Acórdão nº 45/12.8SWSLB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Outubro de 2014

Magistrado ResponsávelHELENA MONIZ
Data da Resolução02 de Outubro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I Relatório 1.

Na 6.ª Vara Criminal de Lisboa, foi julgado, como autor, AA e condenado, por acórdão de 13 de março de 2014, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de prisão efetiva de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo no disposto no art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (doravante CPP).

  2. O arguido AA, na interposição do recurso para este Tribunal, concluiu a sua motivação nos seguintes termos: «1. O Recorrente foi condenado a uma pena de prisão de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de um crime de tráfico, p. p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

  3. Porém, os factos carreados aos autos apontam para a prática, pelo Recorrente, de 1 (um) crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

  4. O artigo 25.° do aludido diploma legal refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados).

  5. A diminuição da ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta, assim, de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção.

  6. No caso sub judice, o Recorrente vendia produtos estupefacientes directamente ao consumidor final.

  7. Actuou sempre sozinho.

  8. Da quantidade de produtos estupefacientes apreendidos nos autos, bem como a falta de sofisticação dos meios utilizados pelo Recorrente na venda de pequenas doses de produtos estupefacientes aos consumidores finais, arriscando a ser detectado pelos agentes policiais, conforme veio a acorrer, é notório que estamos perante um pequeno traficante de rua.

  9. O grau de ilicitude é, no caso concreto, pequeno, pois, no quadro de um tráfico comum, a quantidade que detinha de produto não era elevada, os proventos também não o eram (nesse quadro), os meios usados eram rudimentares e o Recorrente fazia a venda "a retalho", sem usar intermediários.

  10. A forma de actuação do Recorrente aliada à sua toxicodependência e à quantidade de produto estupefaciente apreendido, permite-nos concluir que estamos perante uma situação de pequeno tráfico completamente distinta da do grande tráfico, razão pela qual a actuação do Recorrente deveria ter sido enquadrada no previsto no artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

  11. Ao decidir diferentemente o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

  12. Os factos provados devem ser qualificados no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e não no crime porque foi o Recorrente condenado.

  13. Consequentemente, a pena a aplicar ao Recorrente não deverá ultrapassar os 5 (cinco) anos de prisão, atento o limite máximo da pena aplicável previsto no artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, e deverá ser suspensa nos termos do previsto no artigo 50.° do Código Penal (CP).

  14. Este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.

  15. O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido.

  16. A suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

  17. Pese embora o Recorrente já tenha sido condenado anteriormente por crimes de idêntica natureza (tráfico) e, em consequência, tenha cumprido pena de prisão efectiva, no presente caso é, na actual fase da vida do Recorrente, possível a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça de regressar à prisão realizariam de forma adequada as finalidades da punição.

  18. O Recorrente, em julgamento, confessou de forma livre, voluntária, integral e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado, fez uma auto-crítica da sua conduta e demonstrou arrependimento.

  19. Declarou de forma sincera e credível ter-se envolvido nesta situação por se encontrar desempregado, sem qualquer apoio familiar e social e desesperado economicamente, uma vez que estava a ser pressionado por traficantes para pagar uma dívida própria relacionada com o seu consumo de cocaína (cf. Relatório Social do Recorrente a fls. 321 a 324).

  20. Como se nota na fundamentação do Acórdão, o Recorrente tem uma história pessoal dificil, marcada por precariedade económica, insucesso escolar, irregularidade laboral, desemprego, consumo de estupefacientes e instabilidade emocional e afectiva (pontos 40 a 55 do Acórdão).

  21. O Recorrente é uma pessoa de idade avançada (58 anos).

  22. Já esteve anteriormente privado da sua liberdade.

  23. Está absolutamente arrependido.

  24. É hoje uma pessoa mais madura e segura dos seus actos.

  25. Perspectiva retomar o projecto de vida, com a reintegração no agregado familiar, com a sua companheira e filha menor de idade, e o exercício laborai regular.

  26. A manutenção do Recorrente num estabelecimento prisional por longos anos poderá inviabilizar a sua reinserção social, além de contribuir para a sua exclusão social, dado que irá ter problemas acrescidos em integrar-se no mundo laboral quando tiver mais de 65 (sessenta e cinco) anos de idade.

  27. A idade avançada do Recorrente, o facto dé ter-se mostrado arrependido, ter apoio familiar, ter projectos de trabalho no Suturo e de ter deixado de consumir produtos estupefacientes, permite-nos concluir que é possível estabelecer um juizo de prognose no sentido de que com a simples ameaça da prisão o Recorrente irá manter a sua conduta de acordo com as normas sociais.

  28. A suspensão da execução da pena de prisão permite manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores de direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura social, familiar, laboral e comportamental como factores de exclusão.

  29. Assim, a pena a aplicar ao Recorrente deverá ser suspensa na sua execução nos termos do previsto no artigo 50.

    0 do CP.

  30. Mantendo-se qualificação dos factos praticados pelo Recorrente no crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, parece-nos que a pena aplicada ao Recorrente — 8 (oito) anos e 6 (seis) meses — é deveras exagerada, desproporcional, injusta e ilegal tendo em consideração os factores sociais e pessoais do mesmo e o seu arrependimento.

  31. No nosso entendimento, salvo o devido respeito por melhor opinião, na determinação da medida concreta da pena, respeitante ao crime de tráfico de, o Tribunal a quo não fez como devia uma equitativa ponderação.

  32. O crime de tráfico em que o Recorrente foi condenado é punível com prisão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, cf. artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.

  33. Contudo, porque o Recorrente tem antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza, é punido como reincidente, nos termos do artigo 75.° e 76.° do Código Penal, a moldura penal abstracta aplicável é de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses a 12 (doze) anos de prisão.

  34. A 1.ª instância fixou a pena em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  35. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

  36. Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, a falta de preparação para manter urna conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

  37. Pelas razões supra expostas — a idade avançada do Recorrente, o seu arrependimento sincero, o facto de ter apoio familiar, projectos de trabalho no Muro e ter deixado de consumir produtos estupefacientes — deveria ter sido aplicada a atenuação especial da pena prevista no artigo 72.°, n.° 1, e n.° 2, alínea c), do CP.

  38. No entanto, o Tribunal a quo, não teve em consideração tais factos na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido, nem os valorou em beneficio deste.

  39. A pena aplicada pelo douto Tribunal é excessiva, injusta e manifestamente ilegal, violando o disposto no artigo 72.°, n.° 1, e n.° 2, alínea c), e 73.° do CP.

  40. Entende o Recorrente que, mantendo-se a qualificação dos factos provados no crime de tráfico, p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, deverá ser aplicada ao Recorrente uma pena de prisão que não deverá ser superior a 5 (cinco) anos, a qual, pelas motivos já...

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