Acórdão nº 121/10.1TBPTL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução09 de Setembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório AA, residente em ..., ..., ..., BB, morador na rua ..., …, ….º dto., ..., ..., CC, residente no lugar da ... daquela freguesia da ..., DD, residente na rua da ..., ..., casa 2, 1.º, ..., EE e FF, ambas moradoras na freguesia da ..., aquela no lugar de ... e esta no lugar de ..., vieram propor contra ”GG – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na ..., …, Lisboa, a presente acção ordinária, pedindo a condenação da Ré no pagamento, a título de indemnização por acidente de viação, da quantia de € 205000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acidente até integral pagamento.

    Foi admitida a intervenção do “Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões” que peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe o subsídio por morte de HH e a pensão liquidada à 1.ª Autora.

    A ré contestou, alegou a ilegitimidade da autora bem como impugnou a matéria alegada na petição.

    A autora replicou e requereu a intervenção principal dos seus filhos e da vítima o que foi Admitido por despacho de fls. 79 e 80.

    Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar: “(…) a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolve-se a Ré ”GG – Companhia de Seguros, S.A.” dos pedidos formulados pelos Autores AA; BB; CC; DD; EE; e FF e pelo interveniente “Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões” Desquiciados com o julgado, apelaram os demandantes, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão prolatada a 17 de Dezembro de 2013 - cfr. fls. , desatendido a pretensão recursiva, por confirmação (unânime) do julgado em primeira instância.

    Constituída uma dupla conformidade, pediram os demandantes revista excepcional, escorando a sua pretensão nas alíneas a), b) e c) do artigo 672.º, n.º 1 do Código Processo Civil, tendo a comissão e apreciação prévia, por decisão de 27 de Maio de 2014 – cfr. fls. 623 a 629 – desatendido a excepcionalidade com fundamento nas alíneas a) e b) e estimando ocorrer contradição/oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão esgrimido como fundamento da oposição de julgados deste Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 2007 – cfr. fls. 598 a 621. [[1]] Para a pretensão que alentam, alinham os recorrentes o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.

  2. – Quadro Conclusivo.

    “1. Nos presentes autos o tribunal a quo deu por não provados os quesitos 1.º, 3.º,4.º (no que concerne ao tardio accionamento do sistema de travagem por parte da condutora), 5.º (concluindo que a condutora podia avistar o peão apenas a cerca de 30 metros), 6.º; 2. Ao invés, no sentido da imputabilidade do acidente ao peão sinistrado, deu por provados os quesitos 32.º e 33.º, 34.º (considerando que, antes de travar, o VU seguia a uma velocidade que oscilava entre os 55 e os 60 km/h) e 35.º; 3. A convicção do tribunal assentou, nos dizeres da M.

    a Juiz, " na análise crítica de toda a prova produzida, à luz das regras da experiência comum: “a qual, na explanação dos motivos da resposta dada à matéria controvertida, sustentou que "relativamente à forma como ocorreu o acidente, a única pessoa que mostrou conhecimento directo foi a condutora do veículo, II, 4. O tribunal de recurso manteve inalterada a matéria de facto definida pelo tribunal a quo, considerando que a primeira instância efectuou uma apreciação crítica da prova produzida, designadamente dos depoimentos sindicados em sede recursória, sustentando que " nenhuma outra testemunha - para além da condutora do VU - presenciou o acidente'.

    1. Do que se conclui que o julgamento da culpa na eclosão do acidente assentou exclusivamente no depoimento da condutora do VU, interveniente no acidente, do qual resultou a morte do peão sinistrado, inexistindo qualquer outra testemunha presencial do acidente.

    2. Embora não se pretenda colocar à análise deste Supremo Tribunal a reapreciação do depoimento desta testemunha - pois que se conhecem as suas limitações legais em sede de apreciação da prova - certo é que tal depoimento deveria ser valorado pelo julgador com especial cuidado e critério, em virtude de a testemunha ter figurado como arguida no processo-crime que correu paralelamente à presente acção cível.

    3. Com o devido e merecido respeito, afigura-se deveras imprudente, insensata, mesmo ofensiva do senso comum, a fundamentação veiculada pela M.

      a Juiz da primeira instância ao considerar que o facto dc II já não poder sofrer consequências penais pelo acidente (face à decisão dc não pronúncia dc fls. 232 a 242) contribui para reforçar a credibilidade do seu depoimento, além dc que, não sendo parte no presente processo, é-lhe indiferente o seu desfecho.

    4. Pois, como facilmente se compreende, ao homem comum é difícil aceitar que o depoimento desta testemunha não se encontre eivado dos resquícios daquela que é (ou foi) a sua argumentação e defesa no processo-crime.

    5. Aos olhos do homem médio afigura-se natural que qualquer arguido em processo criminal adopte uma postura defensiva perante os factos de que é acusado, no uso das prerrogativas que o processo penal lhe confere, de forma a precludir, mitigar ou atenuar as consequências penais dos factos que lhe são imputados. Trata-se, com efeito, de um comportamento instintivo do ser humano, que o homem médio não ignora e que a lei processual penal acolhe, com eco, entre outros, na alínea d) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 3, ambos do artigo 61.º do CPP.

    6. O que não se afigura natural, causando espécie ao homem médio, abalando a sua confiança na justiça, é o entendimento veiculado na fundamentação à decisão sobre a matéria de facto segundo o qual o depoimento da testemunha assume reforçada credibilidade em virtude de esta já não poder sofrer consequências penais pelo acidente. Isto porque, tendo a testemunha assumido e exteriorizado uma versão do acidente enquanto arguida no processo-crime, não é minimamente razoável que venha posteriormente deixar cair em tribunal a sua versão anterior a respeito do mesmo acidente.

    7. Além do mais, mostra-se desprovida de rigor a argumentação de que o desfecho do processo era de todo indiferente para a testemunha, pois que, em função desse desfecho, poderia verificar-se uma eventual penalização ou agravamento do prémio do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel da condutora.

    8. No modesto entendimento dos autores constitui uma afronta aos valores socioculturais dominantes, minando a confiança na justiça, decidir da culpabilidade na eclosão de um acidente como o relatado nos autos - um atropelamento mortal não presenciado por mais ninguém que não o condutor do veículo atropelante - acatando religiosamente o depoimento deste condutor, que por todos os motivos supra apontados, se encontra manifestamente comprometido com a causa.

    9. Esta afronta aos valores socioculturais dominantes atinge o seu pico quando se sobrevaloriza de tal forma o depoimento dessa testemunha, ao ponto de se alterar, numa perspectiva paternalista, a tese da própria ré - foi isso que aconteceu na resposta dada ao quesito 34.º, pois, não obstante a ré alegar no artigo 24.º da douta contestação que o VU seguia a uma velocidade que "oscilava entre os 60 e os 70km/h, a Mma. Juiz decidiu acolher religiosamente a versão da condutora, mais conservadora que a da própria ré, dando por provado que "o VU seguia a cerca de 55 a 60 km/h” 14. Por outro lado, o peão sinistrado acabou por falecer no fatídico acidente, ficando, por isso, impedido de oferecer a sua versão dos factos em tribunal, ao contrário da ré que dispôs de uma testemunha privilegiada, claramente comprometida com a causa - a condutora do veículo atropelante.

    10. Por via disso, deve entender-se que as partes não pleitearam em perfeita paridade de condições nem gozando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes era devida, em clara violação do princípio da igualdade das partes.

    11. Por tudo quanto se expôs, salvo mais douta opinião, deverá considerar-se que os interesses que os autores visam acautelar revestem particular relevância social, cabendo na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P. C.

    12. E, em conformidade com o predito, o processo deverá ser mandado baixar à Relação, para, com base na análise crítica e rigorosa do depoimento da referida condutora, serem reformuladas as respostas dadas à matéria de facto, quanto à matéria da culpa, e decidir-se pela procedência da acção.

    13. Aqui chegados - e sem prescindir - é modesto entendimento dos autores que a questão supra analisada encerra uma matéria cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se afigura necessária para uma melhor aplicação do direito.

    14. Nos presentes autos o julgamento da culpa na eclosão do acidente teve por base exclusivamente o depoimento da condutora do veículo de matrícula -VU, única pessoa que presenciou o acidente, do qual resultou a morte do peão sinistrado.

      Nenhuma outra testemunha presenciou o acidente.

    15. Pelos motivos supra elencados, designadamente pelo comprometimento da testemunha com a causa, o depoimento dessa condutora, prestado neste processo em que foi demandada a respectiva seguradora, deveria ser valorado como se de um depoimento de parte se tratasse, nos moldes consagrados no artigos 452.º e seguintes do CPC aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, 21. Tal significa que só deveria ser aproveitado relativamente aos factos desfavoráveis à seguradora, pois só assim ficaria estabelecido um correto equilíbrio da posição das partes e dos interesses em jogo.

    16. Com efeito, ao valorar como depoimento testemunhal o depoimento da condutora do veículo interveniente no acidente, do qual resultou a morte do peão sinistrado, sem a indicada limitação, o douto tribunal violou o princípio da igualdade das partes resultante dos atuais artigos 4.º e 496.º do C.P.C.

    17. A alínea a) do n.º 1 do artigo 64.º do Dec. lei 291/2007, consagra, sob a epígrafe de legitimidade das partes, que as acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de...

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