Acórdão nº 333/09.0TVLSB.L2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Setembro de 2014
Magistrado Responsável | PAULO SÁ |
Data da Resolução | 16 de Setembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Processo n.º 333/09.0TVLSB.L2.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I ─ AA veio intentar acção de condenação, em processo declarativo comum, sob a forma ordinária, contra o Banco BB, S.A.
na qual pede a condenação do R. a repor na conta da A. o montante de € 34.123,70, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data de cada uma das transferências até à efectiva reposição, devendo ainda indemnizar a A. por danos não patrimoniais, para ressarcimento da situação de sofrimento permanente que o R, com o seu comportamento, lhe causou.
Alega sucintamente que é a única titular da conta bancária n.º ..., no balcão do R. na Av.ª …, que incorporou, por fusão, o Banco CC.
Sucede que, em Janeiro de 2009, a A. recebeu um documento que lhe dava conta que tinha sido feita uma transferência da sua conta para o Bank of DD, em Nova Iorque, no valor de € 4.000,00, a favor de EE, que é pessoa que a A. não conhece.
Contactado o R., veio a ser informada que a partir da referida conta haviam sido processadas três transferências no valor de € 34.123,70, a favor da dita pessoa, transferências que a A. nunca ordenou.
Tendo sido solicitado ao R. que repusesse os fundos na sua conta, o mesmo não o fez.
Para além de impedir o uso por parte da A. dos fundos depositados na conta e que indevidamente foram transferidos para terceira pessoa, o comportamento do R. causou à A. sofrimento e stress.
Citado o R, contestou invocando que as transferências em causa foram feitas por ordem da A, tendo o Banco adoptado todos os procedimentos de segurança, concluindo assim pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Notificada, a A, replicou, mantendo no essencial a posição vertida na petição inicial.
O R. veio ainda suscitar a questão da inadmissibilidade da réplica, ao que a A. deduziu oposição.
Findos os articulados, veio a ser designada data para a realização de audiência preliminar, onde foi decidido ser a réplica admissível e, na sequência, proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto assente e a levar à base instrutória, por decisão de que ambas as partes reclamaram, tendo tais reclamações sido indeferidas, por despacho de fls. 216 a 219.
Admitida a prova requerida, veio a ser designada data para a realização de julgamento, que decorreu com observância das formalidades legais.
Finda a produção de prova, foi dada resposta aos factos que constavam da base instrutória, por decisão de que reclamou o R.
As partes apresentaram alegações de direito e, de seguida, foi proferida sentença que absolveu o R. dos pedidos.
Dessa sentença recorreu a A., tendo esse recurso sido decidido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 782 a 800, que anulou o julgamento, ordenando que se procedesse a um novo julgamento quanto aos quesitos 9.º a 13.º, 19.º, 23.º a 26.º, 28.º a 30.º, 35.º e 36.º.
Regressados os autos à 1.ª instância, foi designada nova data para audiência de julgamento, a qual decorreu com observância das formalidades legais.
Finda a produção de prova, foram respondidos aos factos sobre que incidiu a repetição do julgamento, por decisão de que apenas a A. reclamou, tendo tal reclamação sido oportunamente apreciada.
As partes voltaram a apresentar alegações sobre o aspecto jurídico da causa e, de seguida, foi proferida nova sentença, a absolver o R. dos pedidos.
Inconformada, voltou a apelar a A., tendo esse recurso sido decidido por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6.03.2014 que concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando a acção parcialmente procedente, condenando o banco recorrido a colocar a recorrente na situação em que se encontrava se as transferências da conta da recorrente não tivessem sido ordenadas, restituindo-lhe os respectivos depósitos e reconstituindo os produtos financeiros por ela contratados, acrescidos dos juros, das despesas de transferências e penalizações ilicitamente aplicadas, bem como no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, desde a data de cada uma das transferências e até à efectiva reposição e absolvendo-o do pedido de condenação no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais à autora.
De tal acórdão veio o R. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.
O recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: A. O douto Acórdão recorrido, revogando a sentença recorrida, veio julgar a acção parcialmente procedente, condenando o ora Recorrente a "colocar a recorrente [aqui Recorrida] na situação em que se encontrava se as transferências da conta da recorrente não tivessem sido ordenadas, restituindo à recorrente os respectivos depósitos e reconstituindo os produtos financeiros contratados pela recorrente, acrescidos dos juros, das despesas de transferência e ilicitamente aplicadas, bem como no pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde a data de cada uma das transferências e até à efectiva reposição".
B. Salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, apreciou de forma errada os termos da presente acção, face à prova produzida em audiência de julgamento e fixada assente e ao teor dos documentos aportados aos autos relevantes para a decisão de mérito.
C. A ora Recorrida peticionou a condenação do R. a repor na conta da A. o montante de € 34.123,70, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data de cada uma das transferências até à efectiva reposição, devendo ainda indemnizar a A. por danos não patrimoniais, para ressarcimento da situação de sofrimento permanente que a R. com o seu comportamento causou.
D. O douto Acórdão recorrido entendeu, contraditando o decidido em primeira instância, que do cotejo da matéria factual assente, que o "recorrido [aqui Recorrente] não cumpriu com a sua obrigação de agir com especial diligência e cuidado nas referidas operações em que procedeu às três transferências efectuadas, tendo contribuído objectivamente para o resultado verificado, ou seja, desmobilizado as aplicações financeiras da recorrente e transferido o respectivo montante para a conta n.º … ABA … no Bank of DD, nos EUA (Estados Unidos da América) em nome de EE".
E. Certo é que a asserção retirada resulta de uma apreciação selectiva e de prognose dos elementos documentais existentes nos autos, carecendo de valorar a profusa matéria de facto assente nos presentes autos, maxime todas as diligências encetadas pelo Apelado no sentido de confirmar os elementos necessários para a realização das transferências à data e no contexto em que tais eventos ocorreram.
F. A ponderação feita estende de forma irrazoável e inconcretizável no tempo e lugar em que a mesma teria de ter ocorrido, o dever de diligência imposto ao Recorrente para o cumprimento das obrigações que decorrem do serviço bancário que presta.
G. Na verdade, ficou provado que o Recorrente usou e procedeu com toda a diligência, dado o processo de verificação que encetou, convencido que estava que foi a Recorrida quem deu as ordens de transferência, H. E mostra-se amplamente demonstrado que o Recorrente "agiu convencido de que estava a cumprir uma ordem legítima provinda da própria A. e, para tanto, teve o cuidado de não se bastar com a comunicação feita por via telefónica, tendo solicitado que essa ordem fosse confirmada por escrito, o que veio a acontecer das 3 vezes, conforme documentos de fls. 158, 162 e 164”.
I. E mais, "relativamente à segunda dessas confirmações por escrito, que era de maior valor, o funcionário do R. terá mesmo exigido que a assinatura da A. fosse reconhecida pelas autoridades consulares, o que ficou a constar de fls 162." J. O Recorrente agiu assim julgando que estava a cumprir legitimamente um dever emergente do próprio contrato de depósito bancário, K. Face ao que decorre do dever de diligência inscrito nos dispositivos legais que regem a actividade bancária, constata-se ex abundanti que o Recorrente tudo fez para confirmar a legitimidade das ordens de transferência, L. O comportamento adoptado superou os normais padrões de exigibilidade contidos nos usos bancários e largamente superou o critério do "bonus pater famílias".
M. Sendo também relevante o facto de a Recorrida, alertada para a situação pelo contacto telefónico ocorrido, ter negligenciado a promoção das diligências necessárias para fazer cessar as transferências, contribuindo, assim, decisivamente, e por culpa sua, para a ocorrência das mesmas.
N. A colocação desta bitola de exigência no patamar idealmente conceptualizado pela Doutrina e pela Jurisprudência tem de estar confortada com factos que, de maneira indubitável, exijam ao prestador de serviços bancários um comportamento diverso, mais exigente e adequado à sua especialidade profissional.
O. Tal, porém, deverá provir de factos que, conferidos no tempo e lugar em que ocorreram, determinassem, de forma evidente ao julgador, a possibilidade de comportamento diverso face às circunstâncias.
P. O juízo censório do douto Acórdão recorrido provém, porém, não só de um juízo de prognose posterior, mas também da ponderação conjunta de todos os elementos probatórios carreados, o que, salvo melhor opinião, distorce a necessidade de filtrar tal juízo de acordo com as circunstâncias concretas do tempo e do lugar em que os eventos ocorreram.
Q. Doutro modo, estaríamos sempre perante uma inevitabilidade de impossibilidade de afastamento da presunção de culpa na medida em que a mera existência de um resultado prejudicial para o lesado, determina não só a elevação dos padrões de aferição mas também o cotejo das circunstâncias, efectuado de forma global e ponderando, em momento posterior e distanciado, premissas factuais que, no momento da ocorrência dos factos, não poderiam ser tomadas em consideração pelos protagonistas dos mesmos.
R. É, pois, incontestável a leitura, já presente em sede de primeira instância...
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...17 e segs.. (9)-In Manual de Direito Bancário, 2ª Edição, 2001, Almedina, págs. 377 e segs.. (10)-Cfr. Ac. do STJ de 16-09-2014 (proc.nº 333/09.0TVLSB.L2.S1) in (11)-Cfr. Sofia de Sequeira Galvão, in “O Contrato de Cheque”, AAFDL, 2013, 45. (12)- Cfr. Sofia Galvão, ibidem. (13)-In Da Proble......