Acórdão nº 152/13.0TCFUN.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Junho de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA OLINDA GARCIA
Data da Resolução19 de Junho de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

6ª Secção Processo n. 152/13.0TCFUN.L1.S2 I. RELATÓRIO 1.

AA e BB propuseram, na comarca do Funchal, ação declarativa com processo ordinário contra o Banco CC, SA., na qual alegaram, em síntese, o seguinte: Em finais de 2007 os Autores entregaram ao Réu, na sua filial do Funchal, valores pecuniários que ascendiam a 890.000,00 € destinados a constituir depósito ou depósitos comuns a prazo, tendo o funcionário do Réu assegurado que este lhes atribuiria uma taxa de juros da ordem dos 6,75% ao ano (a que correspondia a taxa líquida de 5,4%).

Os Autores são alheios às operações que o Réu tenha entendido prosseguir, ficando surpreendidos quando pretenderam associá-los a operações de compra de ações ou obrigações, para o que não foram consultados e nunca deram a menor anuência; não existiram quaisquer instruções dos Autores ao Réu para compra de 890 ações preferenciais “DD”.

Em 17-12-2009 foi comunicado ao Autor que o Réu havia investido em ações da entidade bancária islandesa “DD hf” que entrara em situação de insolvência e em processo de liquidação.

Os Autores celebraram com o Réu um contrato de depósito bancário, pelo que este terá de lhes restituir o valor entregue e os juros convencionados, constituindo o comportamento do Réu violação dos princípios consignados nos arts. 304 e 312 do CVM, e sempre a conduta do Réu se reconduzindo a “intermediação” excessiva, com as consequências previstas no n.3 do art.310º do mesmo Código.

Os Autores sofreram prejuízos que montam a 120.000,00 € por não poderem dispor do capital depositado que o Réu se recusa a restituir.

As circunstâncias que descrevem provocaram aos Autores tensões, angústias e desequilíbrios.

Pediram os Autores que o Réu fosse condenado a pagar-lhes: «

  1. A quantia de € 1.103.066,00 (um milhão cento e três mil e sessenta e seis euros), somatório do capital depositado (€ 890.000,00) e os juros convencionados à taxa líquida de 5,4% vencidos desde 07 de Outubro e 2008, até à presente data, vencidos € 213.066,00 (duzentos e treze mil e sessenta e seis euros) e vincendos à mesma taxa, até efetivo e integral pagamento.

  2. Ao pagamento da quantia de € 120.000,00, por prejuízos materiais.

  3. A indemnização por danos morais no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), com custas e procuradoria condigna».

    2. O Réu contestou dizendo, em síntese, ser o Autor habitual interlocutor do Réu, homem de negócios e investidor experiente, tendo sido os Autores que deram ordem de aquisição dos 890 títulos DDem causa na presente ação, não sendo intenção dos mesmos constituir um mero depósito a prazo, mas sim realizarem um investimento financeiro nos referidos títulos; tendo decorrido mais de dois anos sobre a aquisição de títulos e sobre o seu conhecimento pelos Autores qualquer eventual responsabilidade do Réu enquanto intermediário financeiro, estaria extinta por prescrição. Concluiu pela sua absolvição dos pedidos.

    1. Os Autores apresentaram réplica na qual reafirmaram que o contrato que celebraram com o Réu, tendo por objeto a quantia reclamada nos autos, foi um contrato de depósito, não tendo aplicação as disposições do CVM.

    4. O tribunal da primeira instância proferiu sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o Réu dos pedidos formulados.

    5. Inconformados com a decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    6. O Réu apresentou conta-alegações.

    7. O TRL, em acórdão de 08.06.2017, entendeu que: “no caso dos autos não se provou que o R. não informou os AA. de que ia proceder à compra das acções à custa do depósito nem que não os informou sobre os riscos das mesmas.

    Antes se provou que os AA. deram as ordens de aquisição dos 890 títulos DD, após apreciadas as características, nível de risco e retorno expectável, de que foram informados e de que estavam conscientes.

    Falta-nos, assim, a demonstração por parte dos AA. do facto ilícito, ou seja, da violação dos deveres de informação em causa.” Consequentemente, após alteração pontual da decisão sobre a matéria de facto, decidiu julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

    O acórdão foi sumariado nos seguintes termos: « I – No caso de testemunha - aliás também arrolada pelos próprios apelantes – no decurso do seu depoimento na audiência em que estavam presentes os mandatários das partes, ter infringindo o dever de sigilo que sobre ela impenderia, logo os apelantes deveriam ter suscitado tal questão, susceptível de ser enquadrada como uma nulidade processual; nada tendo sido dito é intempestiva a invocação da questão em alegação do recurso interposto.

    II – Ao contrário do que os AA. afirmaram eles não convencionaram com o R. a constituição de depósito(s) a prazo com uma taxa de 6,75% ao ano; o que acordaram com o R. foi a constituição de dois depósitos a prazo, em duas datas diferentes, com diferentes prazos e taxas de juro diferentes, enquanto decidiam em que títulos investir. Foi por determinação dos AA., que aqueles depósitos foram liquidados em determinada data (a previsão das partes era a de que os mesmos subsistiriam enquanto os AA. decidiam em que títulos investir), para que com os respectivos valores fossem adquiridos os 890 títulos KB.

    III - O R. com a quantia que teria de restituir aos AA., seguindo as ordens dos mesmos AA., procedeu à compra dos títulos – actuando na qualidade de intermediário financeiro; não tinha, pois, já nada a restituir-lhes no âmbito de um contrato de depósito a prazo.

    IV – Na versão do CVM anterior às alterações decorrentes do dl 357-A/2007, de 31-10, da falta de redução a escrito das “ordens” por parte do intermediário financeiro não resultava a sua nulidade e a “ordem” verbal podia ser provada por qualquer meio probatório legalmente admissível.

    V - Os deveres de informação dos intermediários financeiros visam, a título principal, apoiar os clientes para que estes possam tomar decisões de investimento esclarecidas e informadas.

    VI - No âmbito da violação de deveres de informação a culpa presume-se – mas, quanto aos demais pressupostos da responsabilidade civil caberia aos AA. invocá-los e demonstrá-los; desde logo, o facto ilícito teria de ser provado, pelos AA. (não se presumindo) não havendo os AA., todavia, demonstrado a violação dos deveres de informação em causa.» 8. Inconformados com o acórdão do TRL, os Autores interpuseram recurso de revista, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões: « I – Quanto à admissibilidade do recurso excepcional de revista

  4. Da relevância jurídica [alínea a) do nº 1, do artº 672º do CPCivil] 1. Estão em causa questões de especial relevância jurídica no âmbito da actividade financeira e da relação do cidadão consumidor com as instituições de crédito, envolvendo regras e princípios que dimanam de normas comunitárias (Regulamentos e Directivas).

    1. Igualmente relevante juridicamente é a controvérsia sobre o sigilo bancário e a liberdade (ou não) dos funcionários bancários poderem depor a favor do Banco R., com violação de tal sigilo, sem o consentimento dos respectivos clientes, neste caso os AA..

    2. Não menos importante é a questão da exigência de documento escrito, ou “redução a escrito”, tanto para a ordem de investimento, como para a observância do dever de informação estabelecido, tanto no Regulamento Geral das Instituições de Crédito – artº 77º, como no Código de Valores Mobiliários – artº 312º e 327º - e a sua caracterização como documentos “ad probationem”.

    3. Igualmente relevante é a questão do ónus da prova do ilícito, face à presunção de culpa relativamente aos deveres de informação, por parte do Banco recorrido, como intermediário financeiro e o seu correcto enquadramento no âmbito da responsabilidade civil, subordinada aos princípios e especiais exigências do Direito Bancário.

  5. Da especial relevância social dos interesses em causa [alínea b) do nº 1., do artº 672º do CPCivil] 5. Estão em causa questões associadas a um período conturbado do sector bancário e à grave crise social ocasionada por perdas brutais de pequenos investidores, como era o caso dos recorrentes, que viram as suas poupanças utilizadas, por iniciativa do próprio Banco R., na aquisição de produtos financeiros, que colapsaram e comprometeram qualquer eventual esperança de poderem contar, com as suas economias como um complemento às suas pensões.

    1. É pública e conhecida a repercussão social dessas brutais perdas e das quebras bancárias, significativamente designadas por “Resolução” e a envolvência de todos os órgãos de soberania nessas questões, tanto por via de Comissões de Inquérito, como através da apresentação de iniciativas legislativas, como foi o caso da Proposta de Lei 64/13 por parte do Governo.

      II – Da Questão de Fundo 7. Ao STJ, enquanto instância de revista, não cabe conhecer da matéria de facto, mas compete-lhe censurar a Relação, quando esta tenha violado as regras processuais e legais, em matéria de prova, a que está vinculada, ou seja, o chamado direito probatório material.

    2. O Banco R., ora recorrido, sempre sustentara que tinha efectuado as operações em causa, com base em ordem escrita do AA., ora recorrentes.

    3. Por assim ser, a prova do consentimento ou instrução dos AA., ora recorrentes, seria apenas pela autovinculação do R., recorrido, à versão do documento escrito, mas, também, porque mesmo que tivesse em causa instrução verbal, esta tinha de ser reduzida a escrito, pelo que foi violado o disposto no artº 327º do CVM, mesmo na versão anterior ao Dec-Lei nº 357-A/2007, de 31 de Outubro, o que constitui contra ordenação grave, nos termos do artº 388º, nº 1., alínea a) e artº 397º, nº 2., alínea a), ambos do CVM.

    4. A violação da exigência da “redução a escrito” da ordem nos termos do nº 2., do artº 327º do CVM, não sendo requisito da sua validade, constitui, inevitavelmente, requisito da sua prova, por, não constituindo formalidade “ad substantiam”, é-o, no entanto, “ad probationem”, o que é, aliás, evidenciado pela própria circunstância de tal omissão constituir contra...

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