Acórdão nº 2682/16.2T8FAR.E1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | OLINDO GERALDES |
Data da Resolução | 18 de Setembro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA e BB, menores, representados pela mãe, CC, instauraram, em 10 de outubro de 2016, nos Juízos Centrais Cíveis de …, Comarca de Faro, contra DD - Companhia de Seguros, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhes as indemnizações previstas nos contratos de seguro, celebrados pelo seu pai, relativas à liquidação integral do montante de € 324 569,66, que, à data da sua morte, em 9 de março de 2015, estaria em dívida à Caixa EE, decorrente dos financiamentos efetuados para aquisição de imóveis para habitação e investimento não especificado em imóvel, as quantias mensais que, desde 9 de março de 2015, pagaram à Caixa EE, no montante de € 7 578,92, relativas às amortizações dos empréstimos concedidos, bem como as que, até efetivo e integral pagamento das indemnizações referidas, tiverem de suportar; e ainda os juros de mora, desde 9 de março de 2015, à taxa legal de 4 %, até efetivo e integral pagamento, sobre a quantia acabada de referir.
Para tanto, alegaram, em síntese, que são os únicos e universais herdeiros de seu pai, FF, tudo apontando para a morte por suicídio; em maio de 2004, FF e a então sua mulher celebraram um contrato de compra e venda, com hipoteca e fiança, tendo por objeto um prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em …, para o que contraíram um empréstimo, no valor de € 73 000,00, na Caixa EE (EE), a amortizar no prazo de trinta cinco anos, através de prestações mensais; em julho de 2010, FF e a então sua mulher celebraram um contrato de compra e venda, com hipoteca e fiança, tendo por objeto um prédio urbano, destinado a habitação, sito também em …, contraindo um empréstimo, no valor de € 260 000,00, na EE, a amortizar no prazo de quarenta e cinco anos, através de prestações mensais; na mesma data, FF e a então sua mulher contraíram ainda um mútuo, com hipoteca e fiança, no valor de € 15 000,00, na EE, para investimentos não especificados em bens imóveis; para a contração desses empréstimos, FF e a mulher celebraram, com a R., três contratos de seguros de vida e de incapacidade permanente; por efeito desses contratos, a R. está obrigada a pagar as prestações vencidas depois do falecimento de FF.
Contestou a R., alegando, em síntese, que a causa da morte foi o suicídio, acusando então o falecido vestígios ativos de canabinóides no sangue, causa de exclusão da garantia das apólices de seguro, e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Realizou-se uma audiência prévia, durante a qual foi proferido o despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 24 de março de 2017, sentença, na qual se julgou a ação totalmente procedente.
Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão de 8 de fevereiro de 2018, confirmou a sentença.
Ainda inconformada, a Ré recorreu, mediante revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:
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O Tribunal a quo interpretou incorretamente a alínea b) do n.º 5.1 do art. 2.º das condições gerais da apólice.
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O seguro contratado é facultativo, subordinado ao princípio da liberdade contratual.
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É um contrato formal escrito, cuja interpretação está subordinada às regras simultaneamente dos arts. 236.º e 238.º do Código Civil.
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O texto da cláusula em causa refere a situação de exclusão, não especificando qualquer condição nem contendo sequer qualquer expressão que sugira a dependência da exclusão também de uma terceira condição, constituída pelo nexo de causalidade entre o consumo do estupefaciente e o resultado da ação da pessoa segura.
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Ao abrigo do disposto nos arts. 236.º e 238.º do CC, é ilegítima a interpretação de tal cláusula no sentido de que a exclusão só opera se se verificar o nexo de causalidade entre o consumo de estupefaciente e o resultado da ação da pessoa segura, não decorrendo da vontade das partes que tenha sido a de subordinar a exclusão também a essa condição, que não tem no texto qualquer expressão que a sugira.
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A cláusula deve ser, por isso, interpretada no sentido literal.
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Assim, tem sido a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente nos processos 1/12.6TBALD.C1.S1, 137/11.0TBALD.C1.S1 e 907/15.0T8PTG.E1.S2.
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Foi violada a disposição do artigo 2.º, n.º 5.1, alínea b), das condições gerais da apólice. Com a revista, a Ré pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que a absolva do pedido.
Contra-alegaram os Autores, no sentido de não ser admitida a revista excecional ou, então, ser negado provimento ao recurso.
Por acórdão de 28 de junho de 2018, a Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), admitiu a revista excecional, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1, do art. 672.º do CPC, nomeadamente pela “repercussão do problema jurídico em causa e respetiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, no interesse das partes no processo”.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nesta revista excecional, está em discussão, essencialmente, a interpretação da cláusula geral do contrato de seguro, que exclui a...
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