas, verificando-se uma total autonomia dessa unidade a favor daqueles; .

    Estão preenchidos os requisitos legais para serem destacadas as duas unidades da fração E e constituída a pretendida propriedade horizontal por usucapião. 5.

    Subsequentemente, foi proferido o despacho saneador reproduzido a fls. 31/v.º-37/v.º, em que, no que ora interessa consignar: i) – Foi julgada improcedente a invocada exceção de ineptidão da petição inicial, relativamente ao primeiro pedido formulado; ii) – Foram julgados improcedentes os pedidos dos A.A. sobre: - o reconhecimento do direito do seu direito de propriedade da segunda loja do 1.º andar designada pela letra E, com base na aquisição originária por usucapião; - a realização das pretendidas comunicações às entidades competentes para retificação e averbamento e inscrição da fração autónoma; - a condenação dos R.R. a obter autorizações e obras necessárias, junto das entidades competentes, para que a 2.ª unidade seja destacada pelos primitivos proprietários e objeto de propriedade horizontal com o reconhecimento do direito de propriedade dos A.A. sobre a 1.ª unidade; - o reconhecimento por parte do R.R. do direito de propriedade dos A.A. sobre a 1.ª unidade da fração E com fundamento em usucapião.

    iii) – Foram também julgados inadmissíveis os pedidos reconvencionais formulados pelos R.R. contestantes, em virtude do decaimento dos pedidos dos A.A. acima referidos.

    Afora isso, foi ordenando o prosseguimento da ação para conhecer da pretensão dos A.A. sobre a anulação da escritura de compra e venda celebrada em 23/03/1985, por erro na declaração identificadora da fração ali alienada.

    6.

    Inconformados com tal decisão, na parte em que decaíram, os A.A. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de …, tendo ali o Exm.º Relator convidado as partes a pronunciar-se sobre a eventualidade de ser equacionada a possibilidade de usucapião de parte de fração autónoma, mas colocando-se a questão de, nesse caso, a pretensão poder improceder por não figurarem todos os elementos necessários para esse efeito, tais como as permilagens das duas frações que resultaria da divisão, as áreas de ambas, o fim a que se destinam, as suas confrontações e a designação que deviam ter.

    7.

    Na sequência desse convite, os A.A. apresentaram a peça de fls. 198/ v.º a 199/v.º, com indicações das áreas, confrontações, valores patrimoniais e permilagens da fração E e das duas...

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