Acórdão nº 27800/15.4T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução22 de Maio de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO AA demandou, pela Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto e em autos de ação declarativa com processo comum, BB, LIMITADA, peticionando que: a) Sejam julgados definitivamente incumpridos os contratos-promessa celebrados entre Autora e Ré, por culpa exclusiva desta última; b) Sejam julgados resolvidos os contratos por iniciativa da Autora, declaração que deve considerar-se efetuada à ré na data da interpelação extrajudicial remetida pela autora a 5 de Outubro e recebida pela ré a 7 de Outubro de 2015; c) Seja a Ré condenada a restituir à autora a quantia de €80.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, valor sobre o qual incidirão juros de mora à taxa legal contados desde o décimo primeiro dia após a interpelação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado com a Ré, em Julho de 2014, dois contratos-promessa referentes a duas frações de um imóvel sito na cidade do Porto, tendo pago, a título de sinal, o valor global de € 40.000,00. A Ré, todavia, não outorgou os contratos prometidos, apesar da Autora lhe ter sucessivamente concedido prazos para o efeito, sendo certo que a Ré não desconhecia ser essencial para a Autora que esses contratos fossem outorgados até final de Março de 2015. Assim, em Outubro de 2015, remeteu à Ré comunicação escrita através da qual declarou resolver os aludidos contratos-promessa. Em consequência, tem a Autora direito aos efeitos que peticiona.

Contestou a Ré, concluindo pela improcedência da ação.

Disse, em síntese, que à data da celebração dos referidos contratos-promessa, não era proprietária do imóvel onde se situam as frações prometidas vender, o que era do conhecimento da Autora; que envidou todos os esforços para adquirir o imóvel, facto de que deu conhecimento à Autora; que não foi estabelecido um prazo determinado para a celebração dos contratos prometidos; que nunca estabeleceu prazos adicionais ou qualquer prazo para o término obras de restauro (interior e exterior) do prédio, bem como para o término da reconfiguração e restauração das habitações em causa; que a Autora, ao invocar a impossibilidade de prestação por parte da Ré, por não ser proprietária do prédio onde se situam as frações prometidas vender, age com abuso de direito.

Mais deduziu reconvenção, peticionando que: - sejam julgados definitivamente incumpridos os contratos-promessa celebrados entre autora e ré, por factos imputáveis exclusivamente à autora; - seja declarado perdido a favor da ré o sinal prestado em ambos os contratos-promessa, no montante total €40.000,00 (€20.000,00 x 2), nos termos do art.º 442.º, n.º 2, do C. Civil.

Alegou para o efeito que a Autora incorreu em incumprimento definitivo das promessas, por isso que resolveu sem fundamento os contratos-promessa.

A A. contestou os pedidos reconvencionais, mantendo o que alegara no seu articulado inicial.

Seguindo a ação seus termos, veio a final a ser proferida sentença que julgou improcedente a ação e procedente a reconvenção.

Inconformada com o assim decidido, apelou a Autora.

Sustentou que a ação devia proceder e a reconvenção improceder.

A Relação do Porto manteve a sentença da 1ª instância quanto à improcedência da ação. Mas julgou procedente a apelação na parte respeitante à reconvenção, julgando-a improcedente.

Inconformada com o decidido quanto à reconvenção, pede a Ré revista.

Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões: 1. No que respeita à Reconvenção deduzida pela ora Ré/Recorrente, o Tribunal da Relação do Porto revogou a decisão proferida pela primeira instância (que a tinha julgado totalmente procedente), por considerar que “Por outro lado, já vimos não constituir fundamento de resolução dos contratos, por parte da R., a resolução infundada dos mesmos por parte da A. - pois estamos antes, perante uma declaração ineficaz. O que conduz à improcedência da reconvenção.” 2. No caso em apreço, a Ré/ ora Recorrente, em reconvenção pediu a resolução dos contratos-promessa com fundamento na recusa anunciada da Autora em cumpri-lo, pelo envio à Ré/Recorrente, de uma carta de resolução, datada de 5 de Outubro de 2015 - facto 12 da matéria dada como provada com o seguinte teor: “…, perdi objetiva, efetiva e completamente, o interesse na celebração dos negócios … Por todo o exposto, deverão considerar resolvidos os contratos promessa supra referidos, com efeitos imediatos e, em consequência, deverá ser-me restituído em dobro o valor que prestei a título de sinal e princípio de pagamento em cada um daqueles contratos. Aguardo o prazo de 10 dias, a restituição da quantia ....” 3. Como se sabe, em sede de interpretação das declarações vale o disposto no artigo 236º nº 1 CCivil, que consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário.

  1. Sem dúvida apreciável, somos a crer que uma pessoa, com estas características, interpretaria a posição da promitente compradora, Autora/Recorrida como uma revelação clara de já não querer cumprir os contratos, da celebração dos contratos prometidos já não lhe interessar, pretendendo resolvê-lo.

  2. Ante do exposto, cremos que o entendimento perfilhado pelo douto Tribunal da Relação do Porto, no que respeita à eficácia e validade da resolução dos contratos-promessa operada pela Autora/ora Recorrida através do envio da carta de 5 de Outubro de 2015, constante dos factos 12 da matéria dada como provada, é errada, porquanto entendemos que a postura da Autora/Recorrida manifestada na carta enviada a 5 de Outubro de 2015, bem como, a adotada nos presentes autos, designadamente na sua petição inicial, notoriamente, pode e deve ser equiparada à daquela pessoa que, celebrado um contrato, tem um comportamento do qual resulta, sem mais e claramente, que não quer ou não vai cumprir com aquele contrato.

  3. Por isso, entendemos que a declaração de resolução, realizada pela Autora/Recorrida, mesmo que infundada, é válida e produz efeitos, não gerando quaisquer direitos para a Autora/Recorrida, permitindo à Ré/Recorrente fazer seu o sinal.

  4. A prevalecer a tese do Tribunal da Relação do Porto, a Autora/Recorrida poderia beneficiar sempre de uma situação a que deu causa, conscientemente e com vontade expressa e formalizada em sentido contrário, conduzindo a uma solução que acaba por obrigar o contraente não faltoso no caso Ré/Recorrente, que não incumpriu definitivamente o contrato-promessa, a ficar vinculado ao cumprimento de um contrato definitivamente incumprido pela contra parte, Autora/Recorrida, em virtude de esta ter procedido à sua resolução mas de forma infundada/ilícita.

  5. Estaríamos, assim, a premiar o contraente faltoso, que infundadamente resolveu o contrato e, em consequência, a penalizar o contraente que cumpriu, no caso sub iudice, a ora recorrente.

  6. Estando em causa, além disso, contratos-promessa celebrados em 2014 é, assim, por demais evidente que a manutenção em vigor destes conduz a uma solução injusta, em detrimento, neste caso, da Ré/Recorrente.

  7. No entender da Ré/Recorrente, o douto acórdão recorrido colide, pois, com valores sociais dominantes que o direito visa tutelar pois, no seu entender, ninguém pode ser obrigado a cumprir um contrato resolvido, ainda que de forma infundada, pela contraparte e que esta, portanto, já recusou cumprir de forma expressa e categórica (quer pela carta enviada em 05 de Outubro de 2015, quer pelo petitório formulado na presente ação).

  8. Tal declaração configura um incumprimento e é pressuposto suficiente de consequências jurídicas imediatas, como a exigibilidade do cumprimento ou a resolução do contrato, sem passar pelo artigo 808º CCivil.

  9. Constitui, no nosso entender, uma modalidade de inadimplemento a declaração feita por um dos promitentes de que não irá cumprir ou de que não o poderá fazer. Sendo por isso, que o incumprimento definitivo ocorre sempre que, independentemente de interpelação, o contraente manifesta, de forma clara e definitiva a sua intenção de não cumprir o contrato.

  10. Ora, dos autos resulta inequivocamente, que a Autora/Recorrida não tem qualquer interesse, vontade e intenção no cumprimento dos contratos promessa, comportamento que é manifestado, por um lado na carta enviada à Ré/datada de 05 de Outubro de 2015 e, por outro no petitório formulado na petição inicial, designadamente os constantes das seguintes alíneas: b) ser julgados resolvidos os contratos por incitava da Autora, declaração que deve considera-se efetuada à Ré na data da interpelação judicial remetida pela Autora a 5 de Outubro e recebida a 7 de Outubro de 2015 e c) Ser condenada a Ré a restituir à Autora a quantia de € 80.000,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, valor sobre o qual incidirão juros de mora à taxa legal contados desde o décimo primeiro dia após a interpelação e até efetivo e integral pagamento.

  11. Assim, no caso em apreço, a declaração resolutiva produziu os seus efeitos na sequência do seu...

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