Acórdão nº 20580/11.4T2SNT.L1.S de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2014
Magistrado Responsável | LOPES DO REGO |
Data da Resolução | 03 de Julho de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra BB , pedindo que se declare que a fracção autónoma designada pela letra "D", a que corresponde o 1.° andar esquerdo do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, n.° …, na freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora sob o n.° …/… da referida freguesia e inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, é um bem próprio seu, e não um bem comum do ex-casal composto por si e pelo R..
Como fundamento de tal pretensão, alegou que, embora a referida fracção autónoma tenha sido adquirida conjuntamente por A. e R., na constância do matrimónio entre ambos, a mesma deve ser considerada como bem próprio da A., uma vez que a sua contribuição para a aquisição da mesma, em consequência da titularidade de um direito próprio, lhe confere essa faculdade.
Na verdade, a referida fracção foi-lhes vendida na sequência de um direito ao arrendamento habitacional de que a A. era a única titular, tendo também sido a A. a pagar grande parte das prestações bancárias inerentes ao empréstimo contraído por si e pelo R. para aquisição do imóvel; o sinal pago aquando da celebração do respectivo contrato promessa de aquisição – em que outorgou tão-só pela A. como promitente adquirente — foi apenas com dinheiro dos seus pais, dado que a contribuição dos pais do R. lhes foi posteriormente devolvida.
O R. contestou, pugnando pela improcedência da acção, para o que alegou que, para além de ter residido ininterruptamente entre 1982 e 1999 no referido imóvel, sempre assegurou o pagamento, quer da renda, quer, posteriormente, do valor da prestação inerente ao empréstimo que contraíram para a sua aquisição, assim concluindo que se trata de um bem comum do casal, tanto mais que a decisão de aquisição foi tomada atento o rendimento por si auferido, uma vez que o salário da A. ao tempo jamais permitiria tal aquisição.
A A. replicou, impugnando a factualidade alegada na contestação.
Foi proferido saneador-sentença, a julgar a acção procedente, assim se declarando que a aludida fracção autónoma é um bem próprio da A. – considerando, para tanto, que ficara provado que a venda da fracção radicou decisivamente na circunstância de a mesma estar arrendada à A., por contrato iniciado antes da celebração do casamento com o R., decorrendo, deste modo, a aquisição do exercício de um direito próprio, anterior ao casamento.
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Inconformado, o R. apelou, tendo a Relação concedido provimento ao recurso – começando no acórdão recorrido por se considerar fixada a seguinte matéria de facto: 1.
Autora e réu contraíram casamento em 3/09/1985, sem convenção antenupcial.
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Fruto da relação entre autora e réu, nasceu em 17/02/1985 CC, filho de ambos.
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A relação conjugal entre autora e réu foi-se deteriorando, tendo o réu saído da casa de morada de família em 30/04/1999.
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DD é mãe da autora AA.
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A fracção autónoma correspondente ao 1o andar esquerdo (fracção D), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, n° …, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amadora, sob o n° …, esteve inscrita pela cota G1, a favor de BB e mulher AA por compra à Companhia de Seguros EE..
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Pela [apresentação 03 de 01/03/2004 - Cota G2, o imóvel referido em 5 ficou inscrito a favor de DD, por compra.
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O registo referido em 6, foi convertido em definitivo pela AP 120404.
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Por escritura pública celebrada em 21/02/2001, no 28° Cartório Notarial de Lisboa, a autora e DD, declararam respectivamente vender e comprar pelo preço de 7.000.000$00, que aquela declarou já ter recebido, a fracção autónoma referida em 5.
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A autora desde que se encontra separada do réu encontra-se a usar o imóvel referido em 5, pernoitando no mesmo e aí recebendo os familiares e amigos, correspondência e aí tomando as refeições.
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DD, tal como sucedia antes de 21/02/2001, continua a residir na Avenida …, n°…, 1o Esq., …, aí pernoitando, recebendo os familiares e amigos, a sua correspondência e tomando diariamente as suas refeições.
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Desde 30/04/1999 até ao presente, o réu, a autora e DD encontraram-se por diversas vezes, sendo que nem anteriormente nem posteriormente a 21/02/2001, comunicaram ao réu respectivamente que iriam vender/comprar a casa, nem que haviam realizado o negócio.
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O réu vive dos rendimentos que lhe são proporcionados pela sua actividade de prestação de serviços no montante de 1.089 € mensais.
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No âmbito da sua actividade o réu suporta o pagamento de prestações à Segurança Social no montante de 116,99 € mensais.
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O réu contribui mensalmente para as despesas do filho do casal com o montante de100€.
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Por escritura celebrada em 28/08/1991 a Companhia de Seguros EE. declarou vender e BB e mulher AA declararam comprar a fracção referida em 5, pelo valor de 4.350.000$00, tendo nessa mesma escritura os segundos outorgantes se confessado devedores à Instituição bancária FF da quantia de 3.920.000$00.
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Por contrato celebrado em 10/01/1975, a Companhia de Seguros GG, deu de arrendamento a HH, o 1o andar esquerdo do prédio sito na Avenida 17. …, lote …, pela renda de 3.000$00 mensais, tendo o pai da autora sido fiador no referido contrato.
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Aquele contrato de arrendamento teve início em 1/01/1975.
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Por carta datada de 27/05/1986, a Companhia de Seguros EE., comunicou à autora que a renda devida passaria a ser de 4.350$00 a partir de Julho de 1986.
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Anteriormente ao contrato de compra e venda celebrado entre a Companhia de Seguros EE. e a autora, foi celebrado entre ambas, em 27/04/1991, contrato promessa de compra e venda, tendo naquele acto sido entregue como princípio de pagamento e carácter de sinal a quantia de 870.000$00.
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O empréstimo contratado pela autora e réu na Instituição bancária FF para aquisição da fracção referida em E), ficou acordado que seria amortizado em 300 prestações mensais.
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Dos 3.920.000$00 que a Banco FF mutuou à autora e ao réu, estes utilizaram 3.480.000$00 para pagar à Companhia de Seguros EE., a título de parte do preço.
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Na sequência do processo de divórcio por mútuo consentimento entre a autora e HH, a autora passou a inquilina da fracção referida em 5, em 1984.
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À data da aquisição do imóvel referido em 5, o réu desconhecia qual o valor de mercado do mesmo.
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A fracção autónoma referida em 5 foi adquirida pela autora e pelo réu em 25/07/1991.
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A compra e venda referida em 8 foi feita sem o conhecimento ou concordância do réu.
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Não existiu por parte da autora qualquer vontade de proceder à venda do referido imóvel.
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Bem como não existiu por parte de DD intenção de o comprar. Bem como não houve intenção de vender ou comprar pelo preço de 7.000.000$00, ou por qualquer outro preço.
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Sendo convicção generalizada de familiares, vizinhos e amigos de que a autora juntamente com o réu são os proprietários do imóvel.
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DD não pagou à autora qualquer preço pela compra e venda referida em 8.
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Ao outorgarem a escritura de compra e venda referida em 8, a intenção de DD e da autora foi apenas e exclusivamente a de transferirem do património comum do casal para o património de DD o imóvel por forma a que após a dissolução do casamento o mesmo não fosse partilhado.
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No decurso dos autos de divórcio litigioso a autora sempre se referiu ao imóvel como sendo a casa de morada de família.
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DD e a autora ao procederem ao registo da aquisição do imóvel em 1/03/2004, pretenderam dar publicidade à venda após terem decorrido os três anos sobre a prática do acto.
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Ao procederem ao registo de aquisição do imóvel em 1/03/2004, foi intenção das mesmas impedir o réu de solicitar a anulação da compra e venda a que alude em 8.
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A actuação de DD e da autora descritas em 26 a 28, 30, 31, 33 e 34 deixou o réu revoltado.
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O réu sentiu-se revoltado com as referidas atitudes.
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A dívida da autora e do réu à Instituição bancária FF em 14/01/2001 era de 3.475.278$00.
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Desde Junho de 1999 e até ao presente momento tem sido a autora a pagar as prestações do empréstimo a que se alude em 5.
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A Companhia de Seguros EE., vendeu a fracção referida em 5 por 4.350.000$00, mercê de a mesma estar arrendada à autora.
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À data da celebração da escritura de compra e venda a que se alude em 15 a fracção dos autos valia cerca de 17 mil e oitocentos contos.
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Em 20/05/1991 foi depositada na conta da autora no Banco II a quantia de 435.000$00.
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Em 23/05/1991 foi sacado um cheque visado sobre essa mesma conta no valor de 435.000$00 à ordem da Companhia de Seguros EE.
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Em 30/04/1999, estavam em dívida para com a Instituição bancária FF 3.618.065$00.
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A diferença de 11.844.708$00 entre o preço pelo qual a Companhia de Seguros EE vendeu a fracção dos autos (4.350.000$00) e o valor de mercado da mesma (17.000.000), resultou do facto da fracção se encontrar arrendada para habitação. Do sinal entregue à Companhia de Seguros EE no valor de 870.000$00, metade foi realizado pelos pais da autora e a outra metade pelos pais do réu.
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Tendo a metade dos pais do réu sido restituída e a metade dos pais da autora não.
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Das 300 prestações mensais acordadas com a Instituição bancária FF, 93 foram pagas com rendimentos comuns da autora e do réu.
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Desde que o réu saiu de casa, durante o decurso da acção que correu termos sob o n° 2752/04. OPCAM D e até ao presente momento foi unicamente a autora que pagou à Instituição bancária FF as prestações mensais do empréstimo.
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