Acórdão nº 107/13.4JACBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução15 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, com os sinais dos autos, foi condenado por acórdão do tribunal coletivo do Tribunal Judicial da Lousã, de 6.3.2014, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, c) e e), do Código Penal (CP), na pena de 16 anos de prisão, e de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), por referência ao art. 204º, nº 1, f), ambos do CP, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 16 anos e 6 meses de prisão.

Dessa decisão interpôs recurso o arguido, concluindo: 1. O arguido, à data da prática dos crimes, tinha menos de 21 anos de idade.

  1. O Arguido não tem antecedentes criminais.

  2. A sua conduta posterior revela arrependimento pelos crimes cometidos.

  3. Atendendo aos princípios e regras do direito reeducador dos jovens imputáveis menores de 21 anos e à tão visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a medida da pena aplicada ao ora recorrente.

  4. Ao contrário do que julgou o douto Tribunal a quo, na decisão ora recorrida, entende-se ser possível fazer-se o tal juízo de prognose favorável à reintegração social do arguido.

  5. Pelo que, deverá o arguido beneficiar da aplicação especial do artigo 4º do Decreto-Lei 401/82, de 23 de Setembro, cuja aplicação foi, salvo o devido respeito, indevidamente afastada.

  6. Dos factos constantes da Acusação e dos factos provados em audiência de julgamento, resultou uma alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, nos termos do disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P.

  7. O Arguido foi condenado pelos crimes de homicídio qualificado, nos termos dos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al.s c) e j) e de roubo qualificado nos termos do art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) todos do Código Penal.

  8. O Arguido confessou a prática de um crime de roubo qualificado nos termos do art. 210.º, n.ºs 1, 2, al. b) e 3 do Código Penal.

  9. O Arguido entende que dos factos provados e não provados, resulta, unicamente, a prática de um crime de roubo qualificado p.p. no art.º 210.º n.º 1, 2 al. b) e 3 do C.P.

  10. Da prática do crime de roubo qualificado, p.p. no art.º 210.º n.º 1, 2 al. b) e 3 do C.P. resultou a morte de BB.

  11. O arguido deverá ser condenado em pena de prisão cuja moldura penal é de oito a dezasseis anos, especialmente atenuada pelo regime penal especial para jovens, constante do Decreto- Lei 401/82, de 23 de Setembro, pela prática do crime de roubo qualificado, p.p. no art.º 210.º n.º 1, 2 al. b) e 3 do C.P.

Respondeu o Ministério Público, dizendo: Entende o arguido, em primeiro lugar, que a sua conduta deveria ser juridicamente qualificada apenas e só por referência ao art. 210°, n.ºs 1, 2, al. b) e 3, do Código Penal, e não, como o tribunal considerou, como realizando um concurso material de infracções, concretamente, um crime de homicídio qualificado e um crime de roubo agravado.

Como é sabido, o n.º 3 do art. 210° do Código Penal, prevê aquilo que a doutrina designa como "crime preterintencional". A estrutura típica do crime preterintencional assenta na conjugação de um crime fundamental doloso com um resultado mais grave não doloso resultante daquele crime fundamental.

No caso, trata-se da fusão de um crime fundamental doloso (roubo simples doloso) e de um evento agravante negligente (homicídio).

Ora, tanto o "crime fundamental" como o "evento agravante", para utilizar a terminologia citada, resultaram de uma conduta dolosa do arguido.

Quanto ao crime de roubo, o arguido agiu com dolo directo: "O arguido (...) agiu com o propósito concretizado de se apoderar do fio de ouro com recurso ao uso de força física contra a ofendida, constrangendo-a a suportar a referida subtração, bem sabendo que se apropriava de coisa que não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua legítima possuidora." - ponto 19 dos factos dados como provados.

E, quanto ao crime de homicídio, agiu com dolo necessário: "Ao agir da forma descrita sobre o corpo da vítima sabia o arguido que os instrumentos (almofada e mãos) e meios utilizados eram aptos e adequados a causar as lesões traumáticas descritas e a morte de BB, e representou a morte da ofendida como consequência necessária da sua conduta." ponto 22 dos factos dados como provados.

Esta situação, que no velho Código Penal de 1886 configurava um único crime, o crime de latrocínio, previsto no art. 433º daquele diploma legal, no quadro legal actual é tratada como um concurso efectivo de infracções.

Se o homicídio for cometido para preparar, facilitar ou encobrir o roubo, não estaremos perante este preceito (o n.º 3 do art. 210°), mas sim perante um concurso de crimes (roubo em concurso com homicídio qualificado).

Não tem pois razão o recorrente, no que a esta questão diz respeito.

No que concerne à questão da aplicação (ou não) do regime penal aplicável aos jovens delinquentes, plasmado no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, designadamente a atenuação especial da pena prevista no art. 4° daquele diploma legal, ponderou o tribunal o seguinte: "Ora, na situação em apreço, analisando a globalidade da actuação e da situação do arguido, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime, entendemos que não há vantagens na atenuação especial da pena para a reinserção social do arguido. Com efeito, o arguido apenas confessou os factos de forma parcial, em audiência de julgamento, sendo que como resulta dos autos nunca o fez em momento anterior. Por outro lado, o arguido revela dificuldade em avaliar criticamente o comportamento criminal e em situações experimentadas por si de tensão e pressão externa parece evidenciar dificuldades em antecipar as consequências dos seus comportamentos e revela défices ao nível da interiorização dos limites da sua acção. Trata-se de um jovem adulto, cuja história de vida foi marcada por várias dificuldades e com problemas comportamentais nomeadamente ao nível da impulsividade e agressividade que se agudizaram ao longo do seu crescimento.

Acresce que não obstante se ter declarado arrependido, não o demonstrou inequivocamente, pois durante todo o julgamento não manifestou qualquer pesar com o sucedido, tendo-se apresentado impávido e sem qualquer emoção, mesmo até perante o depoimento da sua madrinha e filha da vítima CC. E apesar de o arguido não ter antecedentes criminais, a verdade é que aos 16 anos envolveu-se em factos desviantes situação que se arrastou durante cerca de 4 anos (vide também fls. 430).

Por fim, é ainda de realçar que à data dos factos o arguido vivia com os pais e irmão, sendo a dinâmica familiar pautada pelo esforço dos progenitores na disponibilização do melhor acompanhamento possível ao arguido que tinha naquela data um quotidiano pouco estruturado, com consumos regulares de haxixe e acompanhando jovens com o mesmo estilo de vida.

Considerando todo o exposto, no caso em apreço, os factos provados não permitem concluir pela formulação de um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido, de modo a concluir que se esteja face a fortes razões, "sérias razões", que levem a crer que da aplicação da moldura atenuada e mais benevolente resultante da atenuação possa resultar vantagem para a sua reinserção. Com efeito, os factos apurados não tornam viável a afirmação de tal conclusão, pois não ficaram provados factos demonstrativos da interiorização plena do desvalor da conduta, não sendo possível formular um juízo ou ter uma expectativa optimista sobre a personalidade do recorrente." A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos; a aplicação é, em tais circunstâncias, obrigatória.

Este regime deve, assim, ser aplicado sempre que houver "sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. - art. 4° do Decreto-Lei n.º 401/82.

Concretamente, “a atenuação especial da pena p. naquele art. 4.° do Decreto-Lei n.º 401/82, não se funda nem exige uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente, nem tem em conta gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade." "A atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao comportamento futuro, um «bom prognóstico», mas, simplesmente, um «sério» prognóstico de que dela possam resultar «vantagens» (quaisquer que elas sejam, pois que todas elas, poucas ou muitas, serão bem-vindas) para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado." Ainda que não se contestem os factos tomados em consideração pelo tribunal para afastar a aplicação do regime Decreto-Lei n.º 401/82, entendemos que, pelo menos de alguns deles se poderão retirar conclusões diferentes das que enformam a decisão recorrida.

Com efeito, ao considerar-se, como na decisão recorrida, que "se trata de um jovem adulto, cuja história de vida foi marcada por várias dificuldades e com problemas comportamentais nomeadamente ao nível da impulsividade e agressividade que se agudizaram ao longo do seu crescimento." E que, à data dos factos, "o arguido vivia com os pais e irmão, sendo a dinâmica familiar pautada pelo esforço dos progenitores na disponibilização do melhor acompanhamento possível ao arguido", cremos que existem sérias razões para crer que da atenuação podem resultar efectivamente vantagens para a reinserção do jovem arguido".

Daí que não nos repugne que, na escolha da medida da pena, se tenha efectivamente em conta a atenuação especial prevista no art. 4°, do Decreto-Lei n.º 401/82, e se possa reformular, em consonância, a medida concreta da pena aplicada.

Por sua vez, a assistente CC respondeu nos seguintes termos:

  1. Vem o presente...

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