Acórdão nº 1552/07.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - RELATÓRIO 1. No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou, em 17 de abril de 2007, ação com processo comum, contra EPUL, EMPRESA PÚBLICA DE URBANIZAÇÃO DE LISBOA, pedindo que seja declarado ilícito o despedimento do A. e como tal, a condenação da R. a pagar-‑lhe: a) € 95.495,40, de indemnização pelo despedimento; b) € 75.000,00, de indemnização por danos não patrimoniais; c) As retribuições (incluindo o valor do seguro de saúde BB) que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da decisão do tribunal, incluindo vencimentos, férias, subsídios de férias e Natal; d) € 10.000,oo, de indemnização por violação do dever de ocupação efetiva; e) € 21.682,00 (mais IVA), por gastos inerentes ao patrocínio judiciário.

  1. Alegou, em síntese: Laborou para a R. e foi despedido ilicitamente, por: Ter caducado o processo disciplinar, instaurado muito para além do prazo de sessenta dias após o conhecimento dos factos constantes da nota de culpa; A infração ter prescrito porquanto a decisão de despedimento foi proferida após um ano sobre a primeira das faltas injustificadas imputadas ao A; A decisão ser nula por conter factos que não constam da nota de culpa, ao considerar como factos provados, declarações das testemunhas CC e DD, violando o seu direito ao contraditório; Inexistir justa causa de despedimento, porquanto obteve autorização expressa da R. para frequentar as aulas de mestrado durante o período laboral e à sexta-feira; e por não ter dado 10 faltas interpoladas no mesmo ano civil, porquanto as faltas imputadas distribuem-se pelos anos de 2005 e 2006; a sua baixa médica subsequente à cirurgia ocular não foi fraudulenta, tendo sido confirmada medicamente e pela segurança social; e as suas faltas foram sempre facto notório na empresa; e se o fez, foi sob recomendação expressa do médico psiquiatra; o pagamento de retribuição a trabalhadores que frequentassem o mestrado era prática corrente na empresa.

    Ser nula a prova obtida pela R. junto da Faculdade de Arquitetura sem consentimento do A. por violar o direito à proteção de dados pessoais (art.º 197 e ss. da p.i.), facto pelo qual apresentou queixa na Comissão Nacional de Proteção de Dados contra a R. e a Faculdade de Arquitetura, tendo a Comissão considerado existirem indícios suficientes da prática de duas infrações criminais em sede de proteção de dados, o que transmitiu ao Ministério Público; e ainda: Sofreu danos graves com a instauração do processo disciplinar; A partir de 25/5/2004 deixou de ter qualquer ocupação profissional, pelo que a R. violou o dever de ocupação efetiva; Viu-se obrigado a recorrer a assessoria jurídica bastante intensa a diversos níveis, atentas as consecutivas ilegalidades praticadas pela R.

  2. A R.

    contestou alegando: Só teve conhecimento da conduta do A. por comunicação do diretor de recursos humanos, em 30/6/2006, pelo que não caducou o procedimento disciplinar.

    Também inexiste prescrição porque os factos imputados não são as meras faltas injustificadas, mas todo um comportamento violador dos deveres de lealdade, zelo e respeito, bem como de assiduidade.

    Não há nulidade do processo disciplinar pois é dominado pelo princípio do inquisitório, realizando todas as diligências consideradas necessárias ao apuramento dos factos, nomeadamente os alegados pelo A.; A R. limitou-se a valorar as circunstâncias e a adequação do despedimento às mesmas, tendo concluído pela impossibilidade prática da manutenção do vínculo laboral; Estão em causa falsas declarações do A. quanto à justificação das faltas e quanto à sua presença na empresa; Jamais autorizou a frequência de aulas de mestrado em horário laboral; Considera válidas as provas produzidas no processo disciplinar; Negou a violação do dever de ocupação efetiva e no final, pediu a total improcedência da ação.

  3. Efetuado o julgamento o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu o Réu do pedido.

  4. Irresignado, o A. interpôs recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, na pretensão de ver declarada a ilicitude do procedimento disciplinar, com a consequente nulidade do despedimento.

  5. Por Acórdão de 18 de dezembro de 2013, o Tribunal da Relação deliberou: a) Não admitir o agravo do despacho que no saneador relegou para final o conhecimento, por falta de elementos, de questões suscitadas pelo A; b) Julgar improcedentes os dois restantes recursos de agravo (C2 e C3); c) Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação quanto à matéria de facto, aditando aos factos provados, sob o n.º 47 A: «47A. A instauração do procedimento disciplinar fez o A. perder a alegria de viver.» d) Quanto ao resto, julgar o recurso improcedente e confirmar a decisão recorrida.

  6. Inconformado, o A. interpôs Recurso de Revista Excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

    1. Em 17 de abril de 2007, o ora Recorrente EE apresentou junto do Tribunal de Trabalho de Lisboa, ação de impugnação de despedimento contra a Recorrida EPUL com fundamento na nulidade do processo disciplinar, por violação dos princípios do contraditório, da defesa e da igualdade e, subsidiariamente, por se concluir pela inexistência de justa causa.

    2. Esta ação correu termos no 4.° Juízo - 2.ª secção do mencionado Tribunal do Trabalho, sob o nº 1552/07.0TTLSB.L 1 e, em 05 de setembro de 2012, foi proferida a sentença que declarou não verificada a ilicitude do despedimento impugnado.

    3. Não se conformando com essa decisão, o ora Recorrente EE interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

    4. No entanto, e com o devido respeito, não pode o ora Recorrente EE aceitar a decisão do ilustre Tribunal da Relação, pelo que vem, através do presente recurso de revista, requerer a revogação do acórdão proferido pelo ilustre Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão proferida em primeira instância, pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, com fundamento em violação de lei substantiva por erro de interpretação e aplicação.

    5. O presente recurso de revista é admissível, porquanto o acórdão ora recorrido incidiu sobre decisão da 1ª instância que conheceu o mérito da causa e estão verificados os requisitos previstos no artigo 672.° nº 1 alíneas a), b) e c) do CPC.

    6. O presente recurso de revista é inequivocamente necessário (para) uma melhor aplicação do direito, para que se possa observar da forma mais correta possível a concretização dos fundamentos de ilicitude do procedimento disciplinar e a integração do conceito de justa causa.

    7. É essencial que o Supremo Tribunal de Justiça aclare que as faltas injustificadas com o conhecimento e autorização de um superior hierárquico, que a falta injustificada de junção de documentos solicitados pelo trabalhador no âmbito do procedimento disciplinar e que a inclusão de factos novos na decisão disciplinar, constituem factos susceptíveis de afectar a licitude do procedimento disciplinar.

    8. A isto acresce que a proibição de despedimento sem justa causa e a reserva da intimidade da vida privada são direitos constitucionalmente garantidos, pelo que uma decisão sobre estes aspetos detém, naturalmente, impacto nas situações da vida que as normas que regulam o despedimento e a reserva da intimidade da vida privada visam regular.

    9. Além disso estão em causa fatores que afetam a estabilidade das relações laborais e a segurança contra a arbitrariedade nos despedimentos, estando assim em causa um instituto com dignidade constitucional como sejam os princípios constitucionais da liberdade de expressão e de garantia do emprego.

    10. Existe, também, uma clara contradição entre o acórdão ora recorrido e o acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, de 21 de maio de 2008, referente ao processo nº 2110/2008-4, disponível in http://dgsi.pt/jtr.nsf, quer no âmbito das questões de nulidade do processo disciplinar, por violação dos princípios do contraditório e da defesa, quer relativamente às faltas injustificadas autorizadas constituir fundamento para aceitar a existência de justa causa.

    11. Em ambos os casos estamos perante situações em que trabalhadores: i) veem o seu direito de defesa comprimido, quando é-lhes tolhida a possibilidade de juntarem documentos que consideram importantes para a boa decisão da causa e ii) se veem privados de fazer uso da prerrogativa da reserva da intimidade da vida privada.

      I) Assim, existem evidentes semelhanças, de facto e de direito (quer ao nível da legislação aplicável, quer ao nível da questão fundamental) entre o caso debatido no Acórdão da Relação de Lisboa de 2008 e o debatido nos presentes autos, pelo que, também com este fundamento, deve o presente recurso ser admitido por estarem preenchidos todos os requisitos legais para tal.

    12. A isto acresce que no âmbito do acórdão referente ao processo n.º 154/97, de 18 de junho de 1998, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que num caso em que o trabalhador alega factos, na resposta à nota de culpa, que possam contraditar os factos contra si enunciados e requer prova essencial para a sua defesa, esta não pode ser rejeitada, bem como a decisão do instrutor que evidencie essa rejeição tem de ser adequadamente justificada, pelo que, também neste caso, se verifica uma oposição entre acórdãos no âmbito das questões de nulidade do processo disciplinar por violação dos princípios do contraditório e da defesa que justificam a admissão da presente revista.

    13. E mais se alega que o acórdão recorrido se encontra, ainda, em oposição com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no qual foi decidido que a inclusão de factos novos na decisão final de despedimento que não constavam, na nota de culpa e cuja importância foi determinante para a decisão de despedimento constitui uma clara violação do princípio do contraditório, o que implica a nulidade do procedimento disciplinar.

    14. Em 07 de janeiro de 2014, o ora Recorrente EE foi...

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