Acórdão nº 271/07.1SAGRD.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução12 de Junho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA, solteira, ..., nascida a ... em Lisboa, residente em ..., foi julgada juntamente com o co-arguido BB, no 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Almada, em processo comum e por tribunal coletivo, e condenada em acórdão de 22/6/2012 pela prática de um crime de burla qualificada, p. e p., pelo artº 218º, nº 2, alíneas a) e b) do CP, na pena de cinco anos de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, com a obrigação de pagamento das indemnizações arbitradas aos demandantes, no prazo de um ano, para além de ficar subordinada a regime de prova.

Ficou ainda condenada a pagar, a título de indemnização, a ... – Gabinete de Estética, Sociedade Unipessoal, a quantia de € 612,53, acrescida de juros de mora a contar de 23.08.2006, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal, a CC a quantia de € 1450,47 acrescida de juros de mora a contar de 12.02.2008, sobre a quantia de 612,39, e desde 22.08.2008 sobre a quantia de 838,08, e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal, e por último, a DD, a quantia de € 747,13.

Descontente com a decisão, o Mº Pº recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 11/7/2013, condenou a arguida AA pela prática de dezanove crimes de burla qualificada, p. e p., pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea b), do CP, e ainda de três crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos 22.º, n.º1, a), 23.º, 73.º, 217.º e 218º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, nas penas de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um dos crimes consumados, e de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes tentados. Em cúmulo, ficou condenada na pena conjunta de 6 anos e 6 meses de prisão. Manteve em tudo o mais a decisão recorrida. É desta decisão que a arguida recorre agora para o STJ.

A - FACTOS Deram-se por provados, na decisão recorrida, os seguintes factos: 1.

A Arguida AA constituiu a sociedade ... – Edições Regionais Empresariais, Unipessoal, Ldª (doravante designada pelas siglas VFJ) em 14.12.2005, sendo a sua única sócia gerente.

  1. A referida sociedade tem como objecto social a prestação de serviços, publicidade, editora e divulgação de actividades na área da publicidade.

  2. A sociedade ... nunca teve qualquer contrato com as Páginas Amarelas, S.A. de modo a publicitar os clientes desta última.

  3. Após a constituição da referida sociedade a arguida AA de elaborou um plano de modo a recolher vantagens patrimoniais que sabia serem indevidas junto de pessoas e empresas publicitadas nas Páginas Amarelas.

  4. Esse plano consistia em contactar com os clientes das Páginas Amarelas, a quem pedia o pagamento de serviços alegadamente em dívida relacionados com a publicidade nessas páginas amarelas ou outro tipo de listas empresariais regionais e a quem também era perguntado se pretendia a continuação, a alteração ou a extinção dos contratos.

  5. O valor normalmente pedido aos clientes das Páginas Amarelas rondaria os setecentos euros que em caso de não pagamento o valor duplicaria ou triplicaria, para além de em algumas situações ser invocada a prorrogação automática dos contratos, caso não fossem pagas de imediato determinadas quantias, bem como seria exigidas quantias a pretexto do cancelamento de pretensos contratos com as Páginas Amarelas ou listas telefónicas empresariais.

  6. Por outro lado, os telefonemas eram feitos, normalmente, em períodos próximos do fecho dos bancos de modo a pressionarem e não deixarem qualquer tempo às pessoas para reflectirem.

  7. O modo de pagamento era feito através de transferência bancária, cheque remetido por SEM dos CTT ou vale postal.

  8. Os números de telefone utilizados nesses contactos seriam os números 21..., 21... e 2....

  9. Caso os clientes das páginas amarelas quisessem cancelar os contratos teriam que enviar um pedido de cancelamento para os números de fax 21... e 21....

  10. Após os pagamentos iniciais os clientes das Páginas Amarelas eram novamente contactados para pagar os cancelamentos das bases de dados sob pena de pagamento de multa no valor de três mil euros.

  11. Se os clientes das Páginas Amarelas efectuassem este novo pagamento, nos mesmos moldes já referidos, eram novamente contactados para efectuar novo pagamento relativo à patente de contribuinte e do roteiro.

  12. Assim, no inicio de 2006 a arguida AA de contratou como prestadores de serviços pessoas, para desempenharem funções de call center e que tinham por função telefonar para os clientes das Páginas Amarelas a fim de cobrarem os valores nos termos do plano delineado pela arguida AA de .

  13. Para esse efeito, entre o início de Janeiro de 2006 e pelo menos o final de Abril de 2008, a arguida AA contratou a prestação desses serviços as seguintes pessoas: a. EE; b. FF; c. GG; d. HH; e. II; f. JJ; g. LL; h. MM; i. NN; j. OO; k. PP. 15.

    Os colaboradores tinham como instruções específicas: - não se identificarem com o nome verdadeiro; - telefonarem para zonas fora do Distrito de Lisboa ou para folhas com listas telefónicas das páginas amarelas entregues pela arguida AA ; - tinham que dizer aos clientes das Paginas Amarelas que tinham que ser pagos urgentemente, cuja tabela das quantias estava junto aos telefones; - mais deveriam informar que a falta de pagamento acarretava multas ou/e o recurso aos tribunais; - caso as pessoas dissessem que não queriam pagar os colaboradores deviam passar o telefone à arguida AA de que pressionava os clientes das Páginas Amarelas para pagar, sendo que a AA se identificava normalmente como Drª QQ ou Drª RR do departamento jurídico.

  14. A arguida AA mandou fazer uma lista telefónica da ....

  15. O arguido BB nos contactos com os clientes que abordava, usava o nome de SS.

  16. No exercício da sua actividade foram usados os seguintes locais: a. Avenida ...; b. Estrada Nacional ...; c. Rua ...; d. Rua ....

    * Nuipc 119/06.4GCTB19.

    No dia 10 de Maio de 2006, pelas 11.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, TT, proprietário da Churrasqueira “A ...”, sita na Avenida ..., foi contactado por um individuo de sexo masculino que referiu chamar-se ... e uma pessoa de sexo feminino que referiu tratar-se da Drª RR, mas que na realidade se tratava da arguida AA .

  17. Os mesmos disseram-lhe que vinham da parte da ... que prestava serviços para as Páginas Amarelas e que TT, uma vez que a churrasqueira era publicitada nas Páginas Amarelas tinha que pagar o serviço de imediato depositando ou transferindo a quantia de 612,12 e caso não pagasse a divida seria superior.

  18. Como TT disse que não tinha o dinheiro todo foi acordado, entre este e a arguida, o pagamento em duas prestações, sendo fornecido o NIB nº ..., respeitante à conta pertencente à sociedade ....

  19. Assim, acreditando que devia tal quantia, nesse mesmo dia, 10.05.2006 pelas 12.10 horas, TT efectuou a transferência bancária de € 353,62 da sua conta nº ... para o NIB supra identificado.

  20. Após a transferência bancária o TT contactou a PT acerca da transferência de dinheiro ao que lhe responderam que a ... não tinha qualquer relacionamento comercial com a PT ou as Páginas Amarelas e que nada devia.

    Nuipc 277/06.8GBPBL24.

    No dia 05.06.2006 pelas 10.00 horas, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, UU recebeu um telefonema de um indivíduo do sexo masculino que lhe disse que estava a ser contactado pela ... porque era assinante das páginas amarelas e que devia pagar de imediato a quantia de 612,39 € que devia senão a colega da tarde enviaria o processo para contencioso.

  21. Após uma breve conversa o indivíduo de sexo masculino passou o telefone a uma pessoa de sexo feminino que lhe disse que tinha que fazer o pagamento de imediato fornecendo-lhe o NIB n.º ... e enviar o comprovativo de pagamento para o n.º de fax 21 ..., tudo propriedade da ....

  22. Como o UU era assinante das páginas amarelas e acreditando no que lhe diziam, nesse mesmo dia UU transferiu a quantia de 612, 39 € da sua conta n.º ... da caixa de Crédito Agrícola para o NIB identificado pertencente à ...

  23. Após contactou com as Páginas Amarelas a informar que tinha pago ao que lhe disseram que não tinha qualquer dívida e que tinha sido vítima de um logro.

    Processo n.º 757/06.5TAOLH incorporado no processo apenso n.º 663/06.3PAOLH 28.

    No dia 19.07.2006, a hora não concretizada, na sequência das ordens e instruções dadas pela arguida AA em execução do plano por esta gizado e supra descrito, VV, proprietário da sapataria denominada “Sapataria ..., Lda.”, sita em Moncarapacho, Olhão, foi contactado no seu telefone ..., por uma senhora que se intitulava de advogada da ... e que dizia chamar-se ..., sendo essa pessoa a arguida AA.

  24. Pela mesma foi dito que devia a quantia de 612,39 € pelo contrato de publicidade de uma lista telefónica, que devia pagar de imediato, uma vez que já tinha em cima da mesa os processos contra o VV para enviar para tribunal.

  25. Como o VV acreditou no que lhe dizia e por temer qualquer processo judicial então pediu que lhe informassem do modo de pagamento do valor.

  26. Pela arguida foi dito que devia fazer uma transferência bancária para o NIB n.º....

  27. Nesse mesmo dia o VV fez uma transferência bancária de 612,39 € para o NIB supra identificado cuja conta é titulada pela ....

  28. No dia 20.07.2006, a hora não concretizada, foi novamente contactado, por ordem da arguida AA, por pessoa de sexo feminino em que dizia que o VV ainda tinha uma dívida de mil euros e que devia pagar de imediato.

  29. Como o VV que não tinha esse dinheiro, então a referida pessoa disse que poderia pagar em duas prestações para o mesmo NIB, fornecendo os telefones n.º 21... e 21... para posteriores contactos com a ....

  30. Como o VV lhe disse que nada pagava porque não tinha uma factura do primeiro pagamento a mesma decidiu enviar-lhe uma factura e recibo.

  31. De seguida o VV enviou uma carta à ... a pedir a cópia do contrato, que não obteve qualquer resposta.

  32. Nesse momento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT