Acórdão nº 3573/11.9TBGDM.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Dezembro de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução09 de Dezembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

O Estado Português, representado pelo M°P°, propôs a presente acção de impugnação pauliana, com processo comum sob a forma ordinária, contra AA, BB e CC.

Pediu que: a) Seja declarada a ineficácia, em relação ao autor, do negócio jurídico descrito no art° 10° da p.i., efectuado entre os 1.ºs réus e a 2.ª ré, sendo esta condenada a restituir os bens aí referidos na medida necessária à satisfação integral do crédito do autor, permitindo-se a respectiva execução no património desta mesma ré; b) Subsidiariamente, seja declarado nulo o negócio de transmissão de propriedade, com as legais consequências.

Como fundamento, alegou que os 1.°s réus são casados entre si, sendo 2.ª ré filha daqueles. O 1.º réu foi gerente de uma sociedade ("DD") contra a qual foram instaurados quatro processos de execução fiscal por falta de pagamento de valores relativos a IVA, IRS e IRC, por quantias que ascendiam a €41.125,86, €27.583,42, €1.618,61 e €29.425,24. Uma vez apurada a inexistência de bens penhoráveis no património daquela sociedade, no âmbito dos processos executivos fiscais, foi operada a reversão e chamado o 1.º réu como responsável subsidiário, não tendo também ele procedido ao pagamento das quantias devidas nem tendo sido possível penhorar-lhe quaisquer bens. À data em que corriam três das mencionadas execuções fiscais contra a sociedade, os 1°s réus eram donos de um prédio urbano, com o valor patrimonial actual de €225.320,00, bem como do respectivo recheio. Antecipando uma mais do que certa penhora no âmbito dos referidos processos executivos, quando se operasse a reversão das dívidas fiscais para o 1.º réu, os 1.ºs réus doaram à 2.ª ré, por escritura pública datada de 14.02.2008, o referido imóvel; em 30.07.2010, foi efectuado um averbamento de rectificação à escritura, no sentido de passar a constar que a doação também incluía o recheio da casa. Os réus sabiam que a sociedade "DD" não possuía bens suficientes para a liquidação dos créditos fiscais devidos ao autor e que o 1.º réu, como devedor subsidiário, seria chamado através do instituto da reversão. Sabiam ainda que os 1°s réus apenas possuíam os bens já mencionados, os quais, por serem bens comuns dos 1.ºs réus, responderiam pelo pagamento das dívidas fiscais em causa, e pretenderam com tal transmissão impedir o autor de obter a satisfação coerciva dos seus créditos. O negócio é nulo por ter sido simulado e todos os réus agiram com a intenção de causar prejuízo ao autor, não tendo os 1°s réus querido doar aqueles bens à 2.ª ré.

Os réus contestaram, impugnando os factos relativos à simulação. Sustentam que as dívidas fiscais em causa não são comunicáveis à 1.ª ré mulher, mas antes da exclusiva responsabilidade do 1.° réu. Pelo que, sendo o imóvel bem comum e não tendo existido reversão contra a 1.ª ré, não pode o imóvel referenciado ser atingido pela execução. Defendem ainda que não se verificam os requisitos da acção de impugnação pauliana, desde logo quanto ao requisito da anterioridade do crédito do autor, porquanto a reversão para o 1.º réu é posterior à doação impugnada. Negam a prática de acto doloso com o fito de impedir a satisfação dos aludidos créditos fiscais e acrescentam que o valor usufruto dos bens, somado ao da quota de que o autor era titular na sociedade "DD", é suficiente para permitir a satisfação dos créditos fiscais em causa.

Concluíram pela improcedência da acção.

O A. ofereceu réplica, no essencial sustentando a comunicabilidade das dívidas fiscais do 1.º réu ao cônjuge e reafirmando a verificação dos pressupostos da impugnação pauliana, concluindo como na p.i..

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus dos pedidos contra si deduzidos.

Discordando desta decisão, dela apelou o Autor, tendo a Relação julgado procedente o recurso, em função do que revogou a sentença recorrida e julgou inteiramente procedente o pedido principal formulado pelo Estado Português.

Inconformados, os réus pedem agora revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido não teve presente a finalidade da acção de Impugnação Pauliana, sendo que o acto em crise não prejudicou o credor. Efectivamente: 2. Os doadores reservaram para si o usufruto do bem imóvel doado.

  1. Aquele usufruto tem um valor de pelo menos € 150.000,00 (vide resposta ao Artigo 17° da Base Instrutória) e o relatório pericial de fls. 351 e ss., aponta um valor para o usufruto de € 402.554,09 sendo que as dívidas fiscais ascendem tão só a € 139.472,87.

  2. O Acórdão recorrido violou assim, a nosso ver, e entre outros os artigos 610° a 612° do Código Civil.

    5. A responsabilidade do sócio gerente é subsidiária e só se verifica quando preenchidos os requisitos dos artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária, ou seja, aquando da reversão/citação para audiência prévia.

  3. O acto impugnado (de 2008) é anterior à responsabilidade do Recorrente/Réu marido (2010 e 2011, datas das reversões).

  4. Sendo o crédito posterior, é necessário que o acto realizado tenha sido dolosamente praticado, com a finalidade de impedir a satisfação do direito do futuro credor.

  5. Face à resposta à matéria factual vertida nos artigos 1° a 7° da Base Instrutória não ficou minimamente provado que a doação tivesse sido realizada dolosamente com intenção de impedir a satisfação do futuro crédito da DGSI, ora recorrida (sendo que ainda tivesse ficado provada aquela intenção a impugnação teria igualmente que improceder pois o usufruto tem um valor superior ao crédito do Fisco).

  6. Pelo que o Acórdão recorrido também violou os artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária aqueles dispositivos legais e ainda os arts 610º a 612º do Código Civil.

  7. O Acórdão recorrido ainda violou os artigos 1692º e 1695º do Código Civil, uma vez que a responsabilidade do Recorrente Marido (AA) não é comunicável à sua cônjuge (BB), logo, a acção não podia ser julgada procedente quanto a ela.

  8. O 1º Réu não era nem nunca foi comerciante, foi tão só gerente da Sociedade comercial, sendo certo que, a sociedade é que praticava os actos comerciais.

  9. Como não há qualquer responsabilidade da Recorrente mulher (2ª Ré), perante o fisco, não sendo a responsabilidade do 1º Réu comunicável e, tendo presente que o bem doado era comum do casal, nunca a acção poderia ser julgada procedente "in totum", ou seja, quanto a todos os Réus.

    Nestes termos, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e mantendo-se a decisão de 1ª instância.

    O autor contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

    Após os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    Questões a resolver: Está em causa a verificação destes requisitos da impugnação pauliana: - lesão da garantia patrimonial; - anterioridade do crédito.

    Discute-se ainda se a acção pode proceder contra a 1ª ré.

    III.

    No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes factos: 1. Os 1°s réus casaram entre si em 17.05.1969, sob o regime da comunhão de adquiridos (al. A) dos factos assentes); 2. A 2ª ré é filha dos 1.ºs réus (al. B) dos factos assentes); 3. O 1º réu marido foi gerente da sociedade "DD (Porto) - Materiais …, Ldª", N1PC …, desde a data da sua constituição, ou seja, desde 19.04.1978 (al. C) dos factos assentes); 4. O autor, após ter detectado o não pagamento voluntário pela sociedade "DD" de valores relativo a IVA cobrado aos seus clientes, IRS e IRC, instaurou em 22.05.2006, 20.09.2007, 25.03.2009 e Julho de 2001 os processos de execução fiscal n°s …, …, … e …, com vista a atingir tal finalidade (al. D) dos factos assentes); 5. Uma vez apurada a inexistência de bens penhoráveis no património da executada, foi chamado o 1.º réu nos referidos processos executivos, como responsável subsidiário, através do mecanismo da reversão, mediante citações recebidas por este a 11.10.2010 e a 22.07.2011 (al. F) dos factos assentes); 6. O 1º réu não procedeu ao pagamento das quantias em dívida nos processos de execução fiscal n°s …, …, … e …, que à data ascendiam a €41.125,86, €27.583,42, €1.618,61 e €29.425,24, respectivamente (al. G) dos factos assentes); 7. Os valores...

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