Acórdão nº 19051/10.0YYLSB-A.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução21 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Revista n.º 19051/10.0YYLSB-A.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[2] I – RELATÓRIO[3] 1.

A AA SA deduziu, em 13/12/2010, oposição à execução comum para pagamento de quantia certa instaurada por BB, pugnando pela extinção da execução.

1.1.

Alegou, em síntese: - a garantia bancária por si emitida e junta ao requerimento executivo destinava-se a assegurar à Beneficiária/Exequente o pagamento das mercadorias que esta viesse a fornecer e facturar à Ordenante CC; - e não a garantir o pagamento de obrigações tituladas em facturas já emitidas e vencidas antes da data da emissão dessa garantia, pois isto seria uma assunção de dívida; - a factura junta ao requerimento executivo tem data de emissão e data de vencimento anteriores à da emissão da garantia; - como o incumprimento das obrigações abrangidas pela garantia deveria ocorrer dentro do prazo de validade da garantia, a CGD não está obrigada a honrá-la; - a garantia só poderia ser accionada contra a expedição da mercadoria constante das notas de encomenda nela aludidas, mas resulta dos documentos juntos pela Exequente que isso não aconteceu; - a garantia bancária foi prestada pela CGD no desconhecimento de que estava em curso um litígio judicial entre a Ordenante e a Beneficiária.

1.2.

Na contestação a Exequente sustentou a improcedência da oposição, invocando, em resumo: - resulta do texto da garantia bancária que garante a obrigação da CC relacionada com o fornecimento das mercadorias listadas nas notas de encomenda nela referidas, que a Exequente teria de declarar que o incumprimento da obrigação de pagamento ocorreu dentro do prazo de validade daquela, sendo certo que a mercadoria foi entregue no período de validade da garantia; - o título executivo é uma garantia bancária autónoma, - pelo que a CGD não pode opor à exequente as excepções relativas quer à relação jurídica celebrada entre si e a CC, quer à relação jurídica garantida; - esta garantia bancária autónoma foi constituída por ordem do Tribunal de Gante no âmbito de uma acção judicial movida pela CC contra a ora Exequente; - o Tribunal de Gante condenou a CC a pagar à ora exequente a quantia de 445.353,00 € acrescido dos juros à taxa convencional de 0,8% por mês a contar de 01/01/2009 até à data do pagamento integral e é esse o pedido da exequente.

  1. Por saneador-sentença proferido em 18/12/2015 foi julgada improcedente a oposição, determinando-se, em consequência, o prosseguimento da execução.

  2. Inconformada, apelou a Executada, tendo a Relação de Lisboa, por douto acórdão de fls. 502 e ss., julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença recorrida.

    5.

    Uma vez mais inconformada, interpôs a Executada recurso de revista para este S.T.J., o qual finda mediante as seguintes conclusões: 1. Relativamente à questão da nulidade do douto despacho saneador/sentença por violação do contraditório, tendo o Tribunal de primeira instância prolatado decisão surpresa quanto à natureza da garantia como sendo on first demand, o que determinou a não prossecução dos autos de oposição para julgamento, o Tribunal de primeiro grau verdadeiramente não se pronunciou sobre esta nulidade usando uma fundamentação-tipo ou modelo, absolutamente "redonda", que não explicou nem fundamentou quais as razões que estiveram subjacentes à sua decisão; 2. E, não procede a este respeito a douta argumentação do Tribunal da Relação segundo a qual a "executada está patrocinada por Advogado, não podendo por isso desconhecer que é no articulado de oposição que devem ser deduzidos os fundamentos da sua defesa"; 3. Com efeito, no requerimento inicial executivo a exequente não refere que a garantia bancária dada à execução constitui uma garantia bancária automática e on first demand; bem pelo contrário alude expressamente à relação causal -Contrato de Distribuição exclusiva das roupas de marca DD para Portugal outorgado entre a exequente e a ordenante da Garantia Bancária - aludindo que com base nesse mencionado contrato de distribuição, a CC encomendou diversas mercadorias através das suas notas de encomenda n.°s 36534, 36608, 36609, 36610, 36611, referentes à coleção Outono-lnverno de 2008, e que na sequência das referidas encomendas, a Exequente emitiu a fatura n.° 80093, de 11 de Abril de 2008, que não foi paga, tendo a garantia bancária sido constituída por ordem do Tribunal Comercial de Gante, por sentença proferida em 3 de Setembro de 2008, para que a ora Exequente procedesse à entrega dos bens encomendados, ou seja aludindo expressamente aos contornos fácticos que compõem a relação causal, assim interpretando que a garantia bancária que deu à execução não era on first demand; 4. A decisão surpresa residiu, assim, no facto de nos articulados respeitantes ao apenso de oposição à execução as partes terem tratado e discutido a relação causal, ou seja tudo apontando para que ambas consideravam a garantia bancária como não sendo assim uma garantia on first demand, tendo o Tribunal de primeiro grau - sem dar oportunidade de previamente a opoente se pronunciar - decidido enquadrar e qualificar a Garantia Bancária como garantia on first demand.

  3. Assim, pretender que à opoente e aqui impugnante foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre esta questão é afirmar que esta tinha a obrigação na sua oposição de tratar a garantia bancária dada à execução como garantia on first demand, o que foi algo gue nem a própria exequente fez no seu reguerimento inicial executivo, sendo certo que à época estava em vigor a versão do CPC dada pelo DL 38/2003, que no art. 817° n° 2 estipulava que "se for recebida a oposição, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se sem mais articulados, os termos do processo de declaração" pelo que não podia a CGD pronunciar-se sobre a contestação à oposição sem para tal ser notificada; 6. Também se não pode aceitar que esta questão tenha sido tratada no incidente de caução, apenso aos autos principais, que igualmente foram objeto de douto Acórdão do TRL; com efeito, a qualificação da garantia dada à execução foi matéria que nem sequer foi objeto de discussão entre as partes nesse dito apenso, nem tinha que o ser atendendo a que tai apenso não se destinava nem destina a discutir as questões atinentes aos autos principais; 7. Assim, ao não ter cumprido com o princípio do contraditório foi omitido um acto que a lei processual prevê - art. 3o n° 3 do CPC - estando assim o processo - e, consequentemente, a douta sentença que se lhe seguiu, bem como os demais actos processuais subsequentes inquinados com este vício que determina a respetiva nulidade; 8. Quanto à questão do pagamento da garantia dada à execução a aqui impugnante defendeu-se na sua oposição à execução - entre outros argumentos - com o argumento de que a garantia em causa se destinava a assegurar à beneficiária da mesma o pagamento das mercadorias que viesse a fornecer e a faturar à respetiva ordenante (CC), e não a garantir o pagamento de obrigações tituladas em faturas já emitidas e vencidas antes da data da emissão da sobredita garantia, que ocorreu em 07.10.2008; com efeito, a fatura n° 80093 que constitui o doe. 1 junto ao requerimento executivo e na qual se funda a execução da garantia bancária encontra-se datada de 11.04.2008, e apresenta como data de vencimento 19.04.2008.

    ou seja uma data anterior à data de emissão da garantia; 9. No entendimento da CGD a garantia bancária em causa não tem nem podia ter eficácia retroativa: O seu período de validade decorre desde o dia 07.10.2008, data da sua emissão, até 26.01.2009 (acrescidos de 10 dias para expedição postal) não abrangendo obviamente obrigações já vencidas á data da sua emissão; 10. Defendeu ainda a CGD que de acordo com a teoria da impressão do destinatário do texto da Garantia Bancária sub judice não se retira que a aqui apelante se tenha obrigado a pagar créditos já vencidos, como seria natural que sucedesse, se o Banco aqui apelante quisesse assumir a responsabilidade pelo seu pagamento; 11. Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa no douto Acórdão agora sob recurso entendeu que a dívida a que respeita a cobertura da garantia bancária só se venceu em 1 de janeiro de 2009, ou seja em momento posterior ao momento da emissão da garantia bancária, pelo que considerou improcedentes as razões supra explanadas nestas alegações, o que a CGD repudia; 12. Inexiste neste processo matéria de facto considerada provada - e que como tal conste da douta fundamentação de facto -, que considere provado que a fatura n° 80093 se venceu em 01.01.2009, atendendo o que desta consta é que um Tribunal estrangeiro considerou provado tal facto, o que não é a mesma coisa: 13. Mesmo que se considere que efetivamente consta da douta fundamentação de facto dada (agora) pelo TRL que a fatura n° 80093 se venceu em 01.01.2009 tal conclusão deve ser sindicada pelo STJ atendendo a que o Tribuna! não poderia ter dado como provado este facto neste processo com base em sentença dada em processo no qual a CGD não participou nem foi chamada a intervir e que nem sequer se sabe se transitou ou não em julgado; 14. Não podia o TRL considerar provado o facto" o vencimento da fatura n° 80093 ocorreu em 01,01.2009" com base em certidão judicial emitida por Tribunal estrangeiro em processo no qual a CGD nunca foi chamada nem interveio, proferida em processo em que intervieram a ordenante da garantia e a beneficiária desta; 15. Transportar facto como constituindo um facto provado para efeitos da presente oposição à execução constitui pura e simplesmente conferir à decisão prolatada pelo Tribunal estrangeiro um valor de caso julgado que a mesma não tem nem pode ter; 16. No âmbito da norma do art. 674° n° 3 do CPC pode o STJ - ofensa de disposição expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - proceder à apreciação dos factos materiais da causa, isto sem prejuízo de se entender que esta opção apenas se convoca em...

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