Acórdão nº 236/14.7TVLSB.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução12 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

AA, Lda., A. e ora recorrente, interpôs recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em recurso de apelação contra a sentença proferida na acção que moveu contra BB, CC, DD; EE e FF.

A autora havia pedido a condenação dos réus a porem fim à violação dos deveres que têm para consigo decorrentes de contrato existente entre as partes e a condenação dos réus no pagamento da quantia de Euros 271.845,00 acrescida de juros contados desde a citação, acrescido do montante respeitante a quaisquer prejuízos que advenham enquanto continuar a referida violação. Alegou, em breve síntese, que, em 30.03.2005, acordou fazer a exploração cinegética das Herdades GG, HH e da II, com a proprietária JJ, pelo prazo de 6 anos, com início naquela data, pela importância anual de Euros 12.500,00. No âmbito daquele mesmo acordo a proprietária cedeu-lhe o edifício principal do monte da Herdade GG. Todavia — diz a autora — o dito acordo está sujeito ao Regime do Arrendamento Florestal (R.A.F.) previsto no DL n.° 394/88, de 08/11 (art.º 1.°, 2.°, n.°1 e 2) e não ao Novo Regime de Arrendamento Rural publicado pelo DL n.° 294/2009, de 13/10, pelo que o prazo do contrato se tinha de estender até 30.03.2015. De qualquer modo — diz a autora — sempre se teria que concluir pela existência de uma renovação tácita do contrato em Março de 2011 uma vez que continuou, depois de tal data e, pelo menos, até Fevereiro de 2012 a explorar as herdades sem oposição da respectiva proprietária, tendo-lhe enviado um cheque para pagamento da renda relativa ao período de 2011/2012 e de metade do custo da energia eléctrica, o que foi aceite.

Os réus contestaram dizendo, em síntese, o seguinte: as partes nunca configuraram o acordo como um arrendamento rural pelo que discordam da interpretação do contrato feita pela autora; a acção de consignação em depósito está extinta; a então proprietária e os réus apenas procederam a normais trabalhos de limpeza e desmatação da herdade com observância das normas legais; quanto à Herdade GG, os réus encontram-se sujeitos a uma gestão florestal que integra o processo de certificação florestal ESC do Grupo LL mediante o qual estão obrigados a cumprir princípios e critérios quanto a normas ambientais, boas práticas, bem como normas respeitantes à saúde, higiene e segurança no trabalho; apenas se procedeu à desmatação de uma parte da Herdade GG, o que é fundamental como prevenção de incêndios; foi efectuada uma inspecção pela GNR/SEPNA que nenhuma ilegalidade detectou; foi a autora que, sem autorização, colocou cadeados impedindo o livre acesso às herdades. Os réus não retiraram quaisquer bens. Os réus impugnam os danos invocados pela autora que, segundo dizem, pratica uma actividade fora do seu objecto social e terminam pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Na sentença foi decidido: “Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, condeno os RR a pagarem à A a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora, vencidos a partir deste momento até efectivo e integral pagamento. No mais, absolvo os RR”.

No acórdão do Tribunal da Relação foi decidido: “conceder provimento ao recurso e, consequentemente, em revogar a sentença apelada, indo agora os réus absolvidos. Custas a cargo da apelada porque ficou vencida.” 2.

Inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação dele apresentou recurso de revista a A., formulando as seguintes conclusões (transcrição): A.

“O Tribunal a quo (sufragando a posição dos Recorridos) concedeu provimento ao recurso e revogou a sentença apelada, absolvendo os Réus do pedido, em suma, porque considerou que o Acordo objecto dos presentes autos consubstancia um contrato de cedência de exploração de recursos cinegéticos que, no que diz respeito a prazo, beneficia do princípio da liberdade contratual, escapando, assim, à imperatividade dos prazos referentes a contratos de arrendamento, pelo que, tal Acordo podia ter a duração de 6 anos e, dessa forma, terminou a sua vigência em 31.03.2011.

B.

O Tribunal de 1ª Instância (acolhendo em parte o defendido pela Recorrente), ao invés, entendeu que o Acordo encerrava um arrendamento rústico florestal para fim cinegético, sujeito ao Regime Jurídico do Arrendamento Florestal, aprovado pelo DL 394/88, de 8 de Novembro, então em vigor, e que, como tal, tal Acordo teria de ter uma duração mínima de 10 anos, por força da norma imperativa prevista no artigo 7.º, n.º 2, deste diploma, e que, por isso, só terminaria em 31.03.2015.

C.

Como fundamento da sua decisão, o Tribunal a quo fez apelo a argumentos que, do ponto de vista da Recorrente, não procedem.

D.

Em primeiro lugar, crê-se que razões de interesse público justificam que o Estado possa conceder a exploração de recursos cinegéticos por prazos mínimos e máximos mais curtos (6 e 12 anos, respectivamente – vd. art.º 33.º do Dec. Lei 202/04, de 18 de Agosto) do que aqueles que impõe aos particulares na relação entre si no âmbito de um arrendamento florestal para fim cinegético (10 e 70 anos, respectivamente – vd. art.º 7.º do DL 394/88, de 8 de Novembro).

E.

Com efeito, para que o Estado possa concessionar a gestão de recursos cinegéticos a privados é necessário que estes cumpram determinados requisitos e observem os termos previstos, à época, na Lei de Bases Gerais da Caça, aprovada pelo Dec. Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro (vd. arts. 12.º e 16.º), e no diploma que a regulamentou, o citado DL 202/04, de 18 de Agosto (vd. 35.º e segs.).

F.

Ora, a estipulação de prazos mínimos e máximos curtos para a concessão de zonas de caça permite a revisão e confirmação periódica e regular de que os ditos requisitos e termos continuam a verificar-se, com vista à prossecução dos objectivos da política de caça instituída para todo o território nacional e, em concreto, para a realização de uma exploração cinegética equilibrada e sustentável.

G.

Tais razões não existem na relação que se estabelece entre particulares, in casu, entre a titular das concessões das zonas de caça turística em causa nos autos (a Mãe dos ora Recorridos, JJ – vd. factos provados n.ºs 16. e 17.) e a ora Recorrente.

H.

Acresce que, ao invés do que consta do Acórdão recorrido a este respeito, à luz do art.º 2.º, n.º 1 e 2, alínea c), do DL 394/88, de 8 de Novembro, parecem não resultar dúvidas de que se um prédio rústico fosse entregue para fins de exploração cinegética, como aconteceu...

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