Acórdão nº 1008/14.4YRLSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução03 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Tribunal recorrido: Tribunal da Relação de Lisboa + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA S.A. e BB, S.A. intentaram, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ação de impugnação contra CC, SA, DD, SA, EE, SA, FF, GG, SUCURSAL EN ESPANA, HH, SA, II, S.A., JJ, SUCURSAL EN ESPANA, KK- SUCURSAL EN ESPANA, FF GG e BANCO EUROPEU DE INVESTIMENTO, visando a anulação do acórdão arbitral proferido no respetivo processo.

Proferida decisão final neste Supremo Tribunal e remetido o processo para o Tribunal da Relação de Lisboa, atravessaram as partes requerimento dirigido ao relator - e ao abrigo do disposto nos art.s 6º, nº 7, conjugado com o art. 14º, nº 9, ambos do Regulamento das Custas Processuais (RCP) - onde pediram a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ou, caso assim se não entendesse, “em alternativa” (devem ter querido dizer “subsidiariamente”), a dispensa de uma fração sempre superior a 90% do valor decorrente da mera aplicação da Tabela I anexa ao RCP.

Alegaram, em síntese, que, tendo a causa o valor de € 25.788.190,60 sempre teriam de proceder ao pagamento, a final, do remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor excedente a € 275.000,00, do que resultaria para cada uma delas um encargo final (taxa de justiça da ação e taxa de justiça do recurso que fora interposto para o Supremo Tribunal de Justiça) de € 468.422,18. Porém, um tal encargo está absolutamente desajustado à contrapartida (encargos judiciários prestados) que visa compensar.

Sobre o assim requerido recaiu acórdão, que indeferiu a pretensão.

Inconformadas com o decidido, recorrem ambas as partes para este Supremo Tribunal de Justiça.

Da respetiva alegação extraem os Réus DD, S.A. e Outros as seguintes conclusões:

  1. O presente recurso tem por objecto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que considerou que caberá aos Recorrentes proceder, nos termos do artigo 14°, n° 9 do RCP, ao pagamento da taxa de justiça remanescente correspondente ao seu impulso processual e julgou improcedente pedido de dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

  2. A norma do artigo 14.°, nº 9 do RCP conjugada com a norma do artigo 6.°, nº 7 do mesmo RCP (que prevê o pagamento do remanescente de taxa de justiça em ações de valor superior a € 275.000), são materialmente inconstitucionais por violação do princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição do excesso decorrente, decorrente dos artigos 2.° e 18.°, nº 2, segunda parte, da CRP, quando interpretada e aplicada no sentido de fazer recair sobre o vencedor num processo judicial a obrigação de suportar as custas que recaem exclusivamente sobre o vencido e transferir para aquele o ónus de reaver deste último o que tenha adiantado, sem garantia de sucesso, não podendo, como tal, ser aplicada por este Tribunal.

  3. A norma do artigo 14.°, nº 9 do RCP não afasta o regime geral em matéria de responsabilidade por custas consagrado no artigo 527.° do CPC e densificado nos artigos subsequentes, segundo o qual o custo efetivo do processo fica a cargo de quem deu causa à ação, ou seja, da parte vencida.

  4. Fazer impender sobre a parte vencedora o ónus de adiantar um valor pelo qual não é materialmente responsável constitui um meio manifestamente desadequado e desproporcionado face ao fim visado pelo legislador, ou seja, o de aumentar as receitas relativas a custas judiciais por via do reforço da garantia de cobrança.

  5. O Supremo Tribunal de Justiça deverá determinar que, havendo remanescente a pagar, o mesmo seja pago diretamente pelas Requerentes, não sendo os ora Recorrentes notificados para proceder ao pagamento do remanescente nos termos do artigo 14°, n° 9 do RCP.

  6. Salvo o devido respeito, o acórdão recorrido parte de pressupostos errados, quer no que respeita à interpretação do disposto no artigo 6°, n° 7 do RCP, quer no que respeita à aplicação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade: tendo concluído que a causa era complexa, por estarem em causa questões de elevada especialização jurídica, o tribunal, partindo do pressuposto de que a possibilidade de isenção é excecional, demitiu-se de apreciar as demais circunstâncias, quer individualmente, quer no seu conjunto, e sobretudo não apreciou o resultado dessa ponderação à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade e por isso não fez um verdadeiro juízo de conformidade entre o valor resultante da mera aplicação da tabela I - no montante de 936.844,36 € - e o serviço efetivamente prestado, do que resulta que a taxa a pagar pelas partes assume a configuração de um imposto e não de uma verdadeira taxa.

  7. A medida prevista no artigo 6°, n° 7 do RCP não é nem deve ser vista como excecional: a análise e apreciação da conformidade e proporcionalidade das custas têm de ser feita em todos os processos e a correção do remanescente deve ser feita sempre que se justifique, quer essa correção passe pela dispensa total ou por uma maior ou menor redução do remanescente.

  8. Nessa apreciação devem ser globalmente consideradas todas as circunstâncias relevantes no caso concreto, todas as suas especificidades, ou seja, a maior ou menor complexidade do processo do ponto de vista material e processual, a extensão dos articulados, o número e extensão dos documentos, a realização ou não de audiências, a existência ou não de alegações, a conduta das partes, a atividade efetiva do tribunal, o valor económico do pedido, devendo a análise além do mais ser feita à luz do princípio da proporcionalidade e da igualdade, de forma a garantir que as custas a suportar pelas partes são adequadas ao serviço prestado pelo tribunal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 12.12.2013, processo 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, Relator Lopes do Rego).

  9. Está hoje assente que a taxa de justiça tem a natureza de taxa e não de imposto (Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 412/89 de 15.09.1989, 307/90 de 04.03.1991, 42/92 de 11.06.1992, 240/89 de 22.03.1994, 214/2000 de 05.04.2000).

  10. “As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” (art. 4° da LGT).

  11. O valor de uma prestação administrativa não pode ser procurado na esfera do particular mas na contrapartida dada pela autoridade pública.

  12. A criação e liquidação das taxas estão dependentes do cumprimento do princípio da equivalência, que corresponde à concretização, no domínio da figura jurídica das taxas, do princípio da igualdade tributária, decorrência natural e direta do princípio da igualdade vertido no artigo 13° da Constituição: o princípio da equivalência, ao exigir que cada indivíduo ou entidade contribua de acordo com o custo ou o valor das prestações de que usufrui, traduz a igualdade materialmente adequada às taxas, sendo desconformes ao princípio da igualdade tributária - e ao princípio da equivalência - as diferenciações entre os contribuintes que se mostrem alheias ao custo ou valor das prestações públicas que as taxas visam compensar.

  13. É fundamental a verificação de uma proporção adequada e justa, suscetível de ser entendida pelo particular, entre o montante liquidado e o valor do serviço público prestado, N) Nos casos em que essa desproporção é visível, como sucede in casu, o tributo desliga-se completamente da prestação pública, tomando-se numa receita “abstracta”, num imposto.

  14. O relevo do critério de proporcionalidade não se esgota na qualificação de um específico tributo: estando assente a caracterização do tributo como taxa (como sucede com a taxa de justiça) a regra da proporcionalidade funciona, quanto àquela, como exigência substancial, devendo ser suscitada na dimensão de proibição do excesso (justa medida dos sacrifícios impostos), que exige uma adequada proporção entre o sacrifício imposto ao particular pelas medidas tomadas pela autoridade pública e o grau de satisfação dos fins ou interesses prosseguidos pelas mesmas.

  15. A proporcionalidade não se pode aferir pois através da correlação entre o montante da taxa de justiça e o valor da causa, mas sim através da correlação entre o montante da taxa de justiça e o grau de complexidade do serviço prestado: a taxa de justiça tem de ser adequada à atividade judicial efetivamente desenvolvida.

  16. Se uma chamada taxa não observa o princípio da equivalência e/ou se é claramente desproporcionada, não se encontrando em qualquer relação sinalagmática com o custo ou valor da contraprestação, então assume a natureza de imposto.

  17. O artigo 6.°, nº 7 do RCP impõe ao Tribunal dispensar pelo menos parte significativa do remanescente da taxa de justiça devida no caso concreto por forma a preservar o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proporcionalidade e, assim, a constitucionalidade das regras relativas ao cálculo da taxa de justiça.

  18. In casu, o montante total do remanescente obtido pela aplicação das normas constante dos artigos 6°, nºs 2 e 7, 7°, n° 2 e da Tabela I-B do RCP, no total de 936.844,36€ (468.423,27€ por parte) não encontra justificação no princípio da equivalência nem no princípio da cobertura de custos (não se verifica a necessária correspetividade), sendo manifestamente exorbitante e desproporcionado, face aos seguintes elementos: (i) Está em causa uma ação de anulação de sentença arbitral em que foi essencialmente invocada a violação de princípios da ordem pública e do dever de fundamentação; (ii) Foram apresentados os articulados/requerimentos constantes nos factos provados: petição inicial e a contestação, relativamente extensos, mas incluindo já a discussão sobre o aspeto jurídico da causa e com poucos documentos, 2 pareceres sobre o thema decidendum e 14 requerimentos relativamente curtos; alegações e contra-alegações para o Supremo Tribunal de Justiça não anormalmente extensos; pedido de dispensa do remanescente.

    (iii) A atividade decisória do TRL resumiu-se aos despachos referidos nos factos provados 11, 16...

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