Acórdão nº 69/14.0YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução18 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I.

  1. AA, preso no Estabelecimento Prisional de Lisboa, à ordem do Processo nº 822/02.8PBBRR do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Instância Central – Secção Criminal – J4, veio requerer, por intermédio de advogado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, providência de habeas corpus, alegando, em síntese, que: «1ª) O arguido foi detido, em 25 de Agosto de 2014, para o cumprimento da pena de 5 anos de prisão efectiva em que foi condenado no âmbito dos presentes autos, pela prática de 3 crimes de furto qualificado, 2 crimes de furto de uso de veículo, 2 crimes de dano e 1 crime de detenção de arma proibida; 2.ª) O julgamento foi realizado na ausência do arguido, em todas as suas sessões, inclusive, a de leitura do douto acórdão condenatório, por não se ter reputado a sua presença essencial ou necessária, vindo o mesmo a ser condenado pela prática, em co-autoria material, pelos crimes supra enunciados, com depósito do acórdão condenatório na secretaria em 17 de Fevereiro de 2004.

    1. ) O acórdão condenatório foi sujeito a recurso pelo defensor do arguido, tendo o Venerando Tribunal da Relação de Évora mantido a decisão recorrida, com trânsito em julgado em 05-01-2006.

    2. ) Foram emitidos mandados de detenção e condução do arguido ao estabelecimento prisional competente e, mau grado a realização de várias diligências com vista ao seu cumprimento, até ao dia 25 de Agosto de 2014, tal desiderato não foi alcançado, em virtude do paradeiro deste ser desconhecido para as autoridades públicas, por o mesmo se encontrar a residir e a trabalhar na República da Irlanda desde Novembro de 2002.

    3. ) Em processo penal a presença do arguido em julgamento é, em princípio, obrigatória, por via do estatuído no art.º 332.º n.º 1 do CPP, mas esta regra não é, em sentido estrito, absoluta, como aliás a própria norma indicia, ao dizer, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 333.º e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 334.º, casos em que, expressamente, se prevê a possibilidade da realização de julgamento na ausência do arguido, por falta do mesmo apesar de notificado para a audiência, ou por a sua ausência ser determinada, por exemplo, por via da notificação edital.

    4. ) Nas situações em que o arguido está ausente desde o início da audiência de julgamento e, por isso, também à leitura da respectiva sentença, in casu, do acórdão condenatório, a lei considera-o representado pelo defensor, mas exige que a notificação da decisão lhe seja feita pessoalmente.

    5. ) No caso vertente, em que o arguido esteve sempre ausente durante o julgamento, incluindo a leitura da decisão, a sentença tem de lhe ser notificada pessoalmente, contando-se o prazo para interposição do recurso a partir dessa notificação - Cfr, neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2011, 4ª edição, pág. 1005.

    6. ) Em nenhum lado a lei refere que o arguido se considera representado por defensor para efeitos de notificação da sentença após um julgamento ao qual não compareceu (nunca).

    7. ) Vale assim a regra estatuída no art.º 333.º, n.º 5 do CPP, aplicável de forma indubitável ao caso vertente e pela qual, tendo em conta que o arguido não compareceu na audiência de julgamento nem na leitura da sentença, esta ter-lhe-á de ser notificada logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, contando-se então e desde aí, o prazo para a interposição de recurso.

    8. ) E, nessa notificação, o arguido é informado do direito de recorrer da sentença e do respectivo prazo, nos termos do art.º 333.º, n.º 6, do CPP.

    9. ) O Tribunal da 1.ª Instância não cumpriu o disposto no n.º 5 do art.º 333.º do CPP, na medida em que o arguido foi sempre julgado na ausência, inclusivamente na leitura do acórdão condenatório, pelo que o prazo a propositura de recurso ainda não começou a correr e, consequentemente, não houve trânsito em julgado da decisão.

    10. ) Pelo contrário, o Tribunal da 1.ª instância, ao considerar que o arguido foi notificado da sentença por intermédio do seu defensor e, por consequência, que a mesma teria transitado em julgado, violou o disposto no art.º 333.º n.º 5 do CPP.

    11. ) Este tem sido o entendimento do Colendo Tribunal, por exemplo, in ACSTJ de 18-05-2006 no Proc. n.º 1817/06 - 5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) Carmona da Mota Pereira Madeira Simas Santos: “I - A norma do art. 333.° do CPP regula as situações de ausência do arguido a toda a audiência de julgamento (produção de prova e leitura da sentença), enquanto que a do art. 373.° do mesmo diploma legal se refere à ausência do arguido apenas à leitura da sentença.

      II - Se o arguido, ainda que regularmente notificado, não comparece à audiência de que pode não ter conhecimento uma vez que a sua notificação é feita por via postal simples, deve ser-lhe concedida a possibilidade de, apresentando-se ou sendo preso, ser notificado da decisão, só então se iniciando o prazo para o respectivo recurso.” 14.ª) Consequentemente, o arguido ainda não foi notificado do douto acórdão que o condenou numa pena de 5 anos prisão efectiva, nos termos e para os efeitos do art.º 333.º, n.º 5, do CPP, temos que não começou a correr o prazo para recurso dessa decisão e, portanto, também ainda não houve trânsito em julgado da mesma.

    12. ) O recurso interposto da decisão condenatória pelo defensor do arguido, ausente na audiência de discussão e julgamento, antes deste da mesma ter sido notificado, não deve ser objecto de admissão e, nesse caso, de conhecimento pelo tribunal superior – Cfr. Ac. TRC 21-03-2012, no âmbito do Processo N.º 83/08.5JAGRD.C1: Ac. TRC de 08-02-2012, no âmbito do processo n.º 161/03.7GAMIR.C2; Acs. do TC n.ºs 312/05 e 422/05, in www.tribunalconstitucional, da Relação do Porto de 21-02-2007 (proc. n.º 0646069), da Relação de Coimbra de 26-09-2007 (proc. n.º 255/01-1PBTMR-A.C1) e da Relação de Guimarães de 10-03-2003, in www.dgsi.pt], entre outros; 16.ª) As razões determinantes da exigência legal de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna.

    13. ) Além disso, no campo das hipóteses, uma vez notificado da sentença, pode o arguido cortar a ligação antes estabelecida, por via do mandato conferido ou da nomeação oficiosa, com o mandatário já constituído ou com o defensor que lhe fora nomeado, conferindo a sua defesa, alargada à interposição de recurso, a diversa individualidade.

    14. ) Não obstante o recurso em causa ter sido (prematuramente) admitido no tribunal a quo, ocorre, como acima ficou dito, uma circunstância obstativa do conhecimento do mesmo, qual seja a de o arguido, julgado na sua ausência, nos termos...

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