Acórdão nº 4174/16.0T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelSOUSA LAMEIRA
Data da Resolução18 de Setembro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO l.

AA, S.A., intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB - Sociedade Unipessoal, Lda.

, alegando: Celebrou com a Ré dois contratos para a prestação de serviços de transporte internacional de mercadorias, um com a finalidade de abastecimento de uma loja de roupa na Bélgica e outro para uma exposição dos seus produtos numa feira no Reino Unido, tendo ficado convencionadas as datas finais de entrega ali mencionadas.

O primeiro contrato gorou-se, pelo que contratou outra transportadora que, dentro do tempo convencionado, finalizou a entrega.

O segundo destino, embora tratando-se de uma feira internacional, a Ré tinha conhecimento do prazo certo em que deveria ter entregue a mercadoria, tanto só ocorreu depois do seu término, quando já havia sido informada que a encomenda enviada já não tinha qualquer utilidade. Suportou os custos do reenvio da primeira encomenda e ficou com a sua reputação afectada junto da primeira destinatária; suportou os custos do aluguer do stand de demonstração e venda de roupa no Reino Unido, os custos da deslocação e os encargos com os funcionários que para ali se deslocaram, ao que acresceu um prejuízo de quebra de facturação/ perda de lucro nas percentagens ali descritas, assim como uma perda de reputação da sua marca naquele mercado.

Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento de € 37.753,03, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo incumprimento das suas obrigações contratuais.

  1. A Ré citada contestou, defendendo que, quanto ao destino sito na Bélgica, a designação da loja que correspondia à morada fornecida pela Autora era divergente, tendo sido esta a razão pela qual não procedeu à entrega da mercadoria, impugnando todo o demais alegado; e que, quanto à entrega que haveria de ser realizada em Londres, não foi possível passar os bens devido a condições meteorológicas, tendo acabado por não o fazer nos dias posteriores porque a própria demandante acabou por solicitar a devolução.

  2. A Autora foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial.

    Teve lugar a audiência prévia. Foram elaborados o despacho saneador, de fixação do objecto do litígio e temas de prova.

    Procedeu-se a julgamento e após a fixação da matéria de facto a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando a ré em € 670,66, acrescidos de juros de mora vencidos, à taxa legal supletiva aplicável, desde a data da citação, e vincendos, à mesma taxa, até efectivo pagamento. 4.

    Inconformada a Autora AA, S.A., interpôs recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do …, que, por Acórdão, decidiu julgar «procedente a apelação, remetendo o apuramento do montante os danos para liquidar em execução de sentença, até ao limite do pedido, deduzido o montante fixado na decisão impugnada pelo transporte».

    5.

    A ré BB - Sociedade Unipessoal, Lda interpôs Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões: 1.

    Os presentes autos tiveram origem na acção declarativa de condenação, com processo comum, instaurada pela Autora (ora Recorrida) contra a Ré (ora Recorrente), solicitando a sua condenação no pagamento da quantia de € 27.753,03 (vinte e sete mil setecentos e cinquenta e três euros e três cêntimos) – a título de danos patrimoniais – e de € 10.000,00 (dez mil euros) – a título de danos não patrimoniais, alegadamente causados pelo incumprimento das suas obrigações contratuais, invocando, para tal efeito, o regime da responsabilidade contratual consignado no Código Civil (cf. inter alia artigos 798.º e 566.º).

  3. Em concreto, a Autora (ora Recorrida) invocou ter celebrado «[…] com a Ré dois contratos para prestação de serviços de transporte internacional de mercadorias, sendo que o objecto do contrato o transporte e entrega de mercadorias, uma com o objectivo de abastecimento de uma loja de roupa e outra para servir de exposição num «Showroom», ambas em destinos determinados e pré-definidos pela Autora.» (cf. Artigo 3.º da petição inicial aperfeiçoada – Ref. 24887713).

  4. O primeiro contrato, celebrado em 12.03.2015, tinha como destinatário a CC, com morada na Av. Charles Woeste, n.º …, 1090 Jette Belgique, Bélgica. A mercadoria deveria ter sido entregue em 16.03.2015, mas tal nunca veio a suceder (cf. artigos 4.º, 4.º B e 8.º da petição inicial aperfeiçoada – Ref. 24887713). A Autora (ora Recorrida) veio alegar que «O atraso da encomenda na Bélgica fez com que o cliente da A. não conseguisse cumprir com as suas encomendas tempestivamente, afectando assim a reputação da Autora.» (cf. artigo 34.º, alínea a) da petição inicial aperfeiçoada – Ref. 24887713). E que foi necessário proceder ao reenvio da encomenda através da FEDEX EXPRESS, outro empresa de transportes, o que fez a Autora desembolsar a quantia de € 670,66, valor pelo qual pretende ser ressarcida (cf. artigo 34.º, alínea b) da petição inicial aperfeiçoada – Ref. 24887713).

  5. O segundo contrato, celebrado em 03.07.2015, tinha como ponto de entrega «The Business Design Centre Dr. Kid – stand A45 52 Upper street Is Lington n10QH, Reino Unido.» A mercadoria transportada deveria ser apresentada na Feira Internacional de Roupa Infantil, denominada «BUBBLE – THE KIDS TRADE SHOW», prevista para os dias 12 e 13 de Julho de 2015, devendo chegar ao destino antes do início da feira (cf. artigos 5.º C, 20.º, 21.º e 22.º da petição inicial aperfeiçoada – Ref. 24887713). A mercadoria não chegou antes do início da feira, pelo que a Autora (ora Recorrida) pretende ser ressarcida pela Ré (ora Recorrente) dos custos incorridos no aluguer do stand (i.e. € 9.019,95), das despesas feitas com funcionários afectos à realização da feira (i.e. € 1.632,08) e dos lucros cessantes (contabilizados em € 16.429,43) – cf. artigo 34.º - alíneas c), d) e e) da petição inicial aperfeiçoada – Ref. 24887713.

  6. Finalmente, a Autora (ora Recorrida) considera que a sua reputação foi afectada e vem reclamar da Ré (ora Recorrente) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 10.000,00 (dez mil euros).

  7. A Ré (ora Recorrente), na sua contestação, além de pôr em causa a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais invocados pela Autora (ora Recorrida), veio defender: 6.1 No tocante ao primeiro contrato (tendo a Bélgica como país de destino), que a Autora não tinha indicado correctamente o nome do destinatário na carta de porte, não podendo pretender ser ressarcida do valor do frete que alegadamente pagou à FEDEX pelo transporte da mesma mercadoria (cf. artigo 17.º, n.º 2 da Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada - CMR).

    6.2 No tocante ao segundo contrato (tendo a Inglaterra como país de destino), que o atraso na entrega tinha sido determinado por condições meteorológicas adversas que excluiriam a responsabilidade do transportador (cf. artigo 17.º, n.º 2 da CMR), mais alegando, à cautela, na hipótese de assim não se entender, que sempre seriam aplicáveis in casu as cláusulas limitativas da responsabilidade contratual do transportador previstas na CMR (porquanto a Autora não declarou qualquer valor para efeitos de transporte nem qualquer facto de que resulte um incumprimento doloso por parte da Ré).

  8. Tendo a acção corrido os seus trâmites normais - e realizada a audiência de discussão e julgamento - o tribunal veio proferir a douta sentença de fls…., com data de 14.07.2017, na qual considerou a acção parcialmente procedente, por provada, e veio condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 670,66 (seiscentos e setenta euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva aplicável, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento (quantia essa correspondente ao frete pago à outra empresa transportadora para que fosse entregue a mercadoria destinada à Bélgica, tudo no âmbito do primeiro contrato).

  9. No que toca aos danos alegados pela Ré (ora Recorrida), pode ler-se na sentença da primeira instância: «[…] apenas provado pagamento do montante de € 670,66 (seiscentos e setenta euros e sessenta e seis cêntimos) a uma empresa concorrente da Ré, para entrega, na Bélgica, dos mesmos artigos que haviam tentado ser expedidos através dos meios desta; posto que, quanto aos gastos mantidos com o stand e com os funcionários no Reino Unido, apurando-se que a presença da Autora na feira se concretizou e não se provando uma diminuição concreta de lucros provenientes da não entrega de encomendas ou a ocorrência de outro dano, nada mais pode ser considerado.» 9.

    Inconformada com tal decisão, a Autora veio interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, no qual impugnou o julgamento da matéria de facto no tocante a dois pontos (i.e. E) e F) considerados não provados pelo tribunal a quo) e veio defender a alteração da decisão, no sentido de provados, nos seguintes termos: E) «A A. viu o seu stand completamente vazio numa das maiores feiras internacionais para comercialização mundial de vestuário infantil.» ou, assim não se entendendo, «A A. viu o seu stand completamente vazio numa das maiores feiras internacionais para comercialização mundial de vestuário infantil, no primeiro dia de feira, tendo sido expostas, no segundo dia, apenas 30 a 40 peças.» F) «O atraso da encomenda na Bélgica fez com que a cliente da A. não conseguisse cumprir as suas encomendas tempestivamente, afectando assim a reputação da Autora.» 10.

    A Autora, no seu recurso de apelação para o Tribunal da Relação de …, veio ainda suscitar a questão da alegada ressarcibilidade, como danos patrimoniais, dos gastos constantes nos Factos Provados KK), LL) e MM).

  10. A Ré (ora Recorrente) apresentou contra-alegações, na qual defendeu a manutenção da decisão da primeira instância. Infelizmente, os seus argumentos não foram acolhidos pelo Tribunal da Relação de …, o qual veio julgar a apelação procedente e remeter o cálculo da indemnização «[…] para liquidação, nos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
  • Acórdão nº 17602/21.4T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-26
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 de janeiro de 2023
    ...da facticidade apurada. A propósito daquela norma, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em 18 de setembro de 2018 (processo nº 4174/16.0T8LRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), “Este preceito corresponde ao anterior artigo 661 do CPC. Da redacção do anterior artigo 661 resultava, e continu......
1 sentencias
  • Acórdão nº 17602/21.4T8LSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-26
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 de janeiro de 2023
    ...da facticidade apurada. A propósito daquela norma, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em 18 de setembro de 2018 (processo nº 4174/16.0T8LRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), “Este preceito corresponde ao anterior artigo 661 do CPC. Da redacção do anterior artigo 661 resultava, e continu......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT