Acórdão nº 165/15.7JAFUN.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelMANUEL BRAZ
Data da Resolução08 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: O tribunal de 1ª instância, em formação colectiva, decidiu: 1 - Condenar o arguido AA: -na pena de 18 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea d), do Código Penal; -na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CP; -na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº 254º, nº 1, alínea a), do CP; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 22 anos de prisão; 2 - Absolver a arguida BB relativamente a um crime de homicídio qualificado; 3 - Condená-la: -na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 1, do CP; -na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº 254º, nº 1, alínea a), do CP; e -em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão.

4 – Condenar os arguidos/demandados no pagamento de indemnizações civis.

Dessa decisão, interpuseram recurso para a Relação de Lisboa o Ministério Público, o assistente CC e os arguidos. Por acórdão de 29/06/2017, esse tribunal decidiu julgar: -improcedentes os recursos dos arguidos; -procedentes os recursos do MP e do assistente, alterando a decisão sobre matéria de facto e condenando a arguida BB: -na pena de 18 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas d) e j), do CP; e -em cúmulo jurídico dessa pena com as penas que lhe foram aplicadas em 1ª instância pelos crimes de roubo e de profanação de cadáver, na pena única de 20 anos de prisão.

Do acórdão da Relação interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça ambos os arguidos, concluindo nos termos que se transcrevem (transcrição): AA: «1- O presente recurso versa matéria de direito.

2- Dá-se por reproduzido o relatório social do arguido.

3- O arguido foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado p.p. pelos artigos 131 e 132 nº 2 aI. d) do C.P. numa pena de 18 anos de prisão; na pena de 5 anos de prisão pela prática em co-autoria material de um crime de roubo p.p. pelo artigo 210 nº 1 do C.P.; na pena de um ano e seis meses de prisão pela prática em co-autoria material de um crime de profanação de cadáver p.p. pelo artigo 254 nº 1 aI a) do C.P., e em cúmulo jurídico na pena de vinte e dois anos de prisão.

4- Não se conforma o recorrente por ter sido condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado (artigos 131 e 132 nº 2 aI d) ambos do C.P.) por não existirem elementos suficientes para se concluir pela agravação.

5- A aplicação de uma pena de 22 anos de prisão é deveras exagerada e desproporcional pela prática dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado.

6- Tomando-se ainda mais injusta e injustificáve1 quando comparada com a pena aplicada à co-arguida BB, a qual foi condenada em co-autoria pelos mesmo crimes pelos quais foi o recorrente condenado tendo-lhe sido aplicada uma pena de 20 anos de prisão.

7- Constatando-se assim uma violação do artigo 13 da C.R.P. e 70 do C.P.

8- Na verdade, apesar da co-arguida ter sido condenada pelos mesmos crimes que o recorrente, de não os ter confessado e de não ter mostrado qualquer arrependimento foi beneficiada com uma pena inferior à aplicada ao recorrente.

9- O acórdão do qual se recorre não valorizou condignamente o facto do arguido ter confessado os factos mostrando arrependimento pelos actos praticados e fundamentalmente por ter colaborado no sentido de indicar a localização do corpo da vítima, pois se não o tivesse feito não teria sido possível apurar do paradeiro do corpo da vítima com as consequências nefastas daí advenientes.

10- Por outro não possui antecedentes criminais.

11- Apesar de ter tido uma infância e adolescência votado ao abandono sem qualquer apoio familiar e institucionalizado muito precocemente desenvolveu aptidões de afabilidade e de apaziguamento, revelando uma personalidade afável sendo estimado por aqueles que o rodeavam.

12- Todos os factores assinalados e ponderados permitem concluir por uma menor necessidade de uma pena de 22 anos de prisão.

13- Assim a pena a aplicar ao recorrente não deveria ultrapassar os 18 anos de prisão.

Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso.

Assim se fará Justiça».

BB: «1. Vem este recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou o acórdão com o nº 165/15.7JAFUN da Comarca da Madeira - Juízo Central Criminal do Funchal - Juiz 2, perante Tribunal de Júri, em termos que aqui se dão por reproduzidos integralmente para todos os efeitos legais.

  1. A arguida não aceita a condenação pelo Tribunal da Relação de Lisboa no crime de homicídio, após absolvição em 1ª instância - Tribunal de Júri, porque, simplesmente não o praticou, não tendo o domínio do facto desse mesmo homicídio.

  2. O Tribunal da Relação, decidindo como decidiu, em clara oposição ao acórdão do Tribunal de Júri do Funchal, conforme podemos verificar da leitura do mesmo acórdão, condenou a arguida pela prática do crime de homicídio, de forma alguma sustentada e seguindo toda uma linha de argumentação lateral a uma decisão de Direito que referiremos em toda a motivação.

  3. Inconstitucionalidade das normas conjugadas do nº 3 do artº 412º, nº 8 do artº 414º, aI. c) do nº 3, nº 2 e nº 1 do artº 419º, 428º, aI. b) do artº 431º e nº 2 e aI. c) do nº 1 do artº 432º, todos do CPP, na interpretação normativa: A arguida foi julgada em 1ª instância em Tribunal de Júri e aí absolvida do crime de homicídio.

    Por interposição de recurso por parte do Ministério Público e do Assistente, o acórdão recorrido modificou a decisão sobre matéria de facto do Tribunal de Júri, procedendo a um novo julgamento alterando a decisão do primeiro em sentido oposto a este, tirando ilações e conclusões de factos, fazendo uma análise oposta dos elementos de prova, debruçando-se sucintamente sobre o crime de homicídio em si, gerando projecções de probabilidade/ália, suscitando a final inúmeras perguntas sem resposta, não passando despercebidas na leitura da decisão por um homem médio e sem paixões que a consideraria insuficientemente esclarecida, que oficiosamente poderão ser conhecidos ex officio nos termos do artº 434º do CPP e em jurisprudência unânime do Tribunal Supremo.

    Na verdade, a voz autorizada do Exmo. Senhor Juiz António Silva Henriques Gaspar, actual Presidente deste Supremo Tribunal, no texto que publicado tendo em conta a "nova estrutura do recurso das decisões do tribunal de júri” com "a entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, não só se passou a admitir o recurso para a Relação dos acórdãos do Tribunal de Júri, como se passou a admitir que esse recurso fosse da matéria de facto através da impugnação da prova nos termos do nº 3 do artº 412º do CPP, como, além disso, e como se tal não bastasse, na conferência (artº 419º do CPP), a colegialidade e a circularidade na intervenção dos juízes, na prática, passaram a não existir ou foram substancialmente reduzidas”, prosseguindo o Exmo. Sr. Juiz, "o que veio a final, explanar numa fragilização e menorização do princípio democrático que sustenta, em projecção real e simbólica, a intervenção de júri na administração da justiça pois que”, acrescenta ainda, "a afirmação do princípio democrático traduzida na intervenção dos cidadãos no tribunal de júri não se coordena com a possibilidade de reapreciação da matéria de facto por outro órgão que não tenha idêntica fonte de constituição e legitimidade. A reapreciação só deveria caber a outra formação do júri, embora de constituição mais alargada (…) A restrição da constituição do colégio nas formações de julgamento, bem como a consequente menor circularidade que resulta da revisão, contribuem para o enfraquecimento substancial da função material da colegialidade” (in Revista Portuguesa de Ciência Criminal Ano 18, nºs 2 e 3, Abril - Setembro de 2008, págs. 347 e seguintes).

    Da conjugação interpretativa de referidas normas, não se retira que o Tribunal da Relação, em acórdão revogatório de decisão de Tribunal de júri, tenha campo e espaço normativo para efectuar ex novo, um segundo julgamento da matéria de facto, com a intervenção normativa que explanámos em 1.1, vindo à luz do dia toda uma convicção distinta, incluindo até, factos instrumentais considerados assentes, mas ausentes do elenco dos factos provados.

    A caracterização democrática do julgamento em Tribunal de Júri, onde três juízes de carreira e quatro cidadãos (sendo que a sua escolha obedece a um regulamento exigente e ponderado) é posta em causa, tout court, numa decisão de um Tribunal superior tomada por 2 (dois) Srs. Juízes, em que um Sr. Juiz é relator e o outro adjunto, e que de forma constante no tempo trabalham juntos, com tudo o que isso implica de tendencial homogeneidade decisória.

    Nesta decorrência, e alicerçada na decisão do Tribunal da Relação já acima caracterizada, a arguida invoca a inconstitucionalidade da interpretação normativa das normas conjugadas do nº 3 do artº 412º, nº 8 do artº 414º, aI. c) do nº 3, nº 2 e nº 1 do artº 419º, 428º, aI. b) do artº 431º e nº 2 e aI. c) do nº 1 do artº 432º, todos do CPP, na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, na qual o Tribunal da Relação, por acórdão revogatório por interposição de recurso de acórdão absolutório de Tribunal de Júri, vem efectuar ex novo, um segundo julgamento da matéria de facto, por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts. 2º, 3º e nº 1 e 4º do artº 20.° da CRP) e os seus subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança.

  4. Inconstitucionalidade das normas conjugadas no nºs 2 e 3 do artº 410º e 434º do CPP, nos termos de interpretação normativa da conjugação dos artºs 400º "a contrario”, nº 2 e 3 do artº 410º, alínea b), do nº 1 do artº 432º e 434º, todos do CPP.

    O acórdão revogatório do Tribunal da Relação emanou do...

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