Acórdão nº 1040/12.2TBLSD-I.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Julho de 2018
Magistrado Responsável | HENRIQUE ARAÚJO |
Data da Resolução | 12 de Julho de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA, residente no lugar ..., …, ... intentou acção declarativa contra BB, com domicílio profissional no ..., R/CH, Apartado … ..., pedindo a condenação deste na quantia de 260.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data da citação até integral pagamento, alegando, em síntese, que: - Na acção de declaração de insolvência da CC, foi o Réu nomeado administrador da insolvência; - Nesse processo foram apreendidos para a massa insolvente três prédios e alguns móveis; - O Réu, na qualidade de administrador da insolvência, optou pela venda dos bens apreendidos na modalidade de proposta sem recorrer a mediador oficial; - Os bens imóveis foram vendidos por preço muito inferior ao real.
Regularmente citado o Réu contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a sua ilegitimidade activa, por preterição de litisconsórcio necessário, e a incompetência do tribunal em razão do território. Por impugnação, refere, no essencial, que: - O valor atingido foi o possível no mercado real e depois de muitas outras tentativas frustradas anteriores; - Nada impedia o autor e outros interessados de terem adquirido por preço superior os referidos bens; - Era do interesse do réu vender os imóveis por um valor mais elevado, pois quanto maior fosse o valor de venda dos imóveis, maior seria a sua remuneração variável; - Quando foi citado para esta acção ficou fortemente afectado no seu estado psíquico, emocional e físico.
Deduziu reconvenção peticionando a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 100.00,00 €.
Concluiu pedindo a improcedência da acção, a procedência da reconvenção, e também a condenação do autor como litigante de má fé.
No despacho saneador as excepções foram julgadas improcedentes e a reconvenção não foi admitida.
A final, foi proferida sentença na qual se julgou improcedente a acção, com a consequente absolvição do Réu O Autor interpôs recurso de apelação, tendo a Relação do Porto confirmado a decisão da 1ª instância, ainda que com voto de vencido.
Recorre agora o Autor para o STJ, rematando as alegações da revista com as seguintes conclusões: 1. O primeiro aspecto que resulta expressamente do art. 1º do CIRE é assim, claramente, o de que o objectivo principal do processo de insolvência é a garantia patrimonial dos credores. Daí que, os interesses que o administrador da insolvência deve priorizar são os "interesses dos credores".
-
O legislador consagrou a possibilidade de responsabilidade civil do administrador da insolvência em casos de danos causados ao devedor, aos credores da insolvência e da massa insolvente, pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem.
-
A culpa nesses casos será apreciada de acordo com a mesma regra que é aplicável aos gerentes e administradores das sociedades comerciais, ou seja, atendendo aos parâmetros de diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado (artigo 59.
0 nº 1 do CIRE e artigo 64° a) do CSC).
-
Sobre o Administrador da Insolvência impende um dever geral de cuidado que pode ser definido como a adstrição a observarem, no exercício das suas funções, a diligência e o cuidado exigíveis a uma pessoa medianamente prudente, colocada em circunstâncias semelhantes, tendo sempre presente o interesse dos credores.
-
Este dever geral de cuidado subdivide-se entre outros, no dever de actuar correctamente na preparação do processo decisório e o "dever de tomar decisões (substancialmente) razoáveis”.
-
Este último sub-dever (o "dever de tomar decisões (substancialmente) razoáveis) é o que melhor caracteriza o contexto que rodeia o exercício das funções de administração da insolvência.
-
Para cada caso existem diversas alternativas razoáveis de decisão. A alternativa será razoável não apenas quando representar a decisão óptima, mas desde que atenda ao interesse dos credores, ou melhor dizendo à "maximização da satisfação dos interesses dos credores" (art. 12º, n° 2 do Estatuto dos Administradores Judiciais) 8. A necessária discricionariedade da actuação do administrador da insolvência vigora enquanto se contiver nas margens da razoabilidade.
-
Para aferir do cumprimento do dever de cuidado, a lei manda ponderar, ainda: a "diligência de um administrador criterioso e ordenado" (art. 59 nº 1 do CIRE).
-
Trata-se de juízo mais exigente do que o que resulta da comum diligência de "um bom pai de família", na medida em que a observância do dever de cuidado tem de ser reportada não a um cidadão comum, mas antes a "especialistas fiduciários, que gerem bens alheios", ou seja, a administradores profissionais dotados de especiais qualidades e competências e conhecedores das mais adequadas técnicas.
-
Temos assim que a responsabilidade do administrador de insolvência só será de excluir se se provar que este no âmbito do dever de cuidado a que está adstrito, cumulativamente, obteve razoável informação no processo de tomada de decisão e tomou decisões razoáveis e adequadas.
-
O administrador que tomar uma decisão desinformada estará descumprindo com o dever de cuidado. As decisões desinformadas ou sem o nível mínimo de informação serão presumivelmente irrazoáveis.
-
O que está em causa não é apenas o bom exercício das funções deste administrador, mas sim todo um conjunto de consequências que daí possam advir. O administrador deverá, pois, prover à otimização das possibilidades de pagamento aos credores e às perdas patrimoniais que haja evitado à massa.
-
Responsabilidade é a obrigação de responder pela acções próprias, pelas dos outros ou pelas coisas confiadas. A responsabilidade do administrador, presente nos nºs 1 e 2 do artigo 59.°, é a responsabilidade civil extracontratual. Ele é servidor de justiça e do Direito, e como tal, deverá mostrar-se digno da honra e das responsabilidades que lhe são inerentes. A responsabilidade do administrador pela prática dos seus próprios actos reconduz-se à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos.
-
O artigo 483.
0 n.º 1 do Código Civil é o preceito central deste tipo de responsabilidade compilando os requisitos que ela exige: aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica o brigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
-
Desde logo, Antunes Varela explica que é necessária, em primeiro lugar, a existência de um facto voluntário do agente, que mostre a vontade do homem de praticar aquela conduta, não se tratando de um mero facto natural; que esse facto praticado pelo homem consista numa ilicitude, isto é, que ele infrinja objetivamente qualquer das regras disciplinadoras da vida social; que haja culpa da sua parte; que em virtude do facto praticado pelo lesante ocorra um dano na esfera do lesado; e, por fim, que se verifique um nexo de causalidade entre a conduta praticada pelo homem e o dano causado à pessoa lesada, ou seja, que o lesado se encontre naquelas condições por consequência de acto praticado pelo lesante.
-
Ora, conforme se alcança dos autos, a conduta do R./Recorrido preenche todos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Na verdade, a venda dos bens da massa pelo R. (facto voluntário) violou os mais elementares deveres de cuidado a que estava adstrito (ilicitude), merecendo a sua conduta a reprovação ou censura do direito, uma vez que pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, o R. podia e devia ter agido de outro modo( culpa), pelo que assim não agindo o R. impediu o A./Recorrente de ser pago pelo menos de parte do seu crédito (dano) tendo a venda sido a causa do prejuízo do A.(nexo de causalidade) 18. A conduta o R. é de tal forma ilícita e reprovável que: -O prédio da verba nº 1 foi vendido por um preço correspondente a 4.05% do seu valor real ou de mercado.
-O prédio da verba nº 2 foi vendido por um preço correspondente a 4.97% do seu valor real ou de mercado -O prédio da verba nº 3 foi vendido por um preço correspondente a 3.42 % do seu valor real ou de mercado 19. Ou seja, o preço da venda dos prédios foi um preço anormalmente baixo, isto é um preço que escapa a toda a lógica de mercado, irrazoável, sem qualquer justificação. Foi aquilo que na prática se chama de "preços ao desbarato", podendo mesmo dizer que se tivesse aparecido um comprador a oferecer €1,00 por cada prédio, o Réu tinha vendido.
-
E com toda a certeza pode também dizer-se que dado o carácter ruinoso do negócio, a actuação do R./Recorrido não foi seguramente no interesse dos credores.
-
No interesse dos credores o R./Recorrido tinha o dever de evitar que a venda dos bens da massa insolvente se fizesse por um valor desajustadamente diminuto.
-
A representação legal decorrente da nomeação do R. como Administrador de insolvência não é salvo conduto para o arbítrio, consentindo na celebração do negócio em desequilíbrio dos interesses dos credores.
-
O preço da venda dos imóveis apreendidos para a massa falida deveria ser um preço justo de harmonia com a regras da oferta e da procura no mercado imobiliário e não uma venda por qualquer preço.
-
O R/Recorrido, ao promover a venda dos bens apreendidos sem indicar qualquer valor base para as propostas, anunciando que os bens seriam vendidos ao melhor preço oferecido sem limite mínimo, ingenuamente ou incautamente, abriu a porta para que os potenciais compradores em conluio (em cartel) se organizassem para apresentar uma única proposta de valor muito abaixo do valor real e de mercado, que obviamente seria a vencedora, repartindo futuramente entre todos os lucros que viessem a obter numa futura venda.
-
Era exigível ao R/Recorrido (o que aliás é do domínio público) o conhecimento destes esquemas de supressão de propostas os quais envolvem acordos entre os concorrentes nos quais um ou mais potenciais compradores estipulam abster -se de concorrer para que a proposta, (por norma muito abaixo de preço real ou...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO