Acórdão nº 28252/10.0T2SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA, demandou os herdeiros da herança indivisa de BB, falecido em 10 de Dezembro de 2007, representada por CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK, visando a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos, desde a citação até integral pagamento.

Contestaram os réus, impugnando o facto de não ter sido pago o preço acordado e mencionado na escritura de compra e venda.

A esse articulado respondeu o autor, mantendo o por si alegado.

Foi dispensada a realização da audiência preliminar, seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.

Os réus viriam a apresentar um articulado superveniente que foi rejeitado, por decisão proferida em audiência de julgamento, no dia 15 de Outubro de 2012.

Realizada a audiência de julgamento e decidida a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

Inconformado, interpôs o autor recurso que foi admitido como de apelação, sem sucesso, já que a Relação confirmou a decisão recorrida.

Continuando inconformado, veio o A. interpor recurso de revista excepcional, a qual foi admitida.

São as seguintes as conclusões formuladas pelo A. no seu recurso: 1. O direito tem como finalidade primeira e última a realização da justiça.

  1. As soluções jurídicas preconizadas no acórdão de que se recorre não têm em conta a realização da justiça material, antes estando subjacente nesse acórdão a prevalência de razões meramente formais, que dificultam ou impedem mesmo a descoberta da verdade.

  2. Por outro lado, as questões levantadas quer no acórdão de que se recorre, quer no acórdão fundamento (ac. STJ de 09.06.2006), pela frequência com que ocorrem nos nossos Tribunais, pressupõe para uma melhor clarificação e aplicação do direito que a presente revista excecional seja admitida.

  3. Os presentes autos têm por objeto a declaração constante da escritura de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de Sintra em 27.06.2006 através da qual ficou declarado que o Autor, ora Recorrente, havia recebido do comprador (seu irmão) o pagamento do preço de 60.000 € relativo do imóvel transacionado, tendo o Autor alegado que na realidade (por o seu irmão se encontrar a residir em Angola e ter entretanto falecido) esse preço nunca lhe foi pago.

  4. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão de que se recorre que no que se refere a tal documento e declaração: e) "que se o documento não faz prova plena da verdade do que foi declarado, faz, no entanto, prova plena da declaração de ter sido recebido pelo vendedor o preço acordado.” f) Que "Tal declaração constitui confissão extrajudicial feita em documento autêntico perante o representante da contra parte, pelo que goza igualmente de força probatória plena (artigo 358º nº 2 do Código Civil.” g) Que o Autor não "alegou a falsidade da escritura onde ficou exarada a confissão extrajudicial (cfr artigo 372º nº 1 do Código Civil) ou estar a sua vontade omissa ou viciada no momento da declaração (cfr artigo 3590 n° 1 do Código Civil)." h) Que "Cabia ao autor o ónus de fazer a prova de que o preço não tinha sido pago." 6. O Recorrente discorda frontalmente com tal entendimento, encontrando-se o mesmo em total contradição com os muitos doutos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 09.06.2005 (que serve de fundamento ao presente recurso de revista excecional), 23.02.2010 e 02.03.2011, entre outros referidos nas presentes alegações, no que se refere às mesmas questões de direito apontadas.

  5. Com efeito, não consta dessa escritura que o Notário tivesse presenciado o pagamento do preço.

  6. Nos termos do disposto no artigo 371º, nº 1, do Código Civil, os documentos autênticos, como o sejam as escrituras de compra e venda, só fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.

  7. Fora das duas aludidas situações, como é o caso, os factos constantes dos documentos autênticos não fazem prova plena.

  8. Com efeito, conforme expressamente é referido no douto acórdão deste Supremo Tribunal de 09.06.2005 "No que tange ao preço e respectivo pagamento, o mesmo só estará coberto pela força probatória plena do documento autêntico se o notário tiver atestado esse facto através de percepção sua (directa), isto é que tal pagamento haja sido feito na sua presença.

  9. É assim errada a interpretação que o Tribunal da Relação de Lisboa faz do n° 1 do artigo 371° do Código Civil no sentido de que o documento (escritura) faz ''prova plena da declaração de ter sido recebido pelo vendedor o preço acordado." 12. Não constituiu também confissão extrajudicial com força probatória plena a menção constante nessa escritura do preço ter sido pago ao Autor, conforme ilação que o Tribunal da Relação retirou da interpretação do artigo 358º nº 2 do Código Civil.

  10. Com efeito, refere o citado nº 2 do artigo 358º do Código Civil que "A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena." 14. Ora, os documentos autênticos, como analisado, só fazem prova plena dos factos que tenham sido praticados ou atestados com base na perceção direta do próprio emitente (no caso, o Notário). Fora destas duas situações, como é o caso, tais documentos (autênticos) não têm força plena, sendo o seu conteúdo (demais declarações prestadas na escritura) sujeito à livre apreciação do julgador conforme claramente resulta da parte final do referido nº 1 do artigo 371º do Código Civil.

  11. Resulta assim da interpretação dessas duas normas jurídicas – artigo 358º, nº 2, e 371º, nº 1, do Código Civil – que se o facto declarado (pagamento do preço) foi feito na presença do Notário, essa declaração é tida como confissão, e se for feita à parte contrária, terá força plena. Se não o foi, como é o caso dos autos, não pode a mesma ser tida como confissão mas apenas como uma mera declaração de um facto sujeito à livre apreciação do julgador (como o é qualquer facto sujeito a julgamento que não tenha essa força plena).

  12. Neste sentido pronunciou-se este Alto Tribunal no seu muito douto acórdão de 09.06.2005 no qual expressamente refere: “existe uma diferença entre a confissão e a admissão ou mera declaração de um facto (…) Assim, a declaração constante de uma escritura de cessão de quotas na qual é mencionado pelo cedente o recebimento do preço ou de um dado preço, não pode ser havida como confissão, por não conter a admissão pelo declarante da veracidade de tal recebimento." 17. Também assim foi entendido por este Supremo Tribunal no seu douto acórdão de 02.03.2011 supra citado que expressamente refere: "temos que a figura da confissão não permite, no nosso caso, alcançar a prova plena. Ainda que a declaração de recebimento do preço tenha sido feita à parte contrária, vale apenas o que resulta do regime probatório dos documentos autênticos (...). Ou seja, trata-se dum caso de "simples interpretação do contexto do documento", como refere o n.º 3 do artigo 393.º, subtraindo-a às limitações quanto a produção de prova. " 18. Tendo o Autor, ora Recorrente alegado que apesar da declaração que ficou a constar da escritura de que o preço acordado havia sido por si recebido, mas que na realidade não o chegou a receber (devido ao facto do seu irmão, comprador, entretanto ter falecido), não tinha o mesmo que alegar a falsidade desse documento (escritura) nem de invocar estar a sua vontade omissa ou viciada no momento da declaração, como entendeu o Tribunal da Relação, conforme também é referidos nos doutos acórdãos de 09.06.2005, 23.02.2010 e 02.03.2011, na parte supra transcrita das presentes alegações.

  13. Quanto ao ónus da prova, entendeu o Tribunal da Primeira Instância no seu douto despacho de 20.09.2011 e na própria sentença, que o mesmo cabia aos Réus, ora Recorridos, ou seja, que eram estes que tinham que fazer prova de que o pagamento do preço tinha sido na realidade feito.

  14. Esse entendimento jurídico não foi impugnado por nenhuma das partes nem foi objeto do recurso de apelação.

  15. O Tribunal da Relação de Lisboa, como referido, contrariamente ao Tribunal da Primeira Instância, entendeu que era o Autor (Recorrente) quem tinha que fazer a prova do não pagamento do preço.

  16. Entende o Recorrente que, atento o disposto no artigo 684º, nº 3, do C.P.C. então em vigor – ser o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões –, estaria vedado ao Tribunal da Relação pronunciar-se sobre tal matéria de direito (repartição do ónus da prova), matéria que teria transitado em julgado.

  17. Entende igualmente o Recorrente que, ainda que não estivesse vedado ao Tribunal da Relação de Lisboa o conhecimento de tal matéria, não há qualquer fundamento jurídico para inverter o ónus da prova que se encontra legalmente prescrito para os contratos de compra e venda (artigo 874º do Código Civil), do qual resulta que, por aplicação do nº 2 do artigo 342º do mesmo Código, cabe ao comprador a prova do pagamento do preço como facto extintivo da sua obrigação.

  18. Até porque, a prova de um facto negativo é muitas vezes, como seria o caso, uma verdadeira “diabolica probatio".

  19. Ao invés, o pagamento do preço (prova do facto positivo), no presente caso (60.000 €), a ser verdadeiro, seria extremamente fácil para os Réus fazer essa prova (bastaria juntar cópia do cheque, da transferência bancária, do levantamento, etc.).

  20. Para o caso de assim não se entender, sempre se dirá que o facto do Tribunal da Primeira Instância ter considerado que o ónus da prova do...

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